"Honoráveis Bandidos"

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“Essas figuras que, de tempos em tempos, afrouxam as fibras do chamado tecido social. É de se lhes tirar o chapéu. Conseguem sentar nas cadeiras mais insuspeitas, dignas das pessoas mais honradas. Emprestam seus nomes a ruas, escolas, edifícios públicos, rodovias, até cidades. São aqueles que, de tanto triunfar na ignomínia, Rui Barbosa inculpa de levar gente honesta a ter vergonha de ser honesta”.  (Mylton Severiano).

E José Ribamar apareceu novamente aos brasileiros. Sua aparição se deve às comemorações dos 40 anos da redemocratização do Brasil. A homenagem, em sessão especial, aconteceu no Senado. Com o Plenário lotado, Sarney foi exaltado não só pelos parlamentares das duas Casas, mas também por atuais e ex-representantes do Executivo e do Judiciário, entre outros convidados. Seu bigode agora está branco, mas sua voz é a mesma, seu discurso é o mesmo...

- “Hoje comemoramos a democracia, cujo coração é a liberdade, que deságua na formação do Congresso Nacional que é verdadeiramente representante do povo brasileiro: o Senado e a Câmara dos Deputados. É o período maior de nosso país com Estado de direito, sem hiatos, sob a égide da Constituição de 1988, que assegurou o exercício da cidadania em profundidade, com direitos individuais e direitos civis. Mas há um ponto importante nessa Constituição, que na sua convocação eu já advertia: da necessidade de implantarmos os direitos sociais no Brasil”.

Sarney foi um dos piores presidentes do Brasil. Senão o pior. Ele é o artífice de toda bandalheira que hoje vigora no Brasil. Ele implantou e turbinou as bases da confusão que hoje tonifica a Terra dos Papagaios em todos os setores. Com ele nasce a moderna impunidade dos poderosos, a mentira elevada ao seu mais alto grau, o descaso e a manipulação do discurso para manutenção da miséria no Brasil.

- “Mentiram-me. /Mentiram-me ontem/ e hoje mentem novamente. Mentem de corpo e alma completamente. E mentem de maneira tão pungente/ que acho que mentem sinceramente”.

Em 1974, os militares haviam derrotado totalmente os terroristas de esquerda que tentavam implantar uma ditadura comunista no Brasil. Sim essa é a verdade. José Dirceu, José Genoíno. Dilma Rousseff, Gabeira e mais uma cambada dos sem-noção que hoje recebem como prêmio a bolsa-ditadura e  militam no PT/PCB/Psol/PTD e se refestelam nas delícias do poder jamais lutaram por democracia. Nunca. Lutavam para implantar uma ditadura no Brasil nos moldes de Cuba. Tudo diferente do que os livros de historia escritos por seus admiradores comunistas ensinam aos alunos de 1º e 2º graus e aos “universiotários” progressistas de cabelo roxo. Basta ler os panfletos que esses grupos terroristas espalhavam quando assaltavam bancos e matavam pessoas inocentes.

E muito menos a ditadura dos milicos terminou porque os comunistas lutaram contra os militares. O que aconteceu é que o general Ernesto Geisel tomou posse e pôs em ação um plano de abertura “lenta, gradual e segura”. Motivo?

O governo estava enfraquecido, dividido pelos militares da linha-dura (mais radicais) e os militares moderados. A economia apresentava uma alta inflação, o povo saía às ruas nas chamadas Diretas Já. Assim, iniciou-se a abertura política. Aos poucos, a oposição, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) ganhou força.

Ernesto Geisel iniciou tudo e chamou o plano de abertura “lenta, gradual e segura” e o governo seguinte, de João Figueiredo (1979-1985), entregou o país aos civis.

Como parte dessa abertura, foi aprovada em 1979 a Lei da Anistia, que garantiu que os agentes da repressão seriam absolvidos por seus crimes e os terroristas de esquerda não seriam punidos por seus delitos.

Os mesmos comunistas e seus acólitos que hoje estão no poder, petistas, psolistas, que foram beneficiados pela anistia em 1979, hoje eles gritam para os outros brasileiros: - sem anistia!

- “Mentem sobretudo impunemente. / Não mentem tristes, / alegremente mentem. / Mentem tão nacionalmente / que acho que mentindo história a fora/ vão enganar a morte eternamente”.

Em 1985, Tancredo Neves foi eleito pelo Colégio Eleitoral com 480 votos contra 180 de Paulo Maluf.

Eleito Tancredo, morre Tancredo. E nesse cenário surge para o Brasil José Sarney, o vice de Tancredo.

A partir dessa data, 1985, nós vamos ver o que os civis (políticos) que receberam o poder dos militares fizeram com a nação brasileira. Quem vai nos guiar é Palmério Dória, através de seu livro “Honoráveis Bandidos - Um Retrato do Brasil na era Sarney”. Eis um pequeno resumo:

José Sarney nasceu José Ribamar Ferreira de Araújo Costa. Era conhecido no Maranhão como “Zé do Sarney”. Mais tarde tomou para si o nome do pai e se tornou José Sarney.
- “Mentem, mentem e calam / mas nas frases falam e desfilam de tal modo nuas / que mesmo o cego pode ver a verdade em trapos pelas ruas. / Sei que a verdade é difícil e para alguns é cara e escura, / mas não se chega à verdade pela mentira / nem à democracia pela ditadura”.
O pai é quem lhe abre todas as portas. O anedotário politico maranhense conta que em 1950 o povo curioso seguia o desembargador Sarney pai pelas ruas de São Luís. Ele carrega numa das mãos alguns livros, e uma caixa de madeira embaixo do outro braço. Tem forma de pirâmide, mas com o topo cortado e um tampo com uma fenda no centro. Ele só largava a caixa e os livros se passasse em frente de alguma igreja, para poder ajoelhar-se e fazer o sinal-da-cruz. Quando o paravam na rua e perguntavam que caixa era aquela que carregava, respondia, batendo na madeira:
- “Esta é a urna do meu filho Zé”.

O povo aumenta, mas não inventa. A parábola da urna evidencia a quem José Sarney deve sua carreira política. Ele começa sem identidade própria.  Aderson Lago, de tradicional estirpe política, chefe da Casa Civil do governador maranhense Jackson Lago em 2009, é uma memória viva daqueles tempos:

- “Sarney nasceu, cresceu e criou dentes dentro do Tribunal”, diz Aderson, que faz o seguinte resumo, em seu gabinete do Palácio Henrique La Rocque, em São Luís, o centro administrativo do governo. “O pai não era um fazendeiro abastado, empresário, não era porra nenhuma. Nunca tiveram nada. Nunca acertaram nem no jogo do bicho. Sarney não tem como explicar a fortuna que tem. Ele mesmo contou, quando presidente da República, na inauguração do Fórum Sarney Costa, que o pai teve que vender sua máquina de escrever para mantê-lo por uns tempos.”

O mesmo Aderson Lago narra a história de certo engenheiro italiano que havia construído a fortaleza de Dine Bien Phu, no Vietnã, e para cá veio tocar a construção do porto de Itaqui, perto de São Luís — por onde meio século depois sairia o minério de Carajás e outras mil riquezas do Brasil. Surgiu uma demanda judicial contra a empresa do italiano. No último julgamento, que a empresa perderia e, por isso, quebraria, descendo a escadaria do Tribunal, o italiano, referindo-se a Sarney, comentou com seus advogados:

- “Se Al Capone estivesse vivo e aqui estivesse, diante desse rapaz de bigodinho seria um mero aprendiz”.

Foi para esse homem que a população da Terra dos Papagaios, depois de ter tomado o poder dos militares, população crédula e emprenhada pelos ouvidos, fascinada pelo som da palavra “democracia”, entregou os destinos da nação.

Sarney foi Deputado federal, governador do Maranhão, presidente da República, cinco vezes senador e três vezes presidente do Senado.

Eis algumas lambanças do Governo Sarney:

- 1985. Governo Sarney começa mal: proíbe o filme “Je Vous Salue, Marie”, do francês Jean-Luc Godard, versão da trajetória da sagrada família, alegando que fere nossa “religiosidade”.

- 1986. José Sarney lança Plano Cruzado, aconselhado pelo genro Jorge Murad; Delfim Neto afirma que “por muito menos botamos o João Goulart para correr”; preços congelados, fiscal correndo atrás de boi no pasto e “fiscais do Sarney” de bótons nas camisetas vociferando nos telejornais; plano eleitoreiro: o PMDB elegerá 22 de 23 governadores, no maior estelionato eleitoral da história. Em Julho: aumento em carros e combustíveis quando governo alardeia “inflação zero” provoca manifestações contra José Sarney. 

Em novembro explode em Brasília o “Badernaço”, com saques, depredações e incêndios; Sarney põe tanques nas ruas. O Brasil reata relações com Cuba.

- 1987. Com o monumental fracasso do Plano Cruzado, José Sarney lança o Plano Bresser e mete a mão na poupança do povo: em valores de 2007, surrupia mais de 1 trilhão e meio de reais. José Sarney suspende pagamento dos juros da dívida externa.

- Em 25 de junho, uma multidão enfurecida aborda seu ônibus na Praça XV, Rio, gritando: - “Sarney, salafrário! Está roubando o meu salário!” “Sarney, ladrão! Pinochet do Maranhão”; quebram uma janela e ferem José Sarney na mão; dois vão presos com base na Lei de Segurança Nacional; governo acusa Brizola, O Globo e a Rede Globo ecoam e até pedem a cassação do ex-governador.

- Em 01 de julho, no Rio, 30 mil incendeiam 60 ônibus e destroem vidraças e carrocerias de outros 100, após aumento de 49% nas passagens, em pleno congelamento decretado por José Sarney; a polícia prende cem; o aumento é cancelado.

- No Acre, cercado por 1.200 soldados, José Sarney ouve o povo de Rio Branco gritar: - “O povo não aguenta Sarney até noventa”.

- Em novembro, povo vaia José Sarney em Belém e 17 vão presos. A três dias do réveillon, 4 mil garimpeiros de Serra Pelada se rebelam, a PM reage à bala: 133 mortos.

- 1988. José Sarney assina, como presidente, a Constituição “Cidadã” de Ulysses Guimarães. É a Constituição dos “direitos”. Anos depois os brasileiros vão descobrir que todos os “direitos” escritos na tal Constituição ficaram com a parte de cima. E em 2020 descobrem que os 11 advogados nomeados para o Supremo Tribunal Federal pelo Presidente de plantão e aprovados pelos Senadores é quem realmente manda no Brasil, pois é assim que se “interpreta” a Constituição Cidadã. Não governa quem o povo escolheu através do voto. Nessa data, 2020, é instalado no Brasil o regime do - “Perdeu, Mané. Não amola”, pelo ministro Barroso. Esse, espantosamente, é o regime que vigora até os dias de hoje.

- José Sarney destina apenas 10,6% do orçamento à Educação. Roraima vira Estado.

- José Sarney estica o mandato para cinco anos, após negociação com o Congresso, que inclui liberação de mais de mil concessões de emissoras de rádio e televisão.

- José Sarney derrota o aliado Magno Bacelar, em campanha para o Senado pelo PDS: o empresário, cria de José Sarney, perde a concessão da Globo para o Sistema Mirante, da família Sarney.

- José Sarney age como na ditadura: em 9 de novembro, 1.300 homens do Exército invadem Volta  Redonda  para  expulsar  3  mil  operários  em  greve  por  reposição salarial e turno de seis horas; com tanques, bombas de gás e fuzis, matam brutalmente três grevistas e ferem nove gravemente. Ano termina com o assassinato do líder seringueiro Chico Mendes, três dias antes do Natal.

- 1989. José Sarney corta gasto com educação a menos de metade: 4,6% do orçamento;

- Em janeiro, José Sarney lança o “Cruzado Novo”, que vale mil cruzados (cortou três zeros).

- José Sarney reaproxima-se de Collor; em segredo, preparam o confisco da poupança. 

- Greve nacional de bancários em abril; José Sarney baixa medida provisória que restringe o direito de greve. 

- O Governo de José Sarney finda com recorde imbatível: maior inflação da história, 1.764,86% ao ano.

- Collor bate Lula e se elege presidente. Ele é o primeiro Presidente eleito pelo voto direto em 25 anos.

- 1990. Polícia Federal expulsa 45 mil garimpeiros de terras dos ianomâmis em Roraima. Povo saqueia meia centena de supermercados nos subúrbios cariocas; em Jacarepaguá, 3 mil favelados invadem condomínio abandonado havia 7 anos. José Sarney sai da presidência com hiperinflação e novo endereço eleitoral: Amapá.

- Collor toma posse em 15 de março e bloqueia contas correntes e poupanças; muita gente se suicidou.

Mas essa é uma outra história. É uma outra bandalheira.

- “Mentem, mentem caricaturalmente,/ mentem como a careca mente ao pente,/ mentem como a dentadura mente ao dente/ mentem como a carroça à besta em frente,/ mentem como a doença ao doente,/ mentem como o espelho transparente/ mentem deslavadamente como nenhuma lavadeira mente ao ver a nódoa sobre o rio/ mentem com a cara limpa e na mão o sangue quente,/ mentem ardentemente como doente nos seus instantes de febre,/ mentem fabulosamente como o caçador que quer passar gato por lebre/ e nessa pilha de mentiras a caça é que caça o caçador/ e assim cada qual mente indubitavelmente”.

Sarney foi acusado de todos os tipos de falcatruas que você pode imaginar em todos os cargos que exerceu. Jamais foi investigado. Tudo foi abafado, arquivado. Foi apelidado de o “Poderoso Chefão do Brasil”. Ainda está vivo e voltou para nos assombrar.

Ricos. Ricaços. Milionários. A história recente do Brasil nos mostra que a lábia dos políticos continua enganando os brasileiros: basta pronunciar a palavra “democracia”. O verdadeiro objetivo dessa artimanha não é criar condições favoráveis para o desenvolvimento da nação, mas visa apenas os cofres públicos para o enriquecimento pessoal.

E para homenagear Sarney, o ex-condenado/descondenado Lula da Silva, que governa o país pela terceira vez, usou as redes e em seu perfil no X, Lula escreveu:

- “O presidente José Sarney governou sob a constante ameaça dos saudosos da ditadura, mas com extraordinária habilidade e compromisso político criou as condições para que escrevêssemos a Constituição Cidadã de 1988, e mudássemos a história do Brasil”.

É claro que o maior mentiroso do mundo não escreveu que ele e seu partido PT votaram contra a Constituição em 1988.  Pois votaram contra.  Mais tarde resolveram assinar a Constituição.

- “Mentem partidariamente,/ mentem incrivelmente,/ mentem tropicalmente,/ mentem hereditariamente,/ mentem, mentem e de tanto mentir tão bravamente/ constroem um país de mentiras diariamente”.

Os versos que você leu entre os parágrafos e ao final do texto foram publicados em sete de julho de 1981, pelo poeta Affonso Romano de Santanna, mais irritado do que eu, com tantas mentiras e barbaridades acontecidas na Terra dos Papagaios. O poema saiu em página inteira, no Caderno B do Jornal do Brasil, e se chama “A Implosão da Mentira”.

Bom final de semana a todos.

Foto de Carlos Sampaio

Carlos Sampaio

Professor. Pós-graduação em “Língua Portuguesa com Ênfase em Produção Textual”. Universidade Federal do Amazonas (UFAM)

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