A carreira sindicalista de Luís Inácio Lula da Silva iniciou-se em 1970 como suplente de diretoria, ao participar, no dia 20 de fevereiro, da assembleia convocada pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo no Cine Anchieta. A categoria deveria decidir se integrava a campanha salarial de abril sob o comando da Federação dos Metalúrgicos do Estado de São Paulo, ou alçaria voo isoladamente. Agentes do DOPS infiltraram-se entre os operários, conforme relatório reservado disponível na internet. Participei da mesa diretora, como advogado da entidade, a convite do presidente Paulo Vidal.
Em 19 de abril de 1975 Lula assume a presidência do Sindicato, em solenidade a qual compareceu o governador Paulo Egydio Martins. A primeira campanha de repercussão nacional, por ele liderada, foi deflagrada em setembro de 1977. Reivindicavam os trabalhadores a reposição de perdas salariais da ordem de 34,1%, provocadas pela manipulação dos índices de inflação pelo Ministério da Fazenda com o objetivo de reduzir a taxa oficial de reajustamento salarial. Registra o livro Imagens da Luta – 1905/1985, editado em 1987 pelo Sindicato, que a Campanha de 1977 trouxe como resultado “o Sindicato como a grande referência política da categoria e a reativação da vida sindical”.
A primeira greve dos metalúrgicos do ABC foi deflagrada no dia 12 de maio de 1978. Ajuizado o dissídio pela Federação das Indústrias (FIESP) no dia 16, o julgamento, designado para o dia 18, concluiu pela ilegalidade do movimento por 15 votos contra 1, do juiz classista Marcelino Marques. A greve persistiu e, no dia 31, o Sindicato e o Grupo 14, representando o Sindicato da Indústria Automotiva, após prolongadas negociações assinaram, na sede da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA), Convenção Coletiva de Trabalho.
O movimento grevista foi encerrado mediante a concessão de aumento real de 5,5% sobre os salários reajustados na data-base, sem desconto dos dias parados ou punição dos grevistas. Participei das negociações, como advogado do Sindicato e assinei a Convenção ao lado de Lula, Devanir Ribeiro e Valter Barelli.
São raros os trabalhos imparciais relativos ao período 1978, 1979 e 1980, durante o qual os metalúrgicos de São Bernardo revigoraram a vida sindical anestesiada desde abril de 1964, pelas intervenções decretadas pelo Ministério do Trabalho. A mais longa e difícil foi deflagrada no dia 1º de abril de 1980, com o apoio dos metalúrgicos de Santo André e São Caetano. Como se esperava a FIESP ajuizou dissídio com pedido de decretação da ilegalidade da paralisação. Rapidamente o TRT de São Paulo colocou o processo em pauta e decidiu. Incumbido das defesas escritas e sustentações orais, esperava pela repetição dos maus resultados. Por maioria de votos, porém, o Tribunal deu-se por incompetente para apreciação a matéria, graças ao voto do Juiz Octávio Pupo Nogueira Filho. Detalhada reportagem sobre o julgamento foi publicada pela IstoÉ, em matéria assinada por Luiz Roberto Serrano e Tão Gomes Pinto (9/4/1980).
Ausente Lula acompanhava-me o vice-presidente Rubens Teodoro de Arruda, o Rubão, na companhia de quem segui para São Bernardo, a fim de transmitir a notícia aos dirigentes e grevistas.
A decisão favorecia a greve, pois afastava o risco da intervenção. A Lei nº 4.330/1965, como a atual Lei nº 7.783/1989, determinava o retorno ao trabalho, qualquer que fosse o teor da sentença judicial. Ciente do resultado, Lula pediu-me tempo para pensar. Ao retornar afirmou que a greve teria continuidade. Indagou-me, então, o que viria a acontecer. Respondi-lhe que não saberia dizer, mas que o Sindicato enveredava pelo terreno da ilegalidade.
A decisão judicial provocou o retorno ao trabalho em cidades do interior. Em seguida a FIESP ajuizou o segundo dissídio para requerer a decretação da ilegalidade da greve, fundamentado na desobediência à decisão judicial anterior, conforme rezava o artigo 25, III, da Lei nº 4.330/64.
O Sindicato de São Bernardo aos poucos ficou isolado. Em São Caetano os operários retomaram o trabalho. Em Santo André a greve se enfraquecia diariamente. Em 15 de abril o TRT de São Paulo decreta a greve ilegal. No dia 17, o Ministro Murilo Macedo intervém no Sindicato e afasta Lula e demais diretores.
A intervenção consumou-se em 18 de abril. A ROTA, presente o comandante da Polícia Militar, coronel do Exército Arnaldo Braga, escoltava o Delegado do Trabalho Ricardo Nassin Saad e o interventor Osvaldo D’Aguiar Batista. O Sindicato encontrava-se vazio. Nas imediações, metalúrgicos aguardavam o desfecho dos acontecimentos. Como advogado, esperei a comitiva na entrada do edifício. O deputado Flávio Bierrembach, companheiro do PMDB na Assembleia Legislativa, permaneceu ao meu lado.
O Ministro Murilo Macedo manteve a intervenção até fevereiro de 1981. Lula foi preso, condenado e, depois, absolvido. Em liberdade optou pela vida política. Fundou o Partido dos Trabalhadores, foi deputado constituinte e chegou duas vezes à presidência da República. A carceragem em Curitiba é apenas um dos capítulos, talvez não o final, de conturbada História de vida.
(Texto de Almir Pazzianotto Pinto, advogado, foi presidente do Tribunal Superior do Trabalho e ministro do Trabalho)
da Redação