O algoz benevolente

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“Reabilitem os esportes regionais que aí estão abandonados: o porrete, o cachação, a queda de braço, a corrida a pé, tão útil a um cidadão que se dedica ao arriscado ofício de furtar galinhas, a pega de bois, o salto, a cavalhada e, melhor que tudo, o cambapé, a rasteira. A rasteira! Este, sim, é o esporte nacional por excelência”! (Graciliano Ramos - Autor de “Vidas Secas”).

A citação de Graciliano Ramos que você leu acima foi retirada de um livro de Milton Pedrosa: “Gol de Letra: O Futebol na Literatura Brasileira”. A crônica foi escrita em 1921, nós não éramos ainda o país do futebol, nem do samba e Graciliano imaginava que nós deveríamos ser autênticos, que os esportes inventados na Terra dos Papagaios deveriam ser valorizados.

Graciliano, era contra o football, dizia que aquilo era apenas um modismo, que os traços típicos dos brasileiros não combinavam com esse esporte. Mestre Graciliano, um dos autores que eu mais admiro dentro da Literatura Brasileira, esquecia que fomos colonizados pelos portugueses, misturados com os costumes indígenas, embaralhados pela cultura dos escravos negros vindos da África, além dos imigrantes que vieram aos borbotões - italianos, alemães, japoneses..., todos carregando uma cultura diferente - e tudo isso foi colocado em um grande liquidificador ligado na velocidade máxima. Desse caldo surgimos nós!

Como ser autênticos nascidos de toda essa mistura?

Graciliano era um nacionalista e regionalista ferrenho e isso embotava sua visão da realidade brasileira. Leandro Narloch, em seu livro “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil”, aborda o assunto em um capítulo do livro intitulado “Pequena Coletânea de Bobagens dos Nossos Grandes Autores” e destaca o texto com “O frango de Graciliano Ramos”.

Independente da vontade de Graciliano o “football” tornou-se futebol, cresceu, cresceu e nos tornamos na década de 50 o “país do futebol”. Hoje é praticado em todos os países do mundo. Movimenta bilhões e atrai picaretas de todos os tipos, além dos treinadores que são chamados de “professores” pelos jornalistas de plantão, profissionais de diferentes as áreas atuam nesse meio: médicos, enfermeiros, massagistas, estrategistas, psicólogos... e Ednaldo Rodrigues, o poderoso chefão da CBF. Disse Ednaldo em entrevista a Revista Piauí:

- "Para um negro como eu, de criação humilde, é uma honra ocupar este lugar. Assumi o cargo para mudar a reputação da instituição, e isso gera ressentimento do outro lado".

A Revista Piauí fez denúncias gravíssimas contra Ednaldo Rodrigues em reportagem publicada em 04 de abril de 2025, intitulada “Coisas extravagantes. Um raio-x da gestão de Ednaldo Rodrigues” - jornalista: Allan de Abreu.

Essas revelações devem ser conhecidas pelo país inteiro, debatidas, denunciadas à justiça. Se você puder, após lê-las, repasse aos amigos e conhecidos o resumo dessas revelações contidas nesse artigo. Lembrando que Edinaldo disse:

- "Para um negro como eu, de criação humilde, é uma honra ocupar este lugar. Assumi o cargo para mudar a reputação da instituição, e isso gera ressentimento do outro lado”.

Veja agora como Ednaldo mudou a reputação de CBF, segundo a Piauí:

 - Copa do Mundo do Catar- A Seleção Brasileira de Futebol foi eliminada das oitavas de final 2022. Ednaldo não ficou frustrado. Ele e um grupo de 49 brasileiros aproveitaram todas as vantagens durante as três semanas em que o Brasil sobreviveu à competição, incluindo um hotel cinco estrelas e ingressos para as partidas. Muitos deles desfrutaram de tratamento VIP na chegada ao Aeroporto Internacional de Doha (alguns voaram de primeira classe). Pelo menos um deles recebeu um cartão de despesas corporativo para gastar até 500 dólares por dia, sem compromisso.

- O presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, também cobrou as despesas da família da confederação, incluindo a esposa, a filha, a cunhada, o genro e os dois netos. Todos voaram de primeira classe, desfrutaram de tratamento VIP no Aeroporto de Doha e se hospedaram no Marriott Marquis City.

- Além da própria família, Rodrigues teve o cuidado de não se esquecer dos amigos – da política, do Judiciário, da imprensa e das artes. A CBF pagou hotéis, passagens aéreas (apenas classe executiva, neste caso) e ingressos para três jogos do deputado nacional José Alves Rocha (União Brasil, Bahia), que viajou com a esposa Noelma. A CBF gastou mais de 70 mil dólares com o casal Rocha.

- O senador Ciro Nogueira (PP, Piauí), que foi aos jogos com a namorada Flávia Rosalen, recebeu um pacote mais modesto, de apenas 40 mil dólares. O deputado e o senador são membros da "bancada do futebol" no Congresso brasileiro.

- O senador Jaques Wagner (PT, Bahia) também foi convidado, mas ficou no Brasil em meio à transição de governo em 2022. Mas enviou seu filho Mateus, de 47 anos, em seu lugar.

- Entre os 49 afortunados estavam também o cantor Gilberto Gil e sua esposa Flora, a socialite Lilibeth Monteiro de Carvalho, o ministro Júlio Cezar Lemos Travessa, do Tribunal de Justiça da Bahia, o empresário pernambucano Diogo Monteiro Lima, o estilista Ricardo Almeida (que desenhou os blazers dos jogadores para os eventos sociais da Copa), o ex-diretor de fotografia da TV Globo José Carlos Cruz da Silva, Mosca (a quem a CBF deu um cartão de despesas corporativas de 500 dólares por dia) e mais três jornalistas baianos, todos amigos de Rodrigues. O total não inclui os presidentes das 27 federações estaduais, mas inclui suas esposas e filhos. A maioria se hospedou no City Centre Rotana, outro hotel cinco estrelas em Doha.

- Ninguém, dentro ou fora da imprensa, prestou muita atenção à farra de gastos dos 49 afortunados. Afinal, não era a primeira vez que a CBF oferecia tais favores a indivíduos não filiados ao esporte em seus torneios internacionais. Por exemplo, na Copa do Mundo de 1998, na França, o atual chefe da CBF, Ricardo Teixeira, tirou cinco ministros do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, cuja pauta, na época, continha cinco casos nos quais a confederação tinha interesse direto. No entanto, desta vez, até mesmo funcionários experientes da CBF, que haviam participado de várias Copas do Mundo anteriores, acharam que os gastos desenfreados tinham ido longe demais. O custo estimado para os cofres da confederação era de 600 mil dólares.

- “De acordo com o estatuto da entidade, as federações estaduais deveriam estar fiscalizando esses gastos exorbitantes”, afirma um dos oito vice-presidentes da confederação, falando sob condição de anonimato. “O problema é que as federações estaduais reproduzem o mesmo comportamento. O sistema é manipulado.” O vice-presidente em questão apoiou Rodrigues nas eleições de 2022, mas afirma criticar o desvio de verbas da entidade pela atual administração. “Ednaldo não é o primeiro presidente da CBF a usar verbas da entidade para fins pessoais. Mas certamente foi ele quem levou essa prática a um nível preocupante”, afirma.

Está assustado? Isto é apena um aperitivo. Vamos a mais denúncias:

- Até 2021, cada presidente de federação estadual ganhava 10 mil dólares por mês. Quando Rodrigues assumiu a CBF, concedeu aos chamados "cartolas" da liga de futebol um generoso aumento salarial, para 43 mil dólares por mês, além de um bônus de fim de ano de “16º mês”.

- Além de engordar os salários dos dirigentes do futebol, Rodrigues distribui outras regalias. De 21 a 29 de outubro de 2022, a CBF pagou mais de quatro mil dólares em despesas de hotel para Roberto Góes, presidente da Federação Amapá de Futebol e vice-presidente da CBF, e sua esposa, a advogada Gláucia Costa Oliveira. O casal se hospedou no Hotel Radisson Paulista, no bairro de elite dos Jardins, em São Paulo. (Roberto Góes é ex-prefeito de Macapá, capital do Amapá. Ele cumpriu dois meses de prisão em 2010, acusado de desvio de verbas municipais. Seis anos depois, foi condenado a dois anos e oito meses de prisão, mas sua pena foi convertida em serviços a uma instituição de caridade. Quando a CBF pagou a conta do hotel para ele e sua esposa, ele havia acabado de ser eleito deputado estadual pelo partido União Brasil.).

- Um ano e meio depois, a Federação Amapá de Futebol solicitou à CBF o pagamento das passagens aéreas de Góes, sua esposa, irmã, filha de quatro anos e babá de Macapá para São Paulo, além de duas suítes no hotel cinco estrelas InterContinental, no mesmo bairro. O motivo da viagem da família não tinha nada a ver com futebol: a esposa de Góes estava com cirurgia marcada em um hospital de São Paulo. No pós-operatório, o médico recomendou que o paciente permanecesse na cidade por mais uma semana. Góes solicitou a Rodrigues que estendesse a estadia em São Paulo e remarcasse o voo de volta, tudo por conta da CBF.

- Enquanto isso, há escassez de recursos para a formação de árbitros. Quando Wilson Luiz Seneme assumiu a chefia da Comissão de Arbitragem da CBF, em abril de 2022, apresentou uma proposta para um centro de treinamento exclusivo para árbitros, nos moldes do existente na sede da Confederação Sul-Americana de Futebol (CONMEBOL), em Assunção, Paraguai, com refeitório, dormitório e campos cercados por câmeras de vídeo para simular jogadas. Seneme também sugeriu a criação de uma escola de arbitragem para padronizar o treinamento técnico dos árbitros (atualmente, esse treinamento é organizado separadamente por cada federação estadual, muitas vezes com métodos – e convocações – diferentes).

- Rodrigues autorizou ambos os projetos, com um custo estimado de 12 milhões de dólares. Enquanto supervisionava a construção do centro de treinamento e da escola de arbitragem, Seneme determinou que todos os árbitros da Liga A do Campeonato Brasileiro participassem de um treino quinzenal e exame físico em um clube privado no Rio de Janeiro. Em agosto do ano passado, alegando restrições orçamentárias, Rodrigues suspendeu todas as despesas com passagens aéreas e hotéis da CBF.

- Desde então, o treinamento de árbitros passou a ser realizado apenas por videoconferência. "É como se um clube de futebol contratasse um técnico europeu que treinasse os jogadores apenas remotamente, da Europa. É um absurdo", reclamou um árbitro, sob condição de anonimato para evitar represálias. O resultado foi catastrófico. No campeonato do ano passado, 110 árbitros foram demitidos por erros técnicos, em comparação com 40 no ano retrasado. Seneme, que recusou nosso pedido de entrevista, foi demitido em fevereiro deste ano. O centro de treinamento e a escola de árbitros nunca passaram do projeto.

Vamos ler o que disse Ednaldo ao ser confrontado com todas essas denúncias:

- Segundo Rodrigues, a reação à onda de incentivos na última Copa do Mundo foi um desses casos de perseguição. “É costume que entidades esportivas convidem pessoas relevantes e celebridades para participar de grandes eventos”, disse ele. Sobre os favores a autoridades estaduais, ele alegou que “as despesas dos familiares dessas pessoas [presidentes de federações estaduais] são custeadas por elas pessoalmente”, apesar de evidências flagrantes em contrário, como um áudio de WhatsApp. Sobre suas despesas pessoais custeadas pela CBF, ele garantiu ter ressarcido integralmente o erário da confederação. A Piauí solicitou que ele apresentasse os comprovantes dos reembolsos. Até o fechamento desta edição, Rodrigues não havia fornecido nenhum documento.

Continuemos com as lambanças de Edinaldo:

- Em dezembro de 2023, foi afastado do cargo por irregularidades no processo eleitoral. Foi reintegrado em janeiro de 2024, por decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal.

O jornalista Juca Kfouri, que acompanha os desmandos da CBF há mais de cinco décadas, acredita que Rodrigues manobra para obter o mesmo apoio que seus antecessores:

- “Antes, o poder estava concentrado nas mãos de Ricardo Teixeira e Marco Polo Del Nero", diz ele, referindo-se a dois dos ex-presidentes mais notórios da confederação, ambos banidos do futebol por corrupção.
- “Rodrigues está chegando lá, embora os bastidores da CBF sejam assolados por uma constante disputa de poder entre dirigentes, políticos e até mesmo membros do Judiciário”.

Agora vamos às partes mais cabeludas dessa sem-vergonhice e temos nessa tramoia o envolvimento direto dos Ministros do STF e de Partidos Políticos:

- Em janeiro de 2022, Ednaldo Rodrigues obteve uma importante vitória em Brasília. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro havia penhorado o equivalente a 10 milhões de dólares em contas bancárias da CBF para obrigar a confederação a pagar 4 milhões de dólares em danos ao clube de futebol Icasa, em Juazeiro do Norte, no Ceará. Assim que soube do penhor, Rodrigues tomou duas medidas: decidiu recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) e contratou um advogado maranhense, Gabriel Soares Amorim de Sousa, no valor de mais de 1,1 milhão de dólares. Ele pagou adiantado, e o contrato sequer incluía uma "cláusula de contingência" (comum na prática jurídica), segundo a qual os honorários advocatícios são condicionados ao resultado da ação.

- O advogado obteve sucesso retumbante. Ele recorreu ao Supremo Tribunal Federal em 9 de janeiro, anexando 3.300 páginas ao recurso. No dia seguinte, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Humberto Martins, concedeu liminar suspendendo o pagamento da dívida da CBF. A velocidade do processo foi atípica. Naquele ano, 2022, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, o prazo médio para julgamento de pedidos de liminares do Supremo Tribunal Federal era de 55 dias. O recurso neste caso permanece parado desde a concessão da liminar.

O advogado Gabriel de Sousa insiste na legitimidade dos termos do seu contrato:

- “Não só atende às práticas de mercado em Brasília. Estou considerando solicitar um aditivo contratual para reajustar e repor meus honorários, dada a complexidade da questão.”

O STF também defende a tramitação supercélere. Segundo nota da assessoria de imprensa:

- “Todos os pedidos de tutela provisória distribuídos ao gabinete do Presidente do Supremo, independentemente do seu volume ou número de páginas, foram examinados e julgados com a máxima urgência para evitar qualquer dano ou esgotamento de direitos e/ou para salvaguardar o patrimônio das partes.”

- Dois anos depois, Rodrigues obteve uma vitória ainda mais significativa em Brasília. Em 7 de dezembro de 2023, o mesmo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro o destituiu do cargo sob a alegação de fraude eleitoral.

- Rodrigues tomou novamente duas medidas: recorreu aos tribunais superiores de Brasília e pagou 1,3 milhão de dólares do Tesouro da CBF ao seu braço direito, o advogado Pedro Trengrouse.

- As duas notas fiscais emitidas pelo escritório de advocacia Trengrouse (às quais a Piauí teve acesso) mostram que os pagamentos eram referentes a contratos assinados em 10 de julho e 4 de dezembro daquele ano. No entanto, segundo fontes consultadas pela Piauí , em 4 de dezembro Trengrouse não estava mais defendendo a CBF em nenhum caso, então não fazia sentido que ele tivesse assinado um contrato naquela data. Na verdade, ele já havia sido substituído por escritórios de advocacia de Brasília. (Questionado sobre essa estranheza, Trengrouse respondeu que “todos os pagamentos recebidos pelo meu escritório são referentes a honorários advocatícios”, mas não forneceu detalhes, alegando privilégio advogado-cliente.)

- Duas semanas depois, Trengrouse chegou a Brasília para ajudar Rodrigues a retomar seu cargo. A situação era complicada para o dirigente do futebol. Os escritórios de advocacia em Brasília, entre eles o de Rafael Barroso Fontelles, sobrinho do ministro Luís Roberto Barroso, agora presidente do Supremo Tribunal Federal, já haviam perdido no Superior Tribunal de Justiça e no próprio Supremo Tribunal Federal.

- Assim, em 22 de outubro, quando Trengrouse chegou à capital federal, Rodrigues depositava suas esperanças em um novo processo movido no Supremo Tribunal Federal, desta vez pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), partido do secretário-geral da CBF, Alcino Reis Rocha.

- Nesses casos, o regimento interno do Supremo Tribunal Federal prevê que o Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) remeta o novo recurso ao mesmo desembargador que originalmente o havia julgado, neste caso, o Ministro André Mendonça. Mas Barroso decidiu, em vez disso, realizar um sorteio para decidir qual desembargador analisaria o recurso (quando a Piauí contatou Barroso para explicar essa decisão inusitada, ele não nos retornou). O julgamento do recurso pelo PCdoB caiu nas mãos do Ministro Gilmar Mendes. Foi uma dádiva.

E agora o grande abraço e o bondoso contrato como oferenda:

- Desde agosto de 2023, o Ministro Mendes mantém relações diretas com a CBF por meio do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), do qual é sócio-fundador. Na época, a Academia CBF, braço da organização que oferece cursos para técnicos, preparadores físicos e gestores esportivos, buscava um parceiro para auxiliar na administração de seus cursos. A entidade já havia visitado diversas instituições de ensino antes que o procurador Trengrouse se reunisse com Francisco Schertel Mendes, diretor-geral do IDP e filho do Ministro Gilmar Mendes. A relação entre eles foi fabulosa. Em agosto, o contrato foi assinado e selado. O IDP administrava os cursos e ficava com 84% da receita da Academia CBF, estimada em 1,9 milhão de dólares naquele ano. Os 16% restantes ficavam com a CBF.

- Considerando o tumultuado ambiente jurídico na CBF, a gestão de Ednaldo Rodrigues, que entrava em seu segundo ano completo (sem contar seu mandato como presidente interino), via com bons olhos a ideia de uma parceria com um juiz tão influente quanto Gilmar Mendes. Àquela altura, além do processo no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que havia afastado Rodrigues da presidência meses antes, a CBF era constantemente bombardeada pela CPI da Manipulação de Resultados de Jogos de Futebol, na Câmara dos Deputados. A comissão era chefiada pelo Deputado Nacional Arthur Lira.

- Gilmar Mendes poderia ter se recusado a analisar o recurso do PCdoB, dada sua parceria com a CBF, mas prosseguiu. Em 4 de janeiro de 2024, temendo que o Brasil pudesse ter sua inscrição para as Olimpíadas de Paris prejudicada pela saída do presidente da confederação, Mendes concedeu liminar em favor de Rodrigues, que retornou à sua cadeira. Em outubro do ano passado, Mendes apresentou sua liminar ao plenário do Supremo Tribunal Federal, e houve muita discussão, cujo subtexto era a suspeita de desonestidade tanto no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro quanto na CBF.

Ao ler seu voto em voz alta, Mendes criticou a decisão do tribunal do Rio em termos um tanto enigmáticos:

- "São coisas extravagantes que acontecem em casos e que precisam ser anotadas”.

- O colega Ministro André Mendonça, que anteriormente havia decidido contra os interesses da CBF, tomou a palavra e também criticou as extravagâncias judiciais do tribunal do Rio, mas Gilmar interveio:

- "Vossa Excelência entende de extravagâncias melhor do que eu."

Aparentemente, ele pretendia que seu comentário fosse ao espírito de camaradagem judicial, mas Mendonça não o apreciou, fez uma careta e questionou a honestidade da atual administração da CBF.

- "Ministro Gilmar, pode ter certeza de que eu não entendo melhor de extravagâncias, porque quando me deparei com esses fatos, minha impressão foi de que a CBF não resistiria a qualquer investigação”.

- Gilmar Mendes simplesmente fez ouvidos moucos e continuou a expor a justificativa de seu voto. Horas depois, a votação foi interrompida quando o Ministro Flávio Dino solicitou vista dos autos. No entanto, em fevereiro do ano passado, enquanto o Ministro Dino analisava o caso, Mendes autorizou o pedido do PCdoB e proferiu decisão que validou a eleição de Rodrigues em 2022. E deu três dias ao Tribunal do Rio de Janeiro "para cumprir integralmente a decisão em vigor, extinguindo todos os demais processos correlatos". O Tribunal do Rio acatou.

- A parceria entre o IDP do Ministro Gilmar Mendes e a CBF de Ednaldo Rodrigues avança a todo vapor. Até o momento, pelo menos três nomes ligados ao IDP ou indicados pelo IDP foram contemplados com cargos na confederação. Entre eles, estão o Chefe de Gabinete da CBF (Hugo Teixeira), o Diretor Jurídico (André Mattos) e o Diretor Financeiro (Valdecir de Souza). A CBF também foi contemplada com uma filial em Brasília, em uma casa no bairro nobre do Lago Sul.

- E Coisas extravagantes aconteceram naqueles 28 dias em que Ednaldo Rodrigues foi destituído da presidência da CBF. A vaga desencadeou uma disputa acirrada para substituí-lo. Um dos primeiros a anunciar sua candidatura foi o dirigente de futebol Flavio Zveiter. Devido a uma coincidência comum no mundo do futebol, Flavio é filho de Luiz Zveiter, então o juiz mais influente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, devastado pela guerra. Para vice-presidente em sua chapa, o jovem Zveiter escolheu Gustavo Feijó, dirigente de futebol do estado de Alagoas e inimigo jurado de Rodrigues. Isso também lhe garantiu o apoio de um aliado sólido de Feijó, ou seja, seu compatriota alagoano Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados do Brasil (onde se desenrolava a CPI da Manipulação de Jogos de Futebol, uma investigação que atormentou o governo Rodrigues).

- Em 21 de dezembro, apenas 13 dias após a destituição de Rodrigues da presidência, Feijó convocou uma reunião em Brasília com todos os interessados, incluindo o próprio Rodrigues, para discutir sua sucessão. A reunião ocorreu no escritório da advogada Maria Claudia Bucchianeri Pinheiro, que por acaso é advogada de Arthur Lira. Lira, que não tem nenhuma ligação com a CBF, compareceu à reunião e tentou chegar a um acordo. Ele queria que seu candidato Gustavo Feijó liderasse a chapa. Zveiter insistiu em liderar a chapa ele mesmo. Reinaldo Carneiro Bastos, presidente da Federação Paulista de Futebol, que havia sido convocado para a reunião, também resistiu a desistir de sua candidatura. Como ninguém cedeu um centímetro, o acordo fracassou.

- O negócio fracassou, mas não por muito tempo. Após Rodrigues retornar ao cargo graças à liminar, ele recorreu novamente ao erário da CBF e contratou um novo advogado para cuidar dos três processos que tramitavam no Superior Tribunal de Justiça. A advogada era ninguém menos que Maria Claudia Bucchianeri Pinheiro, agora ministra do Tribunal Superior Eleitoral. O acordo foi fechado rapidamente. Em 12 de janeiro, apenas oito dias após Rodrigues retornar à presidência, o contrato foi assinado. A CBF pagou o equivalente a dois milhões de dólares, metade à vista e o restante em dez parcelas, sem cláusula de contingência. Desde então, ninguém se manifestou contra Rodrigues, nem mesmo Feijó ou Lira.

- Os adversários de Rodrigues foram abandonando aos poucos a batalha judicial contra sua presidência. Feijó jogou a toalha em 8 de maio. Em apenas um parágrafo, sem explicar o motivo, anunciou que estava desistindo do caso. No mesmo dia (o futebol é cheio de coincidências), a CBF depositou o equivalente a 500 mil dólares na conta de Feijó. Segundo a confederação, o pagamento se referia a um acordo judicial em processos movidos por Feijó contra a CBF na Justiça de Alagoas. A Piauí solicitou a apresentação de um documento do acordo judicial, pois os autos não apresentam nada que o confirme. Até o fechamento desta edição, não recebemos nenhum documento.

Da mesma forma, a CBF é uma associação convencional sem fins lucrativos. Por não ser uma empresa privada convencional, não responde perante acionistas ou sócios. Como a CBF também não é uma autarquia, nem recebe recursos públicos, não está sujeita à fiscalização constante do Ministério Público ou do Tribunal de Contas da União. No caso da CBF, a fiscalização desses órgãos é exclusivamente reativa. Ou seja, eles só intervêm caso haja denúncia.

- “É uma enorme contradição”, afirma Vitor Rhein Schirato, professor de Direito Administrativo da Universidade de São Paulo (USP), “pois, embora a CBF seja autogerida e não responda a ninguém, ela controla uma atividade de evidente interesse social”. Segundo Schirato, o Ministério Público poderia ser mais proativo. Teoricamente, o uso de verbas públicas para fins pessoais e pagamentos superfaturados podem configurar apropriação indébita ou até mesmo peculato.

- Além disso, a CBF é uma organização bilionária. Em 2023, o último ano com balanço disponível, a receita líquida da confederação ultrapassou um bilhão de reais (duzentos milhões de dólares). E aumentará substancialmente em 2027, quando o novo contrato de patrocínio com a Nike entrar em vigor, no valor de 100 milhões de dólares por ano, em comparação com 35 milhões do contrato atual. Outra importante fonte de receita, tão grande quanto os patrocínios, vem dos direitos de transmissão das partidas. Assim, sem a vigilância constante de agências governamentais ou investidores privados, e com um fluxo de caixa enorme, a CBF tem sido cobiçada tanto por partes legitimamente interessadas quanto por partes inescrupulosas.

Nem sempre foi assim. A maior parte do orçamento da CBF na década de 1980 envolvia financiamento público, proveniente das loterias administradas pela Caixa Econômica Federal. Mas parecia haver escassez de dinheiro para quase tudo, até mesmo para organizar o Campeonato Brasileiro. (Em 1987, com dificuldades financeiras, a CBF criou um torneio extra chamado "Copa União".) No entanto, em 1989, Ricardo Teixeira assumiu a presidência da CBF e mudou tudo. Adotando o manual de seu sogro, João Havelange, então presidente da FIFA, Teixeira turbinou a receita da confederação com dinheiro do emergente campo do marketing esportivo, em parceria com a empresa de licenciamento e publicidade Traffic Sports, de propriedade de J. Hawilla. Ele também abriu mão de verbas governamentais, de modo que a CBF não era mais fiscalizada pelo Ministério Público ou pelo Tribunal de Contas da União.

- Esse foi o início da onda de gastos. A CBF se tornou uma organização rica e corrupta. Em 2012, após um longo reinado, Teixeira deixou a presidência após uma série de denúncias de má gestão financeira em conluio com a Traffic Sports. Ele foi sucedido por José Maria Marin e, em seguida, Marco Polo Del Nero. Toda a equipe – Teixeira, Hawilla, Marin e Del Nero – logo se tornou alvo de uma investigação internacional do FBI sobre corrupção no futebol. Todos eles caíram juntos. Hawilla fez um acordo judicial para evitar a prisão e morreu em 2018. Marin foi condenado a cinco anos. Teixeira e Del Nero evitaram a prisão, mas foram banidos do futebol para sempre.

- Rodrigues assumiu a presidência interina em 2021 com o voto unânime dos oito vice-presidentes da CBF. Ele foi eleito presidente titular em 2022 com 65 dos 67 votos válidos.

- Com a vitória, ele prometeu integridade. "Quando assumi como presidente interino, a organização era como um navio em uma tempestade. Eu precisava manter o leme firme. Agora, com a democracia aqui, quero corrigir nossa direção", disse ele. Ele então explicou o que queria dizer com nova direção. "É fazer melhor o que é legal, expurgando [a confederação] de toda e qualquer atividade imoral."

Sua promessa seria posta à prova nos primeiros dias de seu mandato. Olhem, que beleza de expurgo “de toda e qualquer atividade imoral”, segundo os conceitos de Ednaldo:

- Rodrigues mal havia assumido o cargo quando entregou o departamento de transportes da CBF ao motorista Anderson Castro de Souza, que lhe fornecia serviços de motorista particular desde que ele era um dos oito vice-presidentes da confederação. A empresa de Anderson Souza ostentava um capital social total de 1 real (U$ 0,20), e a sede corporativa ficava em uma casa humilde no bairro de Brás de Pina, na Zona Norte do Rio. Em um único dia de março de 2022, o motorista levou 36 oficiais da liga dos aeroportos – alguns do Aeroporto Internacional do Galeão e outros do Aeroporto Doméstico Santos Dumont – para a sede da CBF na Barra da Tijuca. Ele cobrou 158 mil reais, o equivalente a mais de trinta e um mil dólares. (Para efeito de comparação e tomando o trajeto mais longo do Aeroporto Internacional até a Barra da Tijuca, se a CBF tivesse colocado cada oficial em um Uber Black individual, o modelo mais caro, a confederação teria gasto apenas 11 mil reais, ou U$ 1.200, ida e volta).

-Três meses depois, o motorista conseguiu que a CBF contratasse um amigo, o detetive Carlos Eduardo Chazan, da Polícia Civil, cuja empresa (fundada apenas quatro meses antes) passou a prestar "serviços de apoio e consultoria em proteção pessoal". Pelo contrato, Chazan cuida da segurança dos funcionários e da sede da CBF, um prédio de seis andares. Em apenas três meses de 2023, maio, julho e setembro, segundo as planilhas acessadas pela Piauí , Chazan recebeu mais de 40 mil dólares por mês. (O salário de mercado para um cliente de porte similar é de 16 mil dólares.)

- Além de desviar verbas, segundo os 22 funcionários e ex-funcionários da CBF ouvidos pela Piauí , Rodrigues centraliza todas as decisões, não concedendo autonomia alguma aos departamentos. O Departamento Financeiro já enfrentou dificuldades para realizar pagamentos insignificantes, como consertar o controle remoto da TV onde Dorival Júnior, técnico da Seleção Brasileira de Futebol, assiste aos jogos. No ano passado, o Departamento Financeiro reteve o pagamento desse serviço por quase duas semanas até receber autorização de Rodrigues. Enquanto isso, o controle remoto mais sofisticado do mercado local custa menos de 30 dólares, zero.

- O atraso pode ter sido resultado de excesso de zelo administrativo, mas uma ex-funcionária (contratada durante a gestão Rodrigues) relatou que se deparou com um caos administrativo ao chegar lá: contratos espalhados em gavetas entre vários departamentos e ordens de pagamento sem registros formais.

- "Tive a impressão de que a desorganização foi intencional", disse ela. Outro exemplo da desordem é que, embora a CBF arrecade bilhões em receitas, ela enfrenta atualmente 43 protestos diferentes por falta de pagamento de dívidas protocoladas em cartórios no Brasil, totalizando mais de 500 mil dólares. E Rodrigues se formou em contabilidade.

E tome mais rolo. E tome mais corrupção. A CBF vira uma nova Coreia do Norte:

- Uma arquiteta Luísa Xavier da Silva Rosa ficou entusiasmada ao receber o convite da CBF, durante o governo Rogério Caboclo, para projetar 14 centros de treinamento em todo o Brasil, como parte do projeto da Copa do Mundo de 2014. Rosa é especialista em arenas esportivas e participou da equipe que projetou os estádios no Brasil para aquela Copa do Mundo. Ela aceitou o desafio e, com parte dos 100 milhões de dólares enviados pela FIFA, comprou o terreno e deu início à construção.

- Quando Rosa recebeu o convite da FIFA para trabalhar na Copa do Mundo do Catar, Rodrigues, que já havia assumido o cargo na CBF, recusou sua demissão. Ele a nomeou para o cargo de Diretora de Patrimônio da CBF, com um salário mensal de seis mil dólares. (A diretora anterior, segundo ela, ganhava 19 mil dólares por mês.) Além das obras dos centros de treinamento, a arquiteta agora também era responsável pela sede da CBF e pela Granja Comary, onde a Seleção Brasileira treina. Rosa foi a primeira mulher a chefiar um departamento na CBF. "É muito importante que todos vejam que o seu sexo não importa. O que importa é o trabalho que você faz", disse ela ao GE, portal do grupo de mídia Globo.

Esse foi o início de sua provação. Uma vez dentro das portas da empresa, a CBF se mostrou um ambiente hostil para as mulheres. Rosa testemunhou a contratação de prostitutas para atender hóspedes na CBF e ouviu "todo tipo de comentário misógino". Ela recebeu mensagens de WhatsApp com insinuações sexuais de Arnoldo de Oliveira Nazareth Filho, filiado à Federação Amazonense de Futebol e um dos muitos negociadores de poder obscuros da CBF, e de Rodrigo Paiva, então diretor de comunicação. Ela também recebia rotineiramente "convites indesejados" para almoços e jantares.

As descrições nos parágrafos anteriores constam da ação trabalhista que Rosa moveu contra a CBF após deixar a entidade em julho de 2023. Paiva refutou a acusação em nota à imprensa no final do ano passado. "Minha trajetória profissional sempre foi marcada pelo incentivo à desconstrução da cultura de assédio no Brasil, para que as mulheres possam desfrutar de um ambiente de trabalho digno, equitativo e livre de discriminação." Nazareth Filho não se manifestou publicamente sobre o assunto. A Piauí não conseguiu localizá-lo.

- A advogada Cyntia Sussekind Rocha, que representa Rosa na ação trabalhista, afirma que sua cliente não demorou a “perceber que o departamento a ela confiado era, na verdade, uma grande manobra de propaganda, uma vez que passou a sofrer diversas represálias, minando sua autoridade, com toda sorte de humilhações”. O primeiro ataque à sua autoridade aconteceu quando a arquiteta tomou conhecimento dos contratos de manutenção do complexo de treinamentos da Granja Comary. Rodrigues decidiu rapidamente que apenas Nazareth Filho cuidaria do assunto. Em seguida, o presidente deixou de autorizar pagamentos para as obras sob a supervisão de Rosa e começou a demitir funcionários de seu departamento sem consultá-la (até hoje, nenhum dos 24 centros de treinamento foi concluído).

- No final de 2022, Rosa lançou um edital para consertar o telhado e as varandas da sede da CBF, devido a infiltrações e mofo nas paredes. Cinco empresas apresentaram propostas, mas Rodrigues alegou que todas estavam cobrando a mais. Ele contratou outra empresa, a MS Engenharia e Manutenção Predial, que cobrou um preço bem menor. Tudo deu errado. A MS não apresentou o projeto executivo nem especificou os preços dos materiais e, após o Carnaval de 2023, a primeira reforma que a MS iniciou – o teto do auditório – desabou devido a falhas na construção. Rosa queria rescindir o contrato com a MS, mas Rodrigues não quis saber.

- No início de 2023, ao solicitar uma vistoria no sistema de detecção de incêndio do prédio da CBF, a arquiteta fez uma descoberta alarmante: encontrou uma câmera de vídeo e áudio escondida sob o detector de fumaça do restaurante do prédio. Ao investigar o caso, Rosa descobriu que as gravações de vídeo e áudio estavam armazenadas em uma central localizada em uma pequena sala ao lado do escritório de Rodrigues, à qual somente ele tinha acesso.

- O arquiteto também desenterrou uma conversa de WhatsApp entre Ricardo Lima, cunhado de Rodrigues e atual presidente da Federação Baiana de Futebol, e um funcionário do Departamento de TI da CBF. O funcionário pergunta:

- "Câmeras escondidas no restaurante. Enviar para o Departamento de Compras? Boa tarde!"
- “Boa tarde! Perfeito. Sim, envie [as gravações]”, respondeu Ricardo Lima.

- A notícia de que a confederação estava espionando funcionários caiu como uma bomba. Os diretores de departamento começaram a realizar suas reuniões com as TVs ligadas no volume máximo, com medo de serem ouvidos. Um funcionário contratado na época (e que ainda trabalha lá) contou à Piauí que, em seu primeiro dia de trabalho, um de seus novos colegas lhe entregou um bilhete que dizia:

- "Cuidado com o que você disser, o lugar inteiro está grampeado". Desde então, os funcionários evitam almoçar no restaurante da CBF.
- "Chamamos isso de Coreia do Norte", disse um funcionário, falando em off para evitar represálias. Quando contatamos Ricardo Lima, ele se recusou a comentar.

- Em 24 de maio, já em tratamento psicológico para burnout, Rosa chegou ao seu limite e denunciou a situação à Comissão de Ética da CBF. Em 4 de julho, foi convocada para uma reunião com o então diretor jurídico Gamil Föppel, o diretor de compliance Hélio Menezes Júnior e o secretário-geral Alcino Reis Rocha. Foi demitida durante a reunião, acusada de ter vazado para a imprensa a denúncia que havia feito à Comissão de Ética.

- Em seu processo contra a CBF, Rosa negou o vazamento e acusou Rodrigo Paiva e Nazareth Filho de assédio sexual e Rodrigues de assédio moral. Em agosto passado, a Justiça decidiu a seu favor e condenou a CBF a pagar 12 mil dólares em indenização. A CBF está recorrendo. Rodrigues retaliou processando a arquiteta e seu advogado, acusando-os de difamação. Ambas foram absolvidas. Gamil Föppel, diretor jurídico da CBF, também acusou Rosa de difamação. O caso ainda está em andamento.

- O caso de Rosa teve um impacto doloroso no ambiente de trabalho da CBF, que emprega cerca de quatrocentos funcionários, dos quais cerca de 50% são mulheres. De acordo com uma pesquisa interna realizada no final de 2023, mais da metade dos funcionários sente que "o ambiente de trabalho não é seguro nem livre, e as pessoas têm medo de falar mais sobre as situações, incluindo o medo de retaliação ou de serem desacreditadas pelo sistema", e que "não registrariam uma queixa ou reclamação sobre tais situações pelos canais atuais da organização".

- Além disso, 30% dos entrevistados relataram ter sido vítimas de discriminação, assédio ou violência psicológica. Os problemas no ambiente de trabalho da CBF são ainda mais evidenciados pelo aumento de processos trabalhistas. Sob a gestão de Rodrigues, a CBF foi acionada 104 vezes na Justiça do Trabalho, sem contar os casos que tramitam em sigilo. Nos quatro anos anteriores, também excluindo os casos sigilosos, houve 84 processos, ou 24% a menos. Funcionários da CBF estimam que a gestão de Rodrigues já tenha demitido mais de duzentos funcionários, cerca de metade de toda a força de trabalho.

Ronaldo entra em cena e conhece o poder de fogo de Edinaldo:

- Em dezembro do ano passado, o ex-atacante Ronaldo Nazário, conhecido pelos torcedores como "Ronaldo Fenômeno", anunciou sua candidatura à presidência da CBF. Em entrevista ao Jornal Nacional, programa de notícias da Globo no horário nobre, Ronaldo disse: "Meu objetivo é que a CBF se torne a empresa mais querida do Brasil". Ele não criticou explicitamente a gestão Rodrigues, mas afirmou que sua missão, se eleito, seria "recuperar o prestígio do futebol brasileiro". (Na Copa do Mundo de 2026, o Brasil completará 24 anos sem conquistar um título mundial).

- Naquele mesmo mês, Ronaldo partiu em busca de apoio. Em conversa com o Deputado Nacional Aécio Neves, torcedor do Cruzeiro, pediu ajuda para agendar uma reunião com o Ministro Gilmar Mendes. Deu certo. Gilmar e sua esposa (a advogada Guiomar Feitosa Mendes) ofereceram um jantar em sua casa em Brasília. Além de Ronaldo e seu assessor Victor Rios, os convidados incluíam o próprio Aécio e o filho do casal anfitrião, Francisco Schertel Mendes, que havia fechado o acordo para a parceria entre o IDP e a Academia CBF.

- Ronaldo queria a bênção da família Mendes para concorrer à presidência, mas saiu do jantar de mãos vazias. O clã havia dado sinais de estar satisfeito com a gestão Rodrigues. Segundo um dos convidados, que falou à Piauí em off, Francisco Mendes fez um comentário positivo sobre Rodrigues em determinado momento da refeição. "Ele é um cara honesto", disse ele.

- A candidatura de Ronaldo durou menos de quatro meses. Em 12 de março, sem o apoio da família Mendes e sem o respaldo da diretoria da federação, o ex-craque jogou a toalha. “As federações se recusaram a me receber em suas casas, com o argumento de que estavam satisfeitas com a atual gestão e apoiavam a reeleição [de Rodrigues]. Não pude sequer apresentar meu projeto, mostrar minhas ideias e ouvi-las como gostaria. Não houve abertura para diálogo”, disse ele em nota nas redes sociais.

- Faz sentido. Rodrigues nunca deixou de cortejar as federações, que ganharam peso eleitoral extraordinário desde 2017. Na eleição para chefiar a confederação, o voto de um dirigente de uma federação estadual vale três votos. O voto de um time da Liga A vale dois votos, enquanto o de um time da Liga B vale apenas um voto. Como existem 27 federações (totalizando 81 votos), 20 times da Liga A (40 votos) e 20 times da Liga B (20 votos), um candidato pode conquistar a presidência da CBF sem os votos de nenhum time da Liga A ou da Liga B e pode até vencer sem o apoio de seis federações estaduais.

- Em sua campanha de reeleição, Rodrigues usou o mesmo truque tortuoso de tubarões políticos experientes. Ele prometeu as oito vagas para vice-presidentes a duas dúzias de diferentes dirigentes de federações estaduais. Mais tarde, anunciou aqueles que ficariam fora da chapa, mas apenas no último minuto, para que não tivessem tempo de organizar uma chapa de oposição. Sozinho na disputa, ele marcou a eleição para 24 de março, uma segunda-feira. Nessa fase, os times, sempre temerosos da pressão de suas federações, não tinham motivos para votar em branco. Isso só teria gerado animosidade de Rodrigues. Até o americano John Textor, dono do clube de Botafogo, que havia pedido a demissão do presidente da CBF em 2023, insinuando que ele era corrupto, agora ofereceu seu apoio.

- Resultado: Ednaldo Rodrigues Gomes venceu com folga. Ele conquistou os votos de todas as federações e de todas as seleções. "Nosso legado é sempre priorizar o civismo, a transparência, a honestidade e, acima de tudo, tornar o futebol brasileiro cada vez mais forte", disse ele em um breve discurso. Foi aplaudido de pé. No dia seguinte, estava em Buenos Aires para assistir à goleada da Argentina sobre o Brasil por 4 a 1.

Em 7 de abril de 2025,segunda-feira, o programa da ESPN “Linha de Passe” discutiu toda essa patifaria que você acabou de ler denunciada pela Revista Piauí. 

Em 8 de abril, terça-feira, os 6 integrantes do “Linha de Passe”, da ESPN Brasil, (Gian Oddi, Paulo Calçade, Pedro Ivo Almeida, Victor Birner e William Tavares e o produtor do programa, Dimas Coppede) foram afastados do programa. Segundo informações do portal UOL, a decisão da direção se deu após ter sido “pega de surpresa” pelas críticas feitas ao presidente da CBF e à própria confederação. Ainda de acordo com a reportagem, a CBF teria ligado para o canal pedindo que providências fossem tomadas. A entidade, porém, nega que isso tenha acontecido. “Não procede. A CBF respeita a liberdade de imprensa com responsabilidade e não pede interferências de nenhum tipo na linha editorial de veículos de comunicação. Qualquer narrativa diferente desta é mentirosa e leviana”, disse em nota à CNN.

Eu finalizo com uma provocação:

- Será que Graciliano Ramos, que abre o texto pedindo que os brasileiros não adotem o “football”, foi acometido por alguma revelação divina e viu coisas futuras, como saques, roubalheiras, maracutaias, que iriam acontecer ao país do futebol? Dos esportes que ele pediu que fossem reabilitados, apenas o “cambapé” ou a rasteira se regenerou. Ela evoluiu junto com o futebol. É praticada pelos dirigentes brasileiros que são craques invencíveis na arte de dar rasteiras. Ganharam todos os campeonatos mundiais. Já produziram vários “Pelés” dentro da CBF e o último craque dessa modalidade é Ednaldo Rodrigues.

Bom final de semana a todos!

Foto de Carlos Sampaio

Carlos Sampaio

Professor. Pós-graduação em “Língua Portuguesa com Ênfase em Produção Textual”. Universidade Federal do Amazonas (UFAM)