Os exegetas (comentaristas da bíblia) dizem que Deus fez um pacto (aliança) com Moisés e, para tanto, entregou-lhe uma constituição (os dez mandamentos) que deveria ser observada rigorosamente. Moises, por sua vez, baixou um conjunto de leis complementares (em nome de Deus) para melhor disciplinar o comportamento do “povo escolhido”. Jesus, quando no corpo físico, em Jerusalém, teria afirmado: “Não vim destruir a lei, mas sim cumpri-la”. Ato contínuo preservou a carta magna (os dez mandamentos) e lapidou a lei mosaica (as leis complementares), suavizando-a.
Outros povos da antiguidade tiveram constituições produzidas de forma esotérica com auxílio de divindades, complementadas por leis humanas que aos poucos foram sendo modificadas. No mundo moderno as coisas se modificaram, para pior ou para melhor, dependendo do ponto de vista de quem analisa.
O “Brasil, coração do mundo, Pátria do Evangelho” segundo parte do cristianismo, teve oito constituições desde a sua independência de Portugal: 1824 (assinada por Dom Pedro I), 1891, 1934, 1946 (promulgada no governo do Marechal Eurico Gaspar Dutra), 1967 e 1969 (outorgadas pelos militares) e a de 1988, produzida e promulgada quando José Sarney era presidente (esta cheia de remendos e controvérsias). Essa trajetória política mostra que o Pacto Social que organiza a sociedade brasileira ainda está longe de se concretizar plenamente, isto porque seus dirigentes estão mais preocupados em solucionar seus problemas pessoais do que gerar o maior bem-estar coletivo.
Em junho de 1985 Sarney encaminhou a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, a qual foi instalada em fevereiro de 1987 e promulgada em outubro do ano seguinte. A ANC era composta por 559 membros (487 deputados e 72 senadores) e funcionava ora como constituinte e ora como Congresso não constituinte. 217 de seus membros eram originários da Arena, partido que deu apoio e sustentação à ditadura (1964-1985). O jornal Folha de S. Paulo, na época, classificou ideologicamente os constituintes como sendo: centro – 32%, centro-direita – 24%, centro-esquerda – 23%, direita – 12%, esquerda – 9%.
Entre os constituintes estavam Fernando Henrique Cardoso, Lula da Silva, Michel Temer, Aécio Neves, José Serra, Roberto Jeferson, Renan Calheiros, Francisco Dornelles, Edson Lobão, Delfim Netto, Afif Domingos, Cesar Maia, Gandi Jamil, Roberto Freire, Rachid Saldanha Derzi, Roberto Campos, e outras figuras do mesmo naipe.
A composição, por facção partidária, era a seguinte: PMDB (recheado de ex-arenistas) – 298 deputados (53,3%) eleitos pelo engodo do Plano Cruzado; PFL (dissidência do PDS) – 133 parlamentares; PDS (ex-Arena) -38; PDT – 26; PTB – 19; PT – 16; PL – 7; PDC – 6; PSB – 2; PCB (hoje PPS) – 7 e PCdoB – 7. Bernardo Cabral foi o relator, escolhido (ele disse que apenas indicou) pelo general Leônidas Pires Gonçalves, ministro do Exército de José Sarney.
A Constituição dos militares previa um mandato de seis anos para o presidente e, na proposta inicial, os constituintes propunham um mandato de 4 anos. José Sarney virou a mesa, bateu o pé e comprou um mandato de cinco anos. Segundo palavras de Miguel Reale Júnior “Sarney cooptou a Constituinte com o mensalão de rádios e TVs”. Benito Gama também fala a respeito: “A barganha política ficava com o ministro das Comunicações Antônio Carlos Magalhães”. O constituinte Roberto Cardoso Alves justificou a estratégia: “é dando que se recebe”.
Anos depois a cena se repetiria com Fernando Henrique Cardoso comprando a PEC da reeleição e, consequentemente, o segundo mandato. Para complementar, o desabafo de José Fogaça: “O carro da Constituinte só tinha farol traseiro”.
O anteprojeto apresentado por Bernardo Cabral à Comissão de Sistematização continha 501 artigos, e foi denominado de “Frankenstein” devido ao emaranhado de propostas defendidas pelos lobistas credenciados.
No final, em 05/10/1988, foi aprovado e promulgado um texto contendo 245 artigos e mais setenta do “Ato das disposições constitucionais transitórias”. Definiu-se aí que a República teria três poderes independentes e harmônicos entre si. Entretanto, a pressão dos promotores e dos advogados, associado à errônea forma de escolha dos ministros dos tribunais superiores e dos desembargadores, “deformou” a ideia do filósofo Montesquieu do que seria um poder judiciário independente. O ministério Público, de fato, passou a funcionar como se fosse um quarto poder infiltrado na estrutura do judiciário. Os sindicatos e a polícia militar também saíram fortalecidos.
Por outro lado, aos que clamam por uma nova constituinte, que observem e deduzam quais seriam os constituintes. Será que valeria a pena? Enfim, que observem o Congresso Nacional e se questionem se valeria a pena. A melancólica sessão em que o Senado aprovou a norma de que corrupto com mandato não pode ser julgado pelo “Poder” Judiciário, conjugada à lamentável sessão da Câmara dos Deputados que proibiu que as denúncias contra o presidente da República e seus comparsas, por mais escabrosas e evidentes que se apresentem, sejam investigadas e julgadas pela Suprema Corte, também é um bom exemplo.
Esse descalabro relembra o sábio Confúcio quando esclarece: “Se queres conhecer o passado, examina o presente que é o resultado; se queres conhecer o futuro, examina o presente que é a causa”.
Landes Pereira
Economista e Professor Universitário. Ex-Secretário de Planejamento da Prefeitura de Campo Grande. Ex-Diretor Financeiro e Comercial da SANESUL. Ex-Diretor Geral do DERSUL (Departamento Estadual de Estradas de Rodagem). Ex-Diretor Presidente da MSGÁS. Ex-Diretor Administrativo-Financeiro e de Relações com os Investidores da SANASA.