Congresso criou "trânsito em julgado" em 2011 para proteger réus do "mensalão"

03/04/2018 às 14:12 Ler na área do assinante

O resultado do julgamento do Habeas Corpus em favor de Lula, marcado para esta quarta-feira (4) pelo plenário do STF, será uma antecipação do que vai ser decidido, no futuro, quando as Ações Diretas de Constitucionalidade (ADC) nºs 43 e 44, da relatoria do ministro Marco Aurélio, forem submetidas ao mesmo plenário da Corte. Referidas ações pedem que o STF considere constitucional o artigo 283 do Código de Processo Penal que diz:

"Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado....".

Nesta expressão "transitada em julgado" é que está a questão. Se o HC for concedido a Lula, é certo que as mencionadas ADCs também serão acolhidas quando forem julgadas. E aquela recente jurisprudência de 2016, do mesmo plenário do STF, que por 6 a 5 não considerou violação ao princípio da inocência a prisão de condenado pela 2ª instância, antes do trânsito em julgado da condenação, ela será derrubada. Teremos então um tribunal "biruta", que se posiciona conforme o vento que venta nos aeroportos.

Que saibam os leitores e todo o povo brasileiro:

1) que essa discussão, esse debate, é estéril. Visa enganar o povo. Estéril porque os recursos para o Supremo Tribunal Federal (STF) e para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), contra as decisões dos tribunais dos Estados, não são dotados de efeito suspensivo. Está na lei e nos Regimentos Internos do STF e do STJ. Logo, as decisões podem ser executadas imediatamente. Então, para que serve discutir e julgar se as decisões dos tribunais da Justiça dos Estados e dos tribunais locais da Justiça Federal, que são os TRFs, precisam aguardar o trânsito em julgado para serem executadas?

2) que "decisão transitada em julgado" é utopia, é ficção jurídica. Absurdo dizer isso? Não. Não é absurdo. É avançado e corajoso.

Explica-se: uma decisão criminal condenatória jamais transita em julgado. Jamais se torna definitiva. Isto porque existe a Revisão Criminal, que é recurso. O Código de Processo Penal (CPP) incluiu a Revisão no seu Título II, do Livro III, que trata "Dos Recursos em Geral".  E revisão criminal pode ser requerida a qualquer tempo (ainda que passados muitos anos e séculos), antes ou após a extinção da pena, pelo próprio condenado, se vivo for, ou por seu cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. A propósito: se alguém comprovar ser descendente de Joaquim José da Silva Xavier, pode e dever ir à Justiça pedir a Revisão do processo que condenou e assassinou Tiradentes, mesmo 226 anos depois, a completar no 21 de Abril corrente. O recurso da Revisão Criminal é imprescritível;

3) que desde 13.10.1941, quando o CPP foi publicado no Diário Oficial da União (D.O.U), a redação do artigo 283 sempre foi esta:

"A prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio".

Foi por causa do Mensalão que a redação passou a ser aquela outra, que exige o prévio "trânsito em julgado" da condenação para que o condenado seja recolhido ao cárcere.

Então, o Congresso, já antevendo o que estava para acontecer, uma vez que o STF começou o julgamento dos 38 réus do escândalo do Mensalão no dia 2 de Agosto de 2012, o parlamento foi rápido no gatilho e aprovou a Lei nº 12.403, de 4.5.2011.  E com a proposital mudança (nova redação dada ao artigo 283 do CPP) e nova exigência (prévio "trânsito em julgado"), os réus do Mensalão, isto é, os integrantes do "mecanismo" e da "oligarquia" que há anos e anos vem saqueando os cofres públicos, tiraram bastante proveito.

Daí porque persiste o interesse em que o STF declare que essa "benesse" é constitucional, porque o saqueamento não cessa e os saqueadores nunca vão para a cadeia. Eles sabem que a finalização dos processos, quando acontece, a pena já está prescrita. Ou o agente-punguista já morreu, tanta e tanta é a demora;

4) Fauchille, no seu "Traité de Droit International Public", Paris, volume I, 1926, página 352, ensina que a ratificação de um tratado, e desde que vigore no plano internacional, faz cessar a eficácia da lei interna dos países que o subscreveram e que seja contrária a qualquer norma do tratado "porque o direito constituído na ordem jurídica internacional é superior ao direito autônomo emanado de uma das partes do tratado".

Ora, se todos os tratados que o Brasil assinou autorizam e consideram legal a prisão do condenado por um tribunal, por que, então, essa imundície criada pela Lei nº 12.403/11, a exigir, antes de encarcerar, "trânsito em julgado", instituto que nem existe, como aqui explicado?

5) quais os tratados? São muitos. Vamos aos principais: "Convenção Americana de Direitos Humanos", conhecido por "Pacto de São José da Costa Rica" (artigo 7). Também o "Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos", adotado pela XXI Sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas em 16.12.66 (artigo 94).

Todos são enfáticos ao prescrever que para a prisão ou encarceramento de qualquer pessoa é preciso e é suficiente o pronunciamento "de um tribunal";

6) por fim, o mais demolidor para os que querem o afrouxamento da ação da Justiça, a fim de continuarem a lesar a pátria. Se no caso de absolvição do réu por um tribunal, o próprio tribunal ordena sua soltura imediata, conforme determina o artigo 670 do CPP:

"No caso de decisão absolutória confirmada ou proferida em grau de apelação, incumbirá ao relator fazer expedir o alvará de soltura, de que dará imediatamente conhecimento ao juiz de primeira instância", por que essa urgência em benefício do réu não será a mesma em benefício da sociedade? Em benefício e desagravo à(s) vítima (s)? Se para libertar, a expedição do alvará de soltura é imediato e compete ao próprio relator ordenar, assinar e fazer cumprir, por que não se exige as mesmas e ágeis providências para que o condenado pelo tribunal seja logo recolhido à penitenciária? Afinal, deixou de existir em seu favor a presunção de inocência, de inculpabilidade. Agora, em seu desfavor, o réu deixou de ser presumidamente inocente para ser comprovadamente culpado. Tanto é que foi condenado pelo tribunal.

Jorge Béja

Advogado no Rio de Janeiro e especialista em Responsabilidade Civil, Pública e Privada (UFRJ e Universidade de Paris, Sorbonne). Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)

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