Todo mundo sabe o significado dos feriados nacionais, estaduais e municipais?
Com tantos feriados neste país, lembro-me do exemplo de 21 de abril, quando se comemora o dia de Tiradentes, um dos mais caros heróis brasileiros, pelo seu martírio em defesa do sonho de liberdade. Na ocasião, um canal de televisão fez uma enquete aleatória sobre o significado da data e de sua motivação. Muitos, para o espanto geral, não explicitaram a resposta, falando coisas bem simples e monossilábicas.
Como é estranho o comportamento humano. Ao não saber as respostas, muito comum em enquetes deste tipo, as pessoas sorriem da própria ignorância, em vez de ficarem constrangidas. Que faltam fazem as aulas de História do Brasil na escola! E por aqui, pouca gente conhece a história de Mato Grosso do Sul, e a maioria segue repetindo bobagens divulgadas como verdades.
O 21 de abril remonta Vila Rica, cidade importante de Minas Gerais, em 1792. Porém, a história começou em fins do século XVII e primeiras décadas do seguinte. Foi a aventura de sertanistas paulistas que adentram o interior em busca do ouro e outros metais preciosos, e esquadrinharam regiões hoje conhecidas como Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás. Por que tudo isso?
Muito simples. A base da riqueza do sistema colonial era o acúmulo de metais e o Brasil era o suporte financeiro do império colonial português, que já tinha em tempos anteriores atingido a sua função social de mercado com o monopólio açucareiro.
A exploração aurífera foi diferente de região para região. Em Cuiabá, o ouro encontrado era de aluvião, ou seja, de fácil acesso na superfície. Assim, foi comum num tempo não muito distante, após as chuvas, crianças correrem nas enxurradas em busca de pequenas pepitas de ouro.
Mas, nas últimas décadas do século XVIII em Minas Gerais, onde ocorreu a grande fase da mineração aurífera, a situação estava difícil para seus moradores, pois o auge do ciclo do ouro estava se exaurindo e aumentado o volume de endividados. A forma de arrecadação era estabelecida pela quinta parte do total explorado pela economia mineira, e, com a sua decadência, a administração portuguesa estabeleceu como parâmetro do “quinto” a etapa de maior arrecadação de impostos.
A insatisfação de seus moradores e endividados aliou-se a estudantes e intelectuais, com novas idéias, algumas republicanas, mas perigosas para a sobrevivência do Estado Português, sendo uma das mais perigosas a declaração de independência das colônias americanas. Nesse quadro se insere a figura do alferes da Companhia de Dragões Joaquim José da Silva Xavier que, quando jovem, aprendeu o ofício de tirar dentes. O alferes começou a fazer propaganda libertária, juntando-se a outros que também embarcaram nesta aventura conspiratória. Entre eles, encontravam-se militares, religiosos, juristas e poetas que pretendiam então iniciar uma rebelião, depois conhecida como Inconfidência Mineira. Para conquistar o apoio popular, a data escolhida para deflagrar o movimento foi a da cobrança dos impostos atrasados, chamada “derrama”.
Mas a surpresa, estratégia importante para o sucesso desse movimento, foi desfeita com a denúncia às autoridades por um dos envolvidos. Este traidor, mais conhecido na história brasileira, não agiu sozinho. Nos “Autos da Devassa”, volumoso inquérito sobre a inconfidência, apareceram outros personagens que também delataram o movimento. Contudo, o Joaquim Silvério dos Reis levou a fama maldita sozinho.
Começou então uma brutal repressão. Tiradentes foi preso no Rio de Janeiro, onde também foram transferidos os demais presos de Minas Gerais. Antes da transferência, morreu em Vila Rica o poeta Cláudio Manuel da Costa, suicídio, segundo a crônica oficial, hoje contestada (na recente ditadura militar brasileira muitos militantes de esquerda foram assassinados sob a cortina de suicídio).
Depois de três longos anos, período que durou o inquérito, os prisioneiros tiveram seus bens sequestrados e suas famílias na miséria, e foram degredados para a África. Somente Tiradentes, que no processo assumiu a responsabilidade de tudo, por ordens de Maria I, foi enforcado e seu corpo esquartejado.
A imagem de Tiradentes, barbudo, lembrando a figura de Jesus Cristo, foi uma criação posterior dos construtores do regime republicano que necessitavam de heróis para a nova situação política brasileira.
Mas isso é uma outra história.
Valmir Batista Corrêa
É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.