Cutucando a onça: Os ataques do animal na região do Pantanal
10/12/2017 às 02:48 Ler na área do assinantePor vezes os jornais de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul registram casos de pessoas atacadas por onças no Pantanal. Um desses casos envolveu um peão de fazenda no Jacadigo. Outro aconteceu na região do Paiaguás (como o Jacadigo, uma região próxima da cidade de Corumbá), quando um ribeirinho lutou com uma pintada e conseguiu sobreviver para contar a história. Houve até um episódio de onça aparecer num quintal, em plena cidade de Corumbá, capturada sem ferir ninguém, felizmente.
Pode parecer inusitado nos dias de hoje, que onças ataquem pessoas e invadam cidades, mais isso confirma o precário equilíbrio que existe entre o modo de vida do pantaneiro e o que sobrou da natureza selvagem.
A região do Paiaguás foi, outrora, uma área de grande significado econômico para o município corumbaense onde, além de grandes fazendas de gado, colônias palmilhadas de pequenas propriedades dedicavam-se às culturas de sobrevivência e até produziam alimentos para abastecer o mercado de Corumbá. No porto corumbaense, era comum ver a chegada de “chalanas” abarrotadas de bananas, mandioca, carne seca e outros produtos. E assim, esses ribeirinhos viviam e conviviam com a exuberante natureza pantaneira, por muito tempo.
Na década de 1970, uma grande crise abateu-se sobre essa população ribeirinha. Foi a tragédia maior do rio Taquari e de seu entorno, provocada pela interferência inconsequente do homem no desenvolvimento tecnológico e agropecuário do estado. A abertura da nova fronteira agrícola e pecuária resultou no maior assoreamento de seu leito principal, provocando a vazão de suas águas e uma permanente enchente das suas regiões mais baixas. É importante lembrar que o Taquari sempre foi um rio de grande delta, apresentando, conforme a estação de águas do Pantanal, grandes áreas inundadas.
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Com o avanço da pecuária no Pantanal e com os manejos que derrubavam matas e semeiam capins exóticos, foi-se restringindo a área livre de sobrevivência dos animais selvagens. Cada vez mais acuados e cerceados em sua opção por alimentos, o inevitável ocorreu com a proximidade desses predadores por natureza nas regiões de ocupação humana. É sabido que, em grande parte, os felinos predadores atacam por sentirem-se ameaçados em seu habitat e pelo rompimento de sua cadeia alimentar. O perigo persiste ainda com a existência de áreas de preservação ambiental, marcadamente nas regiões norte do Pantanal, em áreas de mata virgem. O problema é que esses magníficos felinos, em busca de alimentos, permanecem em constante movimento e se deslocam numa área de até 50 quilômetros quadrados.
Hoje existe uma dura legislação punindo severamente a eliminação de animais selvagens, isso sem contar com a lei do desarmamento que rompeu com a tradição centenária do uso de armas pelo homem do campo. Como se defender nesta nova situação? Como preservar a vida selvagem com risco de extinção?
Pode ser que a natureza esteja dando um troco indefensável, seja pelas águas do Taquari, seja por ataques de onças, cobras e outros bichos, além de outros fenômenos naturais. A verdade é que o abate de animais selvagens fez parte do cotidiano do pantaneiro, seja como fonte de alimento ou mesmo como moeda de troca no comércio de abastecimento ribeirinho e das fazendas mais distantes dos centros urbanos. Mas isso também faz parte do passado.
Nas primeiras décadas do século passado, uma matança indiscriminada ocorreu na região pantaneira para atender o mercado internacional, transformando a ação dos caçadores em rendosa atividade econômica. Milhares de peles de animais silvestres curtidas artesanalmente e penas de aves embarcaram no porto de Corumbá, alimentando a fortuna de comerciantes e aventureiros. A matança acelerava-se em períodos de seca, quando as raras áreas com água se transformavam em abrigo e concentração compulsórios dos bichos de todo o tipo, facilitando a ação dos caçadores. No porto de Corumbá, uma pele de onça custava 10 mil réis em 1880, e seu preço multiplicou-se quase mil vezes no ano de 1937.
Hoje existe um processo de conscientização sobre a necessidade de preservação, mas é preciso ter duas coisas em mente: a primeira é que os estragos causados à natureza, de qualquer tipo ou forma, não retroagem. A segunda: é preciso aprender com o pantaneiro que, mesmo de aloite com os bichos (conforme linguajar local), ele vive e convive nestes magníficos pantanais há mais de 200 anos e, antes da modernidade, aprendeu a respeitar os ciclos naturais da sua vida.
A cada erro pode advir uma tragédia e por isso, não se deve cutucar a onça (natureza), com vara curta.
Valmir Batista Corrêa
É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.