A judicialização da medicina e os conflitos morais e éticos do médico brasileiro

30/11/2017 às 21:39 Ler na área do assinante

Está cada dia mais difícil exercer com autonomia e dignidade a profissão médica nos hospitais públicos brasileiros.

Hospitais super lotados e mal aparelhados, falta de insumos básicos (de lençóis à esparadrapo), população revoltada e inflamada pelos meios de comunicação de massa, falta de segurança no local de trabalho, servidores sobrecarregados e sem receber os seus parcos salários, são apenas alguns exemplos de situações que tem tirado o sono, não só do médico, mas de todos aqueles profissionais da área da saúde que trabalham e lutam no SUS.

O código de ética médica reúne uma série de normas e regras de conduta que servem para orientar e normatizar a tomada de decisões dos médicos, visando uma prática profissional eficiente, ética e segura.

Como conseguir adequar a dura realidade da saúde pública ao código de ética médica?

Como não confundir uma atitude humanitária com um ato de imperícia, imprudência ou negligência?

Imaginem esta hipotética e angustiante situação, muito comum nos hospitais espalhados pelo país afora, vivenciada diariamente por muitos profissionais brasileiros:

Uma idosa com 86 anos de idade, dá entrada na emergência de um hospital do interior, precisando ser submetida a uma cirurgia de urgência, devido a um grave quadro de apendicite "supurada" há vários dias (morava em uma fazenda no sertão, local de difícil acesso).

O médico, após  examinar a paciente e ver todos os resultados dos exames complementares, chega a seguinte conclusão:

Precisa operar imediatamente, a senhora idosa. Seu caso é gravíssimo, necessitando de um suporte pós operatório adequado em uma Unidade de Terapia intensiva (UTI), minimizando assim, os enormes riscos já existentes.

* Detalhe importante: não há vagas disponíveis na UTI e muito menos nas unidades intermediárias e de emergência.

O que fazer?

Como deve agir o ‘Dr Brasilindo’?

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Encaminha essa paciente para um hospital em outra distante cidade, ou corre o risco de operá-la sem o devido suporte pós-operatório?

As duas atitudes, operar sem UTI ou encaminhar para outro hospital sem operar, possuem um alto risco de óbito.

Como proceder?

O código de ética médica orienta:

“É vedado ao médico causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência.”

Se optar por uma das duas opções anteriores e a paciente vier a óbito, como esta atitude será interpretada pelos familiares da paciente?

E se indignados, resolvessem procurar seus direitos junto a justiça? Como o juiz interpretaria a atitude do médico cirurgião e de toda a equipe envolvida neste atendimento?

Essas e muitas outras situações constrangedoras tem levado muitos bons e experientes profissionais a abandonarem a carreira pública na saúde. Os baixos salários e falta na regularidade no pagamento, também é uma realidade, que apesar de desestimulante, não tem sido as primeiras causas do abandono. Quem escolhe fazer medicina, em sua grande e esmagadora maioria, o faz porque ama cuidar de pessoas.

O médico, o enfermeiro, o técnico de enfermagem, o maqueiro, o técnico de RX, o auxiliar de serviços gerais, o porteiro, o segurança que trabalham na área de saúde, estão sendo submetidos à uma carga de trabalho descomunal e estão trabalhando sob uma carga de estresse desumana.

Precisamos rever os nossos conceitos. Os maiores prejudicados, podem acreditar, serão sempre os pacientes que dependem deste serviço.

Fica aqui o meu desabafo e questionamento.

Roberto Corrêa Ribeiro de Oliveira

Médico anestesiologista, socorrista e professor universitário

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