Você, artista, que se calou quando tentaram abolir Monteiro Lobato das escolas, mas que agora posta vídeo da Fernanda Montenegro falando em censura.
Você, artista, que apoiou com olhinhos de gozo todo o controle crescente e absurdo sobre as propagandas de TV, mas que agora não entende porque estão querendo regulamentar até exposições de obras de arte.
Você, artista, que divulga o rosto sério de Caetano Veloso preocupado com a volta da censura, mas calou-se quando ele e Paula Lavigne defenderam a censura prévia às biografias não autorizadas.
Você, artista, que se refestelou quando Rafinha Bastos perdeu o emprego por conta de uma piada, mas que agora se horroriza com a reação extremada ao trabalho de um artista que apenas fica nu.
Você, artista, que não mencionou uma única palavra de apoio ao escritor Paulo César Araújo quando Roberto Carlos proibiu seu livro, talvez por medo de perder o convite para aparecer no especial de fim de ano da Globo.
Você, artista, que achou correta a proibição de uma peça em São Paulo porque esta utilizava o recurso do blackface, deixando a produção no prejuízo.
Você, artista, que repostou como se não houvesse amanhã a opinião da cartunista Laerte que defendeu que o humor "precisa ter limites", isto na mesma semana do terrível massacre da revista Charlie Hebdo.
Você, artista, que se calou solenemente quando, em pleno 2017, um grupo de cineastas e críticos tentou vetar a participação do documentário "O Jardim das Aflições" em um festival quase a ponto de cancelá-lo.
Você, artista, que adorou em silêncio ver o Danilo Gentili ser perseguido pela deputada Maria do Rosário, mas agora está se pelando de medo do avanço da bancada religiosa sobre a liberdade de expressão.
Você, artista, que não perde a oportunidade de taxar o pensamento divergente, você que chama de machista, de homofóbico, de racista, de preconceituoso, qualquer um que pense diferente, mas agora não entende de onde vem "tanta intolerância" do outro lado.
Você, artista, enfim, precisa entender que quem se cala diante da censura alheia um dia acabará censurado; que a liberdade não é uma via de mão única; que ou se luta pela liberdade de expressão para todos ou não haverá liberdade para ninguém.
Porque não adianta mais fingir que não é com você.
O culpado pela intolerância geral de hoje é o seu silêncio covarde e partidário de ontem.
Ou há união ou não sobrará nada.
(Texto de Paulo Cursino. Produtor e Roteirista)