Os novos conselhos do oráculo de Brasília ou o enredo da maldade absoluta

09/03/2025 às 19:43 Ler na área do assinante

“O objetivo de uma armadilha de peixes é pegar peixes; quando eles caem na armadilha, ela é esquecida. O objetivo de uma armadilha para coelhos é pegar coelhos; quando estes são agarrados, esquece-se a armadilha. O objetivo das palavras é transmitir as ideias. Quando estas são apreendidas, as palavras são esquecidas. Onde poderei encontrar alguém que se esqueceu das palavras? É com ele que gostaria de conversar”. (Chuang Tzu).

Na Antiguidade os oráculos de Delfos, de Zeus e o de Àmon desempenharam papéis importantes na vida dos povos que os consultavam. Eles previam o futuro, revelavam coisas ocultas ou afirmavam que as coisas seriam de tal forma porque assim era a vontade dos Deuses.

Essas divindades consultadas ou o sacerdote encarregado da consulta à divindade também funcionavam como mensageiros das respostas. Eles traziam uma revelação divina, uma verdade incontestável, infalível. Seus ditos, suas decisões, suas opiniões eram consideradas sensatas, irrefutáveis e revelavam sempre grande autoridade.

Os oráculos se modernizaram e resistiram até os dias de hoje: baralhos dos tempos medievais, símbolos, atualizadas cartas adivinhatorias, tarôs, guias de autoconhecimento, magos que curam os labirintos da alma, bruxos que defendem o cliente com a utilização de hipotéticas forças ocultas e Kakay.

Sim, amigos, Kakay. Ele é o Oráculo de Brasília.

Kakay nasceu Antônio Carlos de Almeida Castro, em Patos de Minas, no dia 22 de setembro de 1957. É um advogado criminalista e tornou-se milionário prestando serviços advocatícios a políticos, empresários e celebridades. Tudo o que se sabe de Kakay é contado por ele e relatado por jornalistas amigos. Cheio de manhas e gabolices, em novembro de 2011 a Revista Piauí fez uma reportagem sobre ele intitulada “O Protetor dos Poderosos”, onde ele relata alguns fatos marcantes de sua vida e afirma que “nunca foi o primeiro nem o mais popular da classe, mas a lábia e a capacidade de entreter o colocavam no centro das atenções”. Eis a primeira atuação de Kakay:

- “No 2º grau, abriu a porta de uma sala da escola por engano. Deparou-se com o diretor, um padre marista, fazendo sexo com uma aluna. Cruzaram os olhares e, no dia seguinte, foi chamado. Falaram amenidades sem tocar no assunto e, a certa altura, o padre lhe perguntou se ele tinha alguma ideia para melhorar a escola. O jovem mencionou aulas de basquete e aproveitou para sugerir que gostaria de fazê-las no horário das de química”.

Analisemos o fato: um padre marista fazendo sexo com uma aluna dentro de uma sala da escola. Kakay, o inocente, aparece. No outro dia o padre chama Kakay para conversar e pergunta se ele tem alguma ideia para melhorar a escola (o padre devia ser o Diretor ou o dono) e Kakay, agora por cima da carne-seca, deu uma de “orientador educacional”, menciona basquete, não gosta de química nem da tabela periódica e que jogar durante o horário das aulas. Tudo aceito. Notem que Kakay não estava interessado em denunciar o padre, mas em influenciá-lo, conseguindo que se comportasse de um modo tal que o beneficiasse. Manipulação, parece que essa foi a primeira sacada que Kakay teve para se dar bem na vida e se tornar milionário.

- “Manipulara a mazela secreta de um poderoso, mas nunca mais teve que lidar com a tabela periódica”.

Kakay tornou-se advogado criminalista. O cliente que contrata Kakay, segundo a revista Piauí, “compra um pacote raro no mercado jurídico. Ele faz a defesa técnica e atua também como assessor de imprensa, perito em imagem e especialista em regimento do Congresso, além de ser frequentador de Comissões Parlamentares de Inquérito, íntimo de ministros e chefes de partido, interlocutor de jornalistas respeitados, amigo de empresários biliardários expert e nos códigos do poder brasiliense”. 

Conta ter defendido dois presidentes da República (José Sarney e Itamar Franco), um vice (Marco Maciel), cinco presidentes de partido (simultaneamente), quarenta governadores (em períodos diversos), dezenas de parlamentares (pelo menos quinze senadores) e mais de 20 ministros (13, no governo de Fernando Henrique Cardoso; três, no de Luiz Inácio Lula da Silva; dois, no de Dilma Rousseff). Também já defendeu grandes empreiteiras (Andrade Gutierrez, Odebrecht (atual Novonor), OAS), bancos (Sofisa, BMG, BMC, Pine), banqueiros (Daniel Dantas, Salvatore Cacciola, Joseph Safra) e empresários de renome internacional ou provincianos.

- "Todos num momento ou outro enrolados com a Justiça".

Kakay também faz parte do grupo Prerrogativas que ajudou a derrotar a Lava Jato e defendeu e ajudou soltar políticos e empresários, os maiores corruptos que já apareceram no Brasil.

Também possui clientes famosos. É “um bon vivant e advogado de celebridades, grandes empresários e poderosos políticos”.

Dentre os clientes notórios, constam nomes como Edison Lobão (PMDB-MA), Roseana Sarney (PMDB-MA), Aécio Neves (PSDB-MG), Romero Jucá (PMDB-RR), Ciro Nogueira (PP-PI), o publicitário Duda Mendonça, a atriz Carolina Dieckmann, o cantor Roberto Carlos, e, como ele mesmo afirma, "outros que prefiro não falar".

Foi advogado ainda de Antônio Carlos Magalhães, José Dirceu, de quem é amigo pessoal, e Paulo Maluf. Kakay defendeu também a empresa Telexfree, acusada de praticar crime de pirâmide financeira.

Só para mostrar todo seu poder, Kakay, aquele que flagrou o padre marista transando com uma aluna dentro de uma sala do colégio e depois o manipulou, em inicio de 2019 publicou uma foto nos corredores do Supremo Tribunal Federal (STF) usando bermuda e camisa de mangas curtas e virou notícia em todo país.

Desrespeitou, na cara grande, um código de vestimenta do Todo-Poderoso STF que exige para os visitantes roupa social.

O caso tornou-se um escândalo e diante da repercussão do episódio Kakay, candidamente, se desculpou publicando uma nota:

- “... O uso da imagem como se de alguma maneira eu estivesse desdenhando do Poder Judiciário, especialmente do Supremo Tribunal Federal, me faz vir a público esclarecer e pedir desculpas aos membros do Poder Judiciário e a quem, de alguma forma, considerou o fato desrespeitoso. A advocacia é minha vida e nutro pelo Judiciário, não só pelo Supremo Tribunal, mas pelo Superior Tribunal de Justiça, demais tribunais e pelos juízes em geral profundo respeito. A melhor maneira de deixar isso claro, embora nunca tenha tido nenhuma intenção de desrespeitar, é deixar expresso o meu sincero pedido de desculpas”.

Em 13 de janeiro de 2016, em entrevista a BBC Brasil, o criminalista Kakay (Antônio Carlos de Almeida Castro), advogado de 11 políticos e empresários investigados pela operação Lava Jato, afirmou:

- “O Brasil vive "sem a menor dúvida" um momento de "criminalização da riqueza", em que a Justiça tenta a "qualquer custo jogar a sociedade contra quem tem algum tipo de poder”.

A riqueza dos clientes de Kakay, segundo a justiça, não era oriunda de trabalhos honestos, mas de roubalheira. Mas para Kakay qualquer riqueza é riqueza.

- “Para que quebrar estas empresas? Estes empresários são pessoas que sustentaram o Brasil, fizeram a riqueza do país e têm relações com políticos de todos os partidos importantes, sem exceção. Tornar essa relação crime é o atraso do atraso".

A BBC finaliza a entrevista afirmando que Kakay é o “Anfitrião de festas disputadas em sua mansão de Brasília e se diz "vacinado" contra os críticos:

-“Estou em Paris, trabalhando e tomando meu champanhe. É a minha vida. Cada um leva a sua como pode. E como quer. Eu levo a minha com toda a seriedade possível”.

Depois de todo esse sucesso, Kakay tornou-se um mito, um oráculo milionário que todos os poderosos consultam e pedem conselhos. Essa nova posição de Kakay perante os ricos e influentes da Terra dos Papagaios exigiu dele uma nova postura. Agora escreve cartas, onde avisa e faz profecias para os destinos da nação.

Em 17/02/2025, a CNN publicou uma dessas cartas que “circulou, entre aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), assinada por Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, advogado aliado do Partido dos Trabalhadores”.

Ele inicia a carta assim:

- “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro”. (Clarice Lispector).

Lá pelo meio da carta afirma sem qualquer prova:

-“Neste atual governo, Lula fez o que de melhor podia ao enfrentar Bolsonaro e ganhar do fascismo, impedindo que tivéssemos mais 4 anos de Bolsonaro. Seria o fim da democracia. Seriam destruídas, de maneira irrecuperável, tudo que foi construído nos governos democráticos, não só do PT”.

E continua em seu delírio de petista que enriqueceu e quer continuar no poder:

-“O fascismo acaba com tudo. Este o maior legado do Lula. Para tanto, foi necessário, senão não teríamos ganhado, fazer uma aliança ampla demais. Só o Lula conseguiria unir e fazer este amplo arco para derrotar Bolsonaro”.

Mostra o quanto é poderoso:

- “Aqui em casa, no dia da diplomação, 12 de dezembro, determinado político se aproximou em um momento em que Lula e eu conversávamos, colocou amistosamente a mão no meu ombro e fez uma brincadeira. Ao sair da roda, o Lula me falou baixinho, rindo: “este jamais será meu ministro, e acha que vai ser”. Dia 1º de janeiro, ele assumiu como ministro. Este o brilhantismo do Lula neste momento difícil. Não fosse sua maturidade, não teríamos tido chance de vencer o fascismo. Por isto cometo aqui certa indelicadeza de comentar este fato: para ressaltar a maturidade do presidente Lula”.

Notem a comemoração em sua casa, com todos os “importantes” lhe tomando a benção, fazendo confidencias e ele dando pitacos.

Então se queixa:

- “Mas o Lula do 3° mandato, por circunstâncias diversas, políticas e principalmente pessoais, é outro. Não faz política. Está isolado. Capturado. Não tem, ao seu lado, pessoas com capacidade de falar o que ele teria que ouvir. Não recebe mais os velhos amigos políticos e perdeu o que tinha de melhor: sua inigualável capacidade de seduzir, de ouvir, de olhar a cena política”.

Lamenta-se e se coloca dentro do governo que ajudou a conquistar e diz que corre o risco de perder:

- “Outro dia, alguns políticos me confidenciaram que não conseguem falar com o presidente. É outro Lula que está governando. Com a extrema direita crescendo no mundo e, evidentemente aqui no Brasil, o quadro é muito preocupante. Sem termos o Lula que conhecíamos como presidente e sem ele ter um grupo que ele tinha ao seu redor, corremos o risco do que parecia impossível: perdermos as eleições em 2026”.

Analisa a derrota de Bolsonaro:

- “Bolsonaro só perdeu porque era um inepto. Tivesse ouvido o Ciro Nogueira e vacinado, ou ficado calado sem ofender as pessoas, teria ganho com a quantidade de dinheiro que gastou. Perder uma reeleição é muito difícil, mas o Lula está se esforçando muito para perder. E não duvidem dele, ele vai conseguir”.

Seu candidato e Haddad:

- “... E nós temos o Haddad, o mais fenomenal político desta geração em termos de preparo. Um gênio. Preparado e pronto para assumir seu papel”.

E expressa medo de perder ou quer aterrorizar seus clientes, como grande Oráculo que é:

- “Já fico olhando o quadro e torcendo para o crescimento de uma direita civilizada. Com a condenação do Bolsonaro e a prisão, que pode se dar até setembro, nos resta torcer para uma direita centrista, que afaste o fascismo”.

E finaliza fingindo medo e respeito à dignidade humana:

- “Que Deus se apiede de nós! É necessário lembrar o mestre Torquato Neto no Poema do Aviso Final: “É preciso que haja algum respeito, ao menos um esboço ou a dignidade humana se afirmará a machadada”.

Nesta sexta-feira, 7 de março de 2025, o Oráculo Kakay atacou novamente e publicou mais uma carta recheada de lamúrias e vaticínios, divulgada pelo site Poder360, onde ataca os puxa-sacos, os conservadores e até a esquerda. Lembrando que essas cartas de Kakay circulam sempre entre os poderosos e aliados do Presidente da República.

No inicio Kakay relata seu encontro com o ator francês Gérard Depardieu e de como o ator ficou interessado em suas historias.

Afirma que anos depois, fazendo análise com o psicanalista francês Éric Laurent, em Paris, “eu contei essa história e ele me disse: Foi aí que você se apaixonou por você”. É o tal do eu me amo ou o narcisismo em evidencia.

Pela metade da carta Kakay inicia seus vaticínios incluindo, novamente, a condenação e prisão de Bolsonaro:

- “Com a proximidade do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, do ex-presidente Bolsonaro, de sua inexorável condenação e de sua prisão, a ultradireita se prepara para ocupar o vazio deixado pelo líder extremista. E eles não usam cartas, preferem ocupar, às vezes criminosamente, as redes sociais”.

Fala algumas abobrinhas sobre os Senadores que pediram ajuda aos EUA contra os crimes cometidos pelo STF e bobagens sobre o crescimento do extremismo. E arremata:

- “No Brasil, o único que pode derrotar novamente o fascismo é, com certeza, o presidente Lula. Sua reeleição passa a ser uma questão de sobrevivência. Assim como só ele conseguiria vencer Bolsonaro, que tentava a reeleição em 2022, teremos igualmente uma guerra da democracia contra a barbárie. E o projeto passa, mais uma vez, por uma aliança ampla para derrotar a extrema-direita”.

E vai dando as dicas de como engabelar o povo:

- “A reeleição é bem mais fácil. Em 2022, parecia impossível. Mas é necessário critério, vontade, trabalho e inteligência. Muitos acham que não existe uma direita mais civilizada, mas o fato é que a união com o conservador Geraldo Alckmin, político sério, ético e confiável, foi uma força enorme no último pleito eleitoral”.

É espantoso chamar Alckmin de político sério, ético e confiável. Alckmin que afirmou: “Depois de ter quebrado o Brasil, Lula diz que quer voltar ao poder, ou seja, ele quer voltar à cena do crime”. Lula piscou e Alckmin tornou-se seu vice.  Ético e confiável.

E expõe a estratégia para não perder as eleições e se manter no poder:

- “Se o Alckmin resolver tentar o governo de São Paulo, nós podemos buscar em Minas Gerais o nosso senador Rodrigo Pacheco. Só não podemos perder as eleições. E só Lula poderá derrotar a força avassaladora fascista”.

E conclui com o enredo da maldade absoluta:

- “É preciso ter a humildade de estarmos todos juntos. Vamos discutir o Brasil. Do impetuoso ao puxa-saco. Até o bajulador tem um papel neste momento de crescimento da violência política. Em regra, o político, que normalmente tem um ego maior do que o meu, não precisa muito do adulador, mas, nesta hora de preocupante crescimento das forças intolerantes, faz-se necessária a união em torno do Lula”.

E cinicamente finaliza relembrando a frase do “velho Churchill”:

- “Nunca tantos deveram a tão poucos”.

Notem como ele difama, macula e enxovalha a frase de Churchill para defender, não “um mundo livre das barbáries de Hitler”, como tenta deixar transparecer no texto, mas a manutenção do hedonismo dos seus amigos que estão no poder, sempre regado a vinho, viagens, o luxo, a boa-vida, os jantares no restaurante Piantella...

Ele defende nesse conchavo para permanecer no poder, sutilmente, através da carta, não o Brasil ou os brasileiros, mas sua luxuosa mansão mobiliada com dezenas de quadros, esculturas, objetos de arte, livros e móveis. Nela há preciosidades de Sonia Ebling, Manabu Mabe, Vik Muniz, Victor Brecheret e dezenas de obras de outros artistas plásticos, nacionais e estrangeiros, compradas em viagens ou leilões. Em quase todos os vidros e espelhos, veem-se decalques com estrofes de poemas ou frases de escritores famosos. “Ficam no subsolo uma adega de dois andares, com 4 mil garrafas de vinho, e uma salinha com um computador para controlar a entrada e a saída dos rótulos”.

E pensar que tudo isso começou quando Kakay abriu a porta de uma sala da escola por engano e se deparou com um padre marista, fazendo sexo com uma aluna.

Carlos Sampaio

Professor. Pós-graduação em “Língua Portuguesa com Ênfase em Produção Textual”. Universidade Federal do Amazonas (UFAM)

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