Julgamento de Bolsonaro: Justiça ou Tribunal de Exceção?
14/03/2025 às 12:14 Ler na área do assinante

O julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF) é um dos temas mais controversos da política brasileira. O que deveria ser um processo pautado pelo rigor do devido processo legal desperta questionamentos sobre celeridade atípica, mudanças interpretativas no foro privilegiado e a própria imparcialidade do tribunal. Em meio a um cenário polarizado, juristas acusam o STF de conduzir um julgamento de exceção, enquanto seus defensores sustentam que a Corte apenas cumpre seu papel “constitucional”.
Nos últimos dias, o STF alterou sua rotina, acelerando a análise da denúncia contra Bolsonaro em um tempo recorde. Casos dessa complexidade costumam tramitar por meses ou até anos, mas, neste episódio, a Corte adotou uma postura incomum, resolvendo questões processuais em poucos dias. Essa velocidade contrasta com a lentidão observada em processos semelhantes, de que o objetivo seria alcançar um desfecho pré-determinado.
A comparação com a Lava Jato evidencia essa contradição. Quando a operação estava no auge, o STF reforçou uma postura punitivista, permitindo prisões preventivas longas e negando recursos de réus que tentavam adiar seus julgamentos. No entanto, quando figuras políticas ligadas a outros espectros passaram a ser atingidas, o tribunal mudou seu entendimento sobre prisões após condenação em segunda instância, anulou sentenças e até declarou a suspeição de Sergio Moro, anulando condenações do ex-presidente Lula.
Essa reviravolta jurídica gera um questionamento inevitável: o STF age conforme princípios jurídicos fixos ou molda suas decisões de acordo com o réu envolvido? Se na Lava Jato a Corte acelerou condenações e ignorou questionamentos sobre a legalidade dos processos, por que agora aplica um rigor seletivo contra Bolsonaro?
Outro ponto controverso é a recente decisão do STF de ampliar sua própria competência para julgar ex-autoridades mesmo após o término de seus mandatos. Tradicionalmente, uma vez que o investigado deixa o cargo, o processo deve ser encaminhado às instâncias inferiores. No entanto, o tribunal modificou esse entendimento, alegando que, caso os crimes tenham ligação com o exercício da função pública, a Corte pode continuar julgando o réu.
Essa mudança de critério levanta suspeitas de que a decisão foi ajustada sob medida para manter Bolsonaro sob a alçada do STF. Se a interpretação anterior fosse mantida, o ex-presidente poderia ter seu julgamento remetido a tribunais de primeira instância, onde o rito processual poderia ser mais demorado e, possivelmente, imparcial. Essa reinterpretação gera um precedente perigoso, permitindo que regras sejam moldadas conforme a conveniência política do momento.
O impacto da mídia tradicional e das redes sociais sobre o julgamento de Bolsonaro é inegável. A cobertura jornalística do caso tem sido intensamente marcada por análises que frequentemente já consideram o ex-presidente culpado antes mesmo do fim do processo. Enquanto a grande mídia retrata o julgamento como uma resposta necessária às ameaças à “democracia”, setores independentes da imprensa denunciam um cerco midiático que reforça uma condenação antecipada.
Esse fenômeno também foi visível na Lava Jato. Naquele momento, a mídia teve papel decisivo na pressão sobre o Judiciário, favorecendo decisões que atropelaram garantias processuais de réus. Hoje, a cobertura seletiva reforça a percepção de que o STF age conforme a narrativa midiática, julgando com base no clamor popular e não apenas no direito.
O STF, sendo uma instituição que deveria operar com isenção e independência, não pode se tornar refém da pressão midiática. No entanto, a forma como ministros da Corte frequentemente se manifestam publicamente, concedem entrevistas e interagem com jornalistas levanta a suspeita de que há uma simbiose perigosa entre a narrativa da imprensa e o ativismo judicial. Isso gera uma questão fundamental: o julgamento de Bolsonaro está sendo conduzido dentro dos parâmetros da justiça ou está sendo moldado pela opinião pública?
Os ministros do STF justificam suas decisões como parte de um esforço para proteger a democracia contra retrocessos autoritários. No entanto, essa postura pode estar produzindo o efeito contrário. Ao atropelar ritos processuais, reinterpretar leis conforme a conjuntura política e ignorar garantias básicas de imparcialidade, o STF pode estar minando os próprios princípios democráticos que afirma defender.
Se Bolsonaro deve ser julgado por supostos crimes, que o seja dentro de um sistema justo, transparente e previsível. Alterar regras para alcançar um objetivo específico cria um precedente perigoso, pois legitima a ideia de que o Judiciário pode ser usado como instrumento de perseguição política. Esse tipo de jurisprudência casuística pode ser usado contra qualquer outro político no futuro, inclusive contra aqueles que hoje aplaudem a postura do STF.
Na Lava Jato, o STF endossou abusos em nome do combate à corrupção, para anos depois desfazer suas próprias decisões e declarar excessos. Agora, o tribunal parece repetir a história, aplicando um rigor processual extremo a Bolsonaro que poderá, no futuro, ser relativizado quando a conjuntura política mudar.
Além disso, ao transformar o Judiciário em protagonista absoluto da política nacional, o STF pode estar contribuindo para um enfraquecimento das próprias instituições democráticas. O espaço do embate político deveria ser o Congresso Nacional e as eleições, e não um tribunal que decide, de forma monocrática, o destino de lideranças eleitas por milhões de brasileiros.
O que está em jogo não é apenas o destino de Jair Bolsonaro, mas a credibilidade do sistema judicial brasileiro. Se o STF realmente deseja se firmar como um tribunal imparcial, precisa garantir que sua atuação não transpareça seletividade nem atenda a interesses políticos momentâneos. Caso contrário, estará pavimentando um caminho perigoso, no qual a justiça se torna um instrumento de poder, e não um pilar da democracia.
A história recente mostra que o STF já recuou de decisões que antes defendia com unhas e dentes. A dúvida que fica é: o tribunal está, mais uma vez, criando uma crise jurídica que mais tarde terá que desfazer? Se o passado da Lava Jato servir de lição, a resposta parece óbvia.
Carlos Arouck
Policial federal. É formado em Direito e Administração de Empresas.