O feitiço do tempo em Corumbá

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Nas pesquisas que realizei para escrever o livro “Corumbá: terra de lutas e de sonhos” notei que, de tempos em tempos, ocorria um “desacontecer” histórico na cidade. Explico melhor utilizando um trecho do referido livro: “a ruptura tornou-se um trecho característico nos acontecimentos da cidade, predominando as interrupções em detrimento da continuidade histórica”. O poeta maior Manoel de Barros, referindo-se ao Pantanal definiu de forma lírica e bela o sentido dessa história: “As coisas que acontecem aqui, acontecem paradas. Acontecem porque não foram movidas. Ou então, melhor dizendo: desacontecem”. Assim o poeta captou o traço recorrente que acompanha a cidade e sua gente desde os seus tempos heróicos e pioneiros.

Lembrei-me disto ao acompanhar pela imprensa, tempos atrás, a inauguração do anel viário de Corumbá com a pavimentação asfáltica de um trecho da rodovia BR 262 ligando à fronteira boliviana. Mesmo em atraso, o Brasil conseguiu cumprir a sua parte no projeto internacional do chamado Corredor Bioceânico, um sonho antigo de ligar os portos brasileiros do lado do Oceano Atlântico aos do Chile do lado do Pacífico. Esta estrada que contorna a cidade de Corumbá, deslocando do seu centro o fluxo de caminhões e mercadorias, teve seu início em 1973 e somente em 2010 foi concluída. Foram precisos 37 anos para a construção de 11,9 kms!

No entanto, esse episódio de lentidão na história corumbaense não é único nesse ponto da fronteira oeste. Em 1801 o pequeno núcleo militar foi arrasado por um incêndio, destruindo o primeiro impulso de crescimento do vilarejo. Nas décadas seguintes, Corumbá foi esvaziada com a transferência de suas forças militares e civis para a colônia de Albuquerque. A estratégica vila retrocedeu no seu desenvolvimento, mas mesmo assim, teimosamente Corumbá reviveu. Na fase anterior à invasão paraguaia, os próprios administradores cuiabanos da província de Mato Grosso proibiram os comerciantes de Corumbá de construírem sólidos armazéns e casas de alvenaria, sob o pretexto de que a região estava sujeita à ocupação estrangeira. Não deu outra. Em 1864 a região foi invadida e anexada ao território do Paraguai como Província do Alto Paraguai, com sede em Corumbá.

Nesta história de avanços e recuos, o momento mais emblemático ocorreu em 1914 com dois episódios históricos que abalaram o poderio econômico de Corumbá. Primeiro foi a Grande Guerra Mundial de 1914-1918 que desorganizou todo o comércio marítimo, com a frota mercante transformada em frota de guerra, isso sem contar que o Atlântico foi palco de violentos combates. Como o comércio portuário de Corumbá com o exterior, importador e exportador, dependia do trafego de navios pelo rio Paraguai, a guerra impôs um forte abalo na economia local.

Entretanto, ainda em 1914, ocorreu a inauguração da ferrovia em Porto Esperança – o ponto final da estrada de ferro Noroeste do Brasil – criando um novo eixo de ligação com os mercados do interior brasileiro e com o litoral de São Paulo e do Rio de Janeiro. O outrora porto irradiador de mercadorias para toda a região mato-grossense passou a sofrer forte concorrência de Porto Esperança como entreposto comercial. Foi um longo período em que Corumbá ficou dependente das atividades portuárias de Porto Esperança, só encerrado em dezembro de 1952 quando chegou oficialmente a primeira locomotiva na estação corumbaense. Os 38 anos de espera levaram Corumbá a perder, historicamente, todos os possíveis benefícios econômicos que poderiam reaquecer o seu porto.

O porto fluvial corumbaense também viveu uma situação semelhante.

A sua construção era o sonho dos comerciantes desde 1909, mas somente 42 anos depois, em 1951, foi inaugurado. O tempo e a história, como visto, continuaram implacáveis com a bela Cidade Branca que sempre acreditou num porvir melhor. Outros casos vieram se somar ao estranho destino da cidade, como o projeto do deputado federal Ytrio Correia da Costa de criação de uma refinaria em Corumbá para beneficiar óleo cru exportado da Bolívia e ser transportado pela estrada ferro Brasil-Bolívia. Mas, foi mais uma expectativa abortada.

Corumbá teve ainda outros projetos redentores que, teoricamente, deveriam ser capazes de cumprir as expectativas de grandeza de sua população, como a liberação dos cassinos em zonas de fronteira, a ZPE, o Gasoduto.... Este último passou por debaixo da terra e ninguém viu os seus benefícios concretos. 

Ao que parece, o poeta acertou em cheio. A História em Corumbá obedece ao ritmo de um tempo feiticeiro, devagar, quase parando... sem sair do lugar. Só um combalido sentimento de frustrada esperança é que a move. 

Valmir Batista Corrêa

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