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Bolsonaro na "mira" da PGR... Eis o que poucos percebem em toda a narrativa
19/02/2025 às 08:32 Ler na área do assinante
A denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) na noite de 18 de fevereiro de 2025 contra Jair Bolsonaro, ex-presidente do Brasil, marca um momento significativo na política nacional. Assinada pelo procurador-geral Paulo Gonet, a peça acusa Bolsonaro de liderar uma organização criminosa que teria tentado executar um golpe de Estado após sua derrota nas eleições de 2022. Os crimes imputados incluem a abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Segundo a PGR, Bolsonaro, ao lado de figuras como o general Walter Braga Netto, teria planejado impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, culminando nos eventos de 8 de janeiro de 2023. No entanto, uma análise crítica da denúncia revela fragilidades e possíveis ilegalidades que merecem escrutínio.
O primeiro ponto de atenção é a construção da denúncia, baseada em uma narrativa extensa, mas aparentemente carente de provas materiais diretas que vinculem Bolsonaro de forma inequívoca a um plano concreto de golpe. A acusação se sustenta fortemente em depoimentos, como os dos ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica, além da delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. No entanto, esses elementos levantam questionamentos. Cid, por exemplo, teve sua delação alvo de controvérsias, com a defesa de Bolsonaro alegando que ele alterou sua versão “inúmeras vezes para construir uma narrativa fantasiosa”. Sem mensagens, gravações ou ordens expressas do ex-presidente que comprovem diretamente a intenção golpista, a denúncia parece depender de interpretações e inferências, o que pode fragilizar sua solidez jurídica.
Outro aspecto crítico é o timing e o contexto processual. A denúncia foi apresentada antes da conclusão de um relatório complementar da Polícia Federal (PF), fato destacado pela defesa de Braga Netto, que classificou a iniciativa como “surpreendente” e uma violação ao direito de defesa. Essa antecipação sugere uma possível precipitação por parte da PGR, que poderia ter aguardado a finalização das investigações para apresentar uma acusação mais robusta. Além disso, a ausência de acesso amplo aos autos por parte dos denunciados, como no caso de Braga Netto – preso há mais de 60 dias sem plena oportunidade de contraditar as provas – reforça a percepção de que o devido processo legal pode estar sendo comprometido.
A imparcialidade do sistema judicial também entra em questão. A condução do caso pelo ministro Alexandre de Moraes, que acumula os papéis de relator e figura central nas investigações, tem sido criticada como uma concentração de poder incompatível com os princípios do Estado Democrático de Direito. Bolsonaro e seus aliados alegam que Moraes age como “juiz e acusador”, uma crítica que ganha força ao se considerar que o ministro já foi um dos alvos do suposto plano golpista, o que poderia configurar um conflito de interesses. Embora a ministra Cármen Lúcia tenha rejeitado, em 30 de janeiro de 2025, um mandado de segurança da defesa por falta de provas de ilegalidade, a percepção de parcialidade persiste, alimentando o debate sobre a politização do Judiciário.
A gravidade dos crimes imputados também merece reflexão. Somadas, as penas máximas ultrapassam 40 anos, um montante que, para alguns, parece desproporcional diante da ausência de um golpe consumado e da falta de adesão das Forças Armadas ao suposto plano. A PGR alega que Bolsonaro “sabia e concordou” com o plano “Punhal Verde e Amarelo”, que incluía assassinatos de figuras como Lula, Alckmin e Moraes. Contudo, sem evidências diretas que demonstrem sua anuência explícita, a acusação pode estar extrapolando os limites do que o arcabouço probatório permite sustentar. Isso abre espaço para a tese de que o caso poderia estar sendo instrumentalizado para enfraquecer politicamente o ex-presidente, especialmente em um momento em que ele busca se manter como líder da extrema-direita.
Por fim, a denúncia ocorre em um contexto de polarização extrema, o que intensifica as suspeitas de motivações políticas. Enquanto aliados de Bolsonaro denunciam “perseguição judicial”, opositores celebram o avanço da “lei contra golpistas”. Essa dicotomia sugere menos uma busca por justiça e mais um embate ideológico travado nos tribunais. Se o Supremo Tribunal Federal (STF) aceitar a denúncia, o processo penal que se seguirá será um teste não apenas para a culpabilidade de Bolsonaro, mas para a credibilidade das instituições democráticas brasileiras. Até lá, a falta de transparência, as possíveis falhas processuais e a dependência de provas circunstanciais indicam que a denúncia, tal como apresentada, está longe de ser um cheque-mate jurídico – e mais próxima de um movimento arriscado em um tabuleiro político já bastante instável.
Carlos Arouck
Policial federal. É formado em Direito e Administração de Empresas.