Ministro Moraes nega nesta segunda o HC para tirar bandidos dos presídios federais

01/10/2017 às 14:31 Ler na área do assinante

Atencioso e gentil, recebi do colega João Amaury Belem, advogado no Rio de Janeiro, a íntegra da petição do Habeas Corpus que o Defensor Público da União (DPU), Anginaldo Oliveira Vieira (Defensor Nacional de Direitos Humanos) e a estagiária Mariana Gomes Pereira subscreveram e deram entrada semana passada (27/9) no Supremo Tribunal Federal pedindo que os detentos, condenados pela Justiça dos Estados e que estejam cumprindo a pena nos presídios federais de segurança máxima há mais de 720 dias, sejam todos devolvidos às penitenciárias de seus Estados.

Defensor e estagiária defendem que as penas cumpridas naqueles presídios são desumanas, que não ressocializam e fazem adoecer os detentos, tal a dureza do regime. Que a lei que rege as transferências para os presídios federais de segurança máxima (nº 11.671, de 8.5.2008) permite a transferência apenas por 360 dias, renovável, segundo os defensores, "por igual período". Portanto, registra a petição do Habeas Corpus, quem estiver há mais de dois anos naqueles presídios tem o direito absoluto de voltar para as penitenciárias de seus Estados.

Não é uma petição longa. Tem apenas doze páginas. É uma tentativa. Afinal, o Defensor exerce o seu múnus, que tanto deve ser em defesa dos detentos, mas em defesa da sociedade também.

Nada contra defender os direitos dos presidiários. Posso dizer de cadeira e com conhecimento de causa. De 1975 até o final da década de 90 dei entrada na Justiça do Rio com 33 ações contra o Estado do Rio com pedidos de indenização para familiares de detentos assassinados no cárcere, pelos próprios detentos ou pela guarda penitenciária.

Todas as ações foram por mim propostas graciosamente. Nada cobrei. E muito recebi de gratidão, carinho, e admiração que veio até dos Estados Unidos. Uma carta elogiosa de Ralph Nader, advogado americano, também especializado em Responsabilidade Civil, Pública e Privada, me encheu de orgulho ao recebê-la. Apenas três ações não vingaram. As trinta outras foram acolhidas e as indenizações pagas diretamente aos familiares dos detentos.

Eram causas justas. Até que desisti, quando constatei que o Estado não tomou vergonha de ser condenado e as matanças continuaram.

Mas este Habeas Corpus que está nas mãos do ministro Alexandre de Moraes e que vai ser decidido nesta segunda-feira, 2 de Outubro, não tem a mínima chance de prosperar. Não obstante se louve o gesto do Defensor Público Federal, a petição, além da fundamentação abstrata, não tem amparo legal. Primeiro, porque se trata de Habeas Corpus coletivo e a Justiça não aceita HC difuso, sem que seja indicado o nome ou os nomes daqueles em benefício de quem o remédio jurídico está sendo impetrado, juridicamente chamados de pacientes.

A petição menciona a generalidade, o universo dos condenados pela Justiça dos Estados e que cumprem pena fora, nos presídios federais.

E nada mais. E generalidade de pacientes, sem identificação, a Justiça não aceita. Segundo, porque a petição aponta como autoridade coatora, isto é, aquele que expediu ordem ilegal de prisão, o Superior Tribunal de Justiça. E o STJ é um órgão do Poder Judiciário. Autoridade coatora precisa ser gente de carne e osso. Precisa ser pessoa natural física. Nunca um órgão, ou uma instituição. Além disso, quem ordenou aqui no Rio - Estado que a petição do HC da DPU menciona repetidas vezes - as transferências, foram o juiz da Vara das Execuções Penais e o Tribunal de Justiça, através de uma de suas câmaras criminais que manteve a decisão de primeira instância. Daí se vê que o HC da Defensoria Pública da União (DPU) erra ao indicar o STJ como sendo a parte chamada de coatora.

E mais: o parágrafo 1º, do artigo 10, da Lei nº 11.671, de 8.5.2008, diz que a permanência do preso estadual no presídio federal de segurança máxima não poderá ser superior a 360 dias "renovável, excepcionalmente, pelo juízo de origem". Considerando que a lei é omissa no tocante a quantas vezes os 360 dias poderão ser renovados, entende-se que seja por quantas vezes quantas necessárias forem.

Se estivesse escrito na lei "renovável por igual período apenas uma vez",  ou apenas por tantas vezes, o fato seria outro. Aí, sim, a DPU estaria com razão no tocante aos presidiários que lá se encontram por mais de dois anos.

Não dizendo a lei quantas vezes os 360 dias podem ser renovados, o legislador deixou a necessidade de renovação ao prudente arbítrio do juiz solicitante, que é sempre o juiz estadual.

O juiz federal  criminal sob cuja jurisdição se encontra o presídio federal nada decide quanto à permanência ou devolução do preso. Não é ele o juiz da execução. O juiz federal criminal apenas tem jurisdição sobre o presídio. Nada mais.

São por causa dessas e outras situações e circunstâncias que o ministro Alexandre de Moraes vai negar nesta segunda-feira (1/10) o Habeas Corpus da Defensoria Pública da União, sem entrar no mérito. Moraes vai se limitar a questões processuais, que são formalidades que precisam estar presentes em qualquer Habeas Corpus. E nesta da DPU não estão, apesar do esforço do doutor Anginaldo Oliveira Vieira, cujo nome inspira candura, pureza e boníssima intenção. As mesmas que tive quando dei entrada no TJ do Rio com as 33 ações contra o Estado. Acreditava que o Estado, de tanto ser condenado a pagar indenização, chegaria à conclusão que seria mais proveitoso gastar com a ressocialização do que com o pagamento de indenizações às famílias dos detentos assassinados. Assim pensava também Tim Lopes, o jornalista que encaminhou lá para o escritório mais da metade das famílias que acolhi e com elas firmamos sólida amizade. Pensava. Pensávamos. E perdemos nosso tempo e fomos tomados de grande frustração.

Jorge Béja

Advogado no Rio de Janeiro e especialista em Responsabilidade Civil, Pública e Privada (UFRJ e Universidade de Paris, Sorbonne). Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)

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