Até no Enem/2017 o governo teve medo dos candidatos e quis se proteger, sem êxito

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O Exame Nacional do Ensino Médio de 2017 (Enem) começa neste domingo (5) de Novembro. Alvo de muitas ações fraudulentas todos os anos, o governo federal ainda não percebeu (ou faz vista grossa de propósito) que é impossível a lisura num certame de tamanha magnitude e que envolve, para sua realização, um batalhão de pessoas com acesso às questões das provas antes delas serem aplicadas.

É impossível exigir sigilo das dezenas, centenas, ou milhares de pessoas deste imenso país que previamente conheceram as questões. Afinal, ser aprovado no Enem vale muito dinheiro para quem, sem chance de aprovação, consegue arranjar um caminho criminoso ou camarada para ser aprovado. Se tudo que é governamental neste país não é limpo, não é honesto, nem transparente, por que o Enem será?

Não é o governo federal que comanda o Enem?. E o governo federal - que tem um presidente mentiroso, denunciado duas vezes por crimes comuns na Suprema Corte junto com seus dois principais ministros assessores-mentores - é exemplo de honestidade, isenção, moralidade, impessoalidade e tantos outros deveres que a corrupção destruiu?. Portanto, o Enem é fruto da árvore contaminada.

Mas neste ano de 2017 o governo federal antecipou que o candidato que escrever contra os Direitos Humanos na prova de redação receberá nota zero. Aí veio o Supremo Tribunal Federal e pela voz de sua presidente derrubou a ordem do governo e disse que a liberdade de expressão é livre. Que o candidato pode escrever o que bem entender.

A decisão da ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, lembrou aquele "cala boca já morreu" que a ministra soltou no plenário da Corte quando votou a favor da liberação das biografias não autorizadas pelo biografado. Curioso: e a proteção à intimidade, à vida privada, que também está na Constituição, foi para o espaço com a liberação das biografias não autorizadas?

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Bom, voltemos ao Enem/2017. Parece que ninguém reparou, ninguém observou, ninguém percebeu que, subjacente à proibição governamental de falar mal, atacar e se posicionar contrário aos Direitos Humanos na prova de redação, sob pena do candidato ganhar nota zero, existe a intenção proposital do governo federal de preservar sua própria imagem - se é que ainda existe algo a ser resguardado - e de seus chamados governantes e de toda a classe política.

Foi um gesto de defesa com a vingança da nota zero.  Sim, é isso mesmo.  Porque são mais de 6 milhões de candidatos inscritos e se mostrava muito arriscado para um governo corrupto liberar, em prova-teste pública e oficial, a liberdade de expressão sem a represália do zero. Isto porque o momento seria ótimo para "baixar o sarrafo" neles. Seria uma espécie de prévia das eleições gerais de 2018.

Então, ciente de que a revolta é generalizada e com 97% de reprovação, o governo quis se precaver contra uma enxurrada de ataques, palavrões e xingamentos tais como "que os corruptos morram nas cadeias" , "deputados e senadores são patifes", "Cunha, Cabral, Geddel, Temer, Moreira, Padilha e outros mais são corruptos e deveriam sofrer pena de morte". Isso e muito mais, porque motivos existem e a criatividade é ilimitada.

E essa gente que está no governo e à frente do Enem teve medo disso acontecer e inventaram a proibição. Covardes!. É claro que haveria o vazamento do conteúdo das redações. Haveria muita nota zero e por causa disso as varas da Justiça Federal de todo o país passariam a estar mais entupidas com as ações judiciais de candidatos, inconformados com a nota zero que levaram porque, com base no Direito de Expressão, disseram verdades sobre o governo. E isso, na deturpada, covarde e infame visão deles estaria a ferir os Direitos Humanos!

Ainda bem que a ministra presidente do STF, desta vez com mãos firmes e sem hesitação, disse um não ao governo. Ou melhor, quem levou nota zero foi o governo federal, ao ver derrubada a proibição aos candidatos de falar mal e/ou agredir os Direitos Humanos.

Foi esse o propósito desta iníqua proibição. Quem tem culpa tem medo. E quem não deve não teme.

Foto de Jorge Béja

Jorge Béja

Advogado no Rio de Janeiro e especialista em Responsabilidade Civil, Pública e Privada (UFRJ e Universidade de Paris, Sorbonne). Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)

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