Fascista é todo aquele que se opõe a um projeto hegemônico de poder (sqn)
29/01/2018 às 12:29 Ler na área do assinanteAs palavras, a exemplo das pessoas, mudam ao longo da vida.
Algumas mudam tanto que um dia não as reconhecemos mais.
"Vilão" era o sujeito que vivia na vila. Em certa época, tornaram-se populares os romances nos quais mocinhas ingênuas, camponesas, eram seduzidas por aproveitadores que, invariavelmente, viviam em vilas e cidades. E ai o vilão passou a ser visto como um vilão.
"Romance" já foi apenas um tipo de literatura. Mas os romances (como esses das mocinhas e vilões) eram tão açucarados e sentimentaloides que os relacionamentos amorosos também passaram a se chamar "romances".
"Fascista" foi, até a primeira década deste século, um radical, totalitário, nacionalista - de preferência tudo isso junto.
Fascistas eram Mussolini, Salazar, Franco, Plínio Salgado e os que os seguiam, curtiam e compartilhavam de suas ideias.
Hoje, fascista é todo aquele que se opõe a um projeto hegemônico (radical, totalitário) de poder.
Fascista é quem recusa que o Estado venha lhe dizer como falar, do que rir, o que dizer, o que lacrar.
Fascista é quem recusa a tutela do politicamente correto.
Fascista é quem desafina o coro dos contentes com o controle da mídia, dos costumes, do Judiciário, dos meios de produção, da educação, do pensamento.
É fascista o motorista que te dá uma fechada no trânsito, o árbitro que marca um pênalti contra o seu time; fascista o professor que te pega colando, fascista o ascensorista que te diz para esperar o próximo porque não cabe mais ninguém no elevador.
Fascista é todo aquele que te frustra, questiona, trola; todo aquele que diverge, desvia, contraria; todo aquele que te desconcerta.
O fascista tem que estudar História – não sabe reconhecer um golpe, não detecta uma fraude.
O fascista não compreende que o assalto pode ser a reação justa, dentro da lógica interna do processo, de um indivíduo contaminado pelo capitalismo.
Não percebe quando a bunda é sujeito e quando a bunda é objeto – muito menos que um magistrado, ao decidir contra os interesses que você defende, se torna um sujeito abjeto.
Somos todos fascistas: os que relativizamos a noção de que absolutamente tudo seja relativo; os que achamos que “democracia de alguns, para alguns, por alguns” não faz nenhum sentido.
Os que sabemos que nem todo vilão é vilão, que nem todo romance é digno de um romance, que “fascista” costuma ser tão somente o antagonista de um fascista.
(#somostodosfascistas: do ativista do “Escola sem partido” ao fascista da escola de samba).
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Eduardo Affonso
É arquiteto no Rio de Janeiro.