
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Antes de mudar completamente de entendimento, o ministro Gilmar Mendes, do STF, achava que a Lava Jato estava fazendo um bom trabalho para limpar o Brasil da corrupção. Sua resposta escrita enviada a uma jornalista foi a seguinte:
“O ministro Gilmar considera a Lava Jato um ‘divisor de águas no país’, assim como o julgamento do mensalão. No evento do grupo Lide, de 19 de junho de 2017, o ministro Gilmar elogiou a operação Lava Jato como uma ‘importante conquista’ no combate à corrupção. Não há qualquer contrassenso em reconhecer e criticar, pontualmente, eventuais abusos e ilegalidades desta ou de qualquer outra investigação. Basta lembrar-se das manifestações críticas e decisões do ministro nas operações Navalha, Satiagraha, Anaconda e na Súmula das Algemas. O ministro Gilmar, por seu histórico jurídico, é legalista, defensor da Constituição e do respeito às leis e não coaduna com irregularidades, mesmo como subterfúgio numa luta tão importante para o país, que é o combate à corrupção”.
Posteriormente, o ministro condenou as delações premiadas da Lava Jato, declarando-se indignado e defendendo o conceito de que isso é tortura. Em 2023, durante sessão no tribunal, voltou a se referir como tortura os acordos de delação de presos ao criticar métodos na Lava Jato.
Já em relação à delação do coronel Mário Cid, o ministro, num café com jornalistas, declarou que a delação está “lastreada em fatos” e que o inquérito da Polícia Federal é “exemplar”. Além disso, afirmou que não acredita que o acordo seja anulado.
Antes disso Mendes atacava o PT dizendo que a Lava-Jato revelara um modelo de governança corrupta, e que o PT instalou no país uma "cleptocracia", que significa estado governado por ladrões. A declaração foi dada depois que ele foi questionado sobre a ameaça do PT de processá-lo por causa das críticas feitas ao partido durante o julgamento da doação de empresas para as campanhas. Quanto a delação de Mauro Cid, o ministro acha, apesar das evidências, que não houve tortura. Cid mudou sua versão dos fatos em várias ocasiões, e confidenciou a pessoas próximas a ele que era ameaçado e constrangido para moldar seu depoimento à narrativa das autoridades investigadoras.
Vídeo do acordo de colaboração mostra o momento em que o ministro Alexandre de Moraes ameaça Cid de prisão caso ele mantivesse omissões quanto às informações prestadas em depoimento. Segundo Moraes, "Essa audiência foi convocada como mais uma tentativa de permitir ao colaborador que preste as informações verdadeiras. [...] Aqui, é importante, e exatamente por isso, a fim de possibilitar uma maior reflexão do colaborador com seus advogados para que esclareça omissões e contradições, sob pena, não só da decretação de prisão, como também da cessação e consequente rescisão da colaboração".
E o pior é que a Procuradoria-Geral da República (PGR) defendeu o arquivamento da proposta de delação de Cid três dias antes de o acordo ser validado por Moraes, em 9 de setembro de 2023, com Cid ainda na prisão. Depois disso, ele foi posto em liberdade provisória. O pedido de arquivamento da delação feito pela PGR ocorreu em 6 de setembro do mesmo ano. O parecer, proferido durante a gestão de Augusto Aras, foi assinado pelo subprocurador-geral Humberto Jacques de Medeiros. A manifestação começava com uma crítica à pressa em se firmar o acordo de delação com o militar: “Inexiste, portanto, contemporaneidade ou especial urgência de um provimento jurisdicional premente sobre o que apresentado pela Polícia Federal e do que foi inteirada a Procuradoria-Geral da República há menos de 48 horas”, pois, segundo o ditado popular, “todo bom negócio resiste a uma boa pensada, e é aplicável aqui”.
Talvez prevendo que seria cobrado por ter dito que delação premiada é tortura, Mendes, antecipando seu entendimento, afirmou:
“É claro que a delação do Mauro Cid é extremamente importante. Mas nós estamos vendo que ela está lastreada em fatos. Vocês têm divulgado um diálogo que o ministro Alexandre de Moraes mantém com ele, mostrando as contradições. Mas as contradições que ele mostra (são) diante de fatos já investigados, dizendo: ‘Isso não corresponde à verdade'”, declarou Gilmar. O decano não crê que mudaria alguma coisa alterar para o plenário o julgamento de Bolsonaro, previsto para ocorrer na 1ª turma, formada por Moraes, Cristiano Zanin, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Flávio Dino, quatro deles indicado por Lula.
Luiz Holanda
Advogado e professor universitário