Colégio Goyases: no concurso de dor, cada um sente a sua e todos sofremos juntos

22/10/2017 às 13:14 Ler na área do assinante

Por mais de quarenta anos seguidos me dediquei, exclusivamente, à advocacia em defesa das vítimas de danos de toda ordem, imagináveis e inimagináveis.

Cada cliente, cada caso que recebi no franciscano escritório próximo à Praça Mauá, no Rio, foi uma lágrima derramada: Chacina da Candelária; Bateau Mouche; Queda do Elevado Paulo de Frontin; Queda do Palace II, de Sérgio Naya; Erros Médicos e o mau atendimento hospitalar que, se não causaram a morte dos pacientes, os deixaram inválidos para sempre; Mortes nas Penitenciárias do Rio e muito e muito mais...

Foram mais de três mil ações indenizatórias, sempre e sempre ao lado das vítimas que sobreviveram e dos familiares das que morreram. Parecia até que eu era o único advogado (e não era) que aceitava essas causas dramáticas, porque, senão todos, a maioria de vítimas e familiares me procurava.

Em Novembro de 1993 a Veja-Rio me fez de capa. E na matéria de sete páginas e dez fotos, este registro "Quando acontece uma tragédia, é batata. Lá está o Beja defendendo as vítimas e exigindo indenização"

Se ajudei, se amparei, se amenizei, se consegui Justiça, também sofri. E hoje pago caro preço por tanta dor, tantos choros, tantas lágrimas que cuidei e também derramei.

Hoje, quase meio século depois, vejo sob outra ótica jurídica a responsabilidade civil decorrente de tragédias, como essa do Colégio Goyases, em Goiânia.

Outrora, seria eu radical. Se fosse no meu tempo, se advogando estivesse e se chamado fosse, a todos responsabilizaria judicialmente: o colégio e os pais do menino que atirou e matou. E tudo num só processo. Sempre fui agarrado às leis, à jurisprudência e à doutrina.

Os pais respondem pelos danos causados pelos filhos menores. Está no Código Civil. E os estabelecimentos de ensino são responsáveis pela incolumidade física e moral dos alunos que recebe. E destes tornam-se guardiões, por mantê-los sob sua proteção e vigilância desde a entrada até a saída da escola. Está na jurisprudência. É o caso.

As vítimas estavam na sala de aula quando foram fuzilados. E quem fuzilou foi outro aluno, também sob a guarda e vigilância do colégio.

No caso do aluno que atirou a situação jurídica dos pais, dois oficiais da ativa da Polícia Militar, pode até ser mais grave, caso fique provado que eles não mantiveram o rígido cuidado com a guarda da arma que o filho apanhou em casa e levou para a escola.

Mas o caso do Colégio Goyases é excepcional.

Nem se compara com a Chacina da Candelária, quando policiais militares à paisana metralharam meninos de rua que dormiam sob uma marquise de um prédio próximo à Igreja da Candelária, no Rio.

Nem com o Bateau Mouche, cujos proprietários entupiram de gente a embarcação que naufragou e matou 55 pessoas.

Nem com as 33 mortes nos presídios do Rio, em que detentos assassinaram detentos por insuficiência de guarda carcerária.

Nem com a queda do Palace II, um arranha-céu edificado com areia da praia.

Nem com o caso Bernadete, que foi operar o pé no Hospital da UFRJ e voltou para casa sem um dos olhos. 

Ou com o caso Dilma, a mulher que, com paralisia cerebral e engessada dos pés à cintura, definhava numa das enfermarias do Hospital Souza Aguiar, enquanto que os ratos do hospital entravam pelos vãos do gesso e comiam as carnes de suas pernas.

Não, o caso do Colégio Goyases precisa ser visto, analisado e julgado com olhar holístico, humanitário, especial e reverencial.

No Direito das Obrigações, ou seja, na Responsabilidade Civil, que tem berço na França, há um tema, um título, denominado "concorrência de culpa", que o Direito Brasileiro aceita e aplica. Quando ofensor e ofendido, agressor e vítima, tiveram parcelas iguais de culpa, mínima que seja, cada um arca com o dano. E ninguém é condenado a ressarcir o outro. A recíproca é verdadeira. No "concurso de dor", cada um sofre a sua. E todos sofremos juntos.

É imaginável a dor dos pais do menino que atirou. E imaginável a dor dos pais dos alunos que morreram. E palpável a dor dos professores e donos do colégio.

Não se estava diante de uma tragédia anunciada.

Pelo que se sabe era incogitável pensar ou antever o que aconteceu.

Que uns aos outros se amparem. Que se unam.

Ainda mais agora, para cuidar da saúde psicológica e mental do menino que atirou para que ele cresça, sinta profundo arrependimento e se torne um difusor da paz e defensor do desarmamento.

É o que sinto. É o que os mais de quarenta anos do exercício da advocacia em defesa das vítimas me ensinaram.

Jorge Béja

Advogado no Rio de Janeiro e especialista em Responsabilidade Civil, Pública e Privada (UFRJ e Universidade de Paris, Sorbonne). Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)

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