Moral heterônoma

24/12/2017 às 21:11 Ler na área do assinante

Autonomia moral, segundo Paulo Henrique de Figueiredo, representa a condição do ser que se governa por leis determinadas pela sua razão, a partir de princípios morais que encontra em si mesmo, na sua consciência. A pessoa é honesta porque é honesta e segue paradigmas construídos de dentro para fora. Não prevarica nunca. A moral heterônoma, ao contrário, acontece quando a vontade é determinada pelos objetos do desejo, onde as ações são governadas por leis externas impostas ameaçadoramente. O indivíduo às vezes é honesto por medo das consequências, mas quando percebe que a impunidade é maior que os riscos, torna-se corrupto.

Essa linha de raciocínio também é válida para grupos de pessoas e para governantes de nações e estados. Os políticos dinamarqueses têm uma moral autônoma, enquanto que os políticos brasileiros apresentam uma típica moral heterônoma.

O economista John Williamson (Internacional Institute for Economy) em 1989 elaborou um texto contendo dez regras básicas que se tornariam o “receituário oficial” do FMI, do Banco Mundial e do Departamento do Tesouro dos EUA, a partir do ano seguinte. Esse acordo foi imposto “goela abaixo” aos países em desenvolvimento, para a promoção dos ajustamentos macroeconômicos. Aceitavam-no ou não receberiam apoio dos banqueiros internacionais.

Essa política ficou conhecida pelo nome de Consenso de Washington e proporcionou a consolidação e expansão do neoliberalismo, incluindo a abertura comercial, financeira e, principalmente, uma onda de privatização precipitada sem a institucionalização de corpos regulatórios. Muitos economistas de renome internacional foram tachados, irresponsavelmente, de socialistas radicais porque consideravam essa síntese neoliberal como sendo um pernicioso “fundamentalismo de mercado”.

Os países latinos americanos (Brasil, Chile, Argentina, México e outros) se entregaram à especulação financeira internacional e degradaram suas economias. A irresponsável abertura do mercado brasileiro, totalmente descontrolada, feita por Fernando Collor de Mello e a “privataria” de Fernando Henrique Cardoso, continuada por Lula e Dilma Rousseff, são exemplos que dispensam maiores comentários.

O Japão e a Coreia do Sul não aderiram ao neoliberalismo, mantendo rígido controle sob o setor financeiro, direcionando o crédito para objetivos industriais específicos e combatendo a especulação financeira. Por outro lado, forçaram as empresas domésticas a competirem agressivamente por mercados externos. A China, por sua vez, optou por um sistema de “economia socialista de mercado híbrida” que ficou conhecida por “capitalismo estatal”. São exemplos de políticas bem sucedidas.

Os analistas econômicos, incluindo os do FMI e do Banco Mundial, hoje, reconhecem que essa política se esgotou e é preciso encontrar um “Pós-Consenso de Washington”. Os teóricos oficiais do sistema financeiro internacional, ainda procuram uma saída honrosa para o caos, enquanto muitos governantes, incluindo os políticos do Brasil (com destaque para Henrique Meirelles), Chile e Argentina insistem na manutenção da herança maldita do final do século XX.

É uma situação triste e que tende a permanecer por muito tempo ainda.

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O Consenso de Washington, com o consequente neoliberalismo, provocou uma concorrência globalizada sem o devido controle dos governos locais. Os tratados de livre-comércio e a abertura discriminada dos mercados, com o predomínio do capital financeiro especulativo, em detrimento do capital produtivo, levaram a um incontrolável sistema de corrupção globalizada. A desregulamentação do mercado e a hegemonia da especulação financeira levaram à degradação do sistema político brasileiro.

Até mesmo Antônio Delfim Netto, o velho defensor dos governos militares e do neoliberalismo, reconhece que o sistema está falido e que é preciso uma urgente reconstrução e reorganização social onde a liberdade individual, a igualdade de oportunidades e a eficiência produtiva sejam relativamente compatíveis.

Nesse contexto de “fundamentalismo de mercado”, de corrupção política generalizada e de heteronomia moral, onde 35 facções partidárias dilapidam o tesouro nacional, o que se pode esperar das eleições de 2018? É bom lembrar o que disse Ulysses Guimarães, então deputado federal, quando alguns jornalistas mais sérios lamentaram a degeneração do Congresso Nacional. Disse ele: “Antes de achar que o de hoje é ruim, espere o próximo”.

O economista Jim O’Neill, em 2001, referindo-se a quatro países emergentes (Brasil, Rússia, Índia e China) usou o termo BRIC. Em 2011 ele acrescentou um S para incluir a África do Sul (South Africa) no grupo. Em setembro deste ano reuniu-se a cúpula dos cinco países com a temática “BRICS: Parceria mais Forte para um Futuro mais Brilhante”. Na ocasião Xi Jinping anunciou que a China lançará o “Plano de Cooperação Econômica e Técnica para os Países do Brics”, com um aporte inicial de 500 milhões de yuans, incluindo um aporte de US$ 4 milhões para o Instrumento de Preparação de Projetos do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD).

A China, em 2013, lançou o projeto “Iniciativa Cinturão e Rosa”, com o objetivo de infundir vida nova à antiga “Rota da Seda” que durante séculos conectou a China à Europa. Xi Jinping queria construir uma ponte entre povos de diferentes países e culturas. Para tanto, em 2015, formulou o programa “Reforma Estrutural da Demanda” para corrigir o fluxo da queda da procura mundial por produtos chineses.

Os planos deram tão certo que a China se tornou a segunda economia mundial, atrás apenas dos EUA. E, como se isso não fosse suficiente, está comprando o Brasil. Segundo o Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores), os chineses compraram 21 empresas brasileiras, pelo valor aproximado de US$ 21 bilhões. O investimento anunciado para o Brasil, para 2018, é de US$ 20 bilhões.

O governo chinês reestruturou seu programa econômico, rebatizando-o para “Reforma Estrutural da Oferta”, introduzindo novas medidas para resolver os novos problemas surgidos com a globalização. Philip S. Golub sintetiza: “A China recuperou a posição proporcional a seu peso demográfico, que ocupou no século XVIII, antes da grande divisão ‘Leste-Oeste’ e ‘Norte-Sul’. Esse ressurgimento tem enormes implicações políticas e estratégicas para o mundo”.

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Landes Pereira

Economista e Professor Universitário. Ex-Secretário de Planejamento da Prefeitura de Campo Grande. Ex-Diretor Financeiro e Comercial da SANESUL. Ex-Diretor Geral do DERSUL (Departamento Estadual de Estradas de Rodagem). Ex-Diretor Presidente da MSGÁS. Ex-Diretor Administrativo-Financeiro e de Relações com os Investidores da SANASA.

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