A conceituação clássica de sistema afirma que ele é um conjunto de partes interagentes e interdependentes que, conjuntamente, formam um todo harmonioso com determinado objetivo, efetuando determinada função. Subdividem-se em sistemas abertos e em sistemas fechados, dependendo da operacionalização dos mesmos.
Os políticos brasileiros, nesse contexto, criaram uma entidade abstrata acima do bem e do mal que governa apesar dos governantes, a que chamam simplesmente de “sistema”. Essa figura surrealista é utilizada sempre que é preciso justificar o injustificável porque ela está acima dos sistemas político, financeiro, educacional, trabalho e cultural. É um conjunto de ideias e propostas solidárias entre si, tendo o mercado financeiro como centro operacional.
Jânio Quadros o batizou de “forças ocultas” para justificar sua renúncia; Getúlio Vargas deu um tiro no próprio coração para fugir dele; Juscelino Kubistchek, em seu nome, fez um acordo com a indústria automobilística dando início à extinção das ferrovias e da navegação de cabotagem; também em seu nome defenestraram Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff, e inocentaram Michel Temer.
Roberto Campos, Mario Henrique Simonsen e Delfim Netto representaram-no quando dos governos militares, fazendo desastrosos ajustamentos econômicos e sociais. Fernando Collor de Mello, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso implantaram o neoliberalismo (embutido no Consenso de Washington), que exigia a abertura da economia para que a globalização se consolidasse. Lula levou o banqueiro Henrique Meirelles para a presidência do Banco Central para não contraria-lo.
Ao autorizar a defenestração de Dilma, o “sistema” reivindicou a área econômica e o retorno de Meirelles como seu representante maior.
Agora, frente à incontrolável crise institucional e econômica que devasta Pindorama (o paraíso invadido pelos portugueses), Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados e eventual sucessor de Michel Temer, declarou que a equipe econômica é “imexível” (palavra inventada por Magri, um dos mais brilhantes ministros de Fernando Collor). Ao sinalizar que as coisas podem até mudar, se tudo ficar como está, o “sistema” aponta soluções criativas informais a serem adotadas pelas oligarquias que comandam o País.
Os políticos, obedientes ao “sistema”, se movimentam nos bastidores fazendo diatribes. Tudo é permitido, sob os olhares complacentes da abstrata figura que tudo vê. Os mais experientes, com discrição e segurança de quem sabe quais botões clicar, seguem os seguros caminhos que levam ao cumprimento das reformas determinadas, enquanto outros, tropeçando nas armadilhas interpostas para os incautos que sonham com a “chave do cofre”, nada mais são do que “massas de manobra”. É um jogo que não admite amadores porque é preciso, antes de qualquer coisa, tornar-se confiável ao “sistema” (que a todos conhece). Caso contrário serão apenas peças descartáveis depois de serem usados por instantes.
Até o poderoso Henrique Meirelles (PSD), ex-presidente internacional do BankBoston, ex-deputado federal pelo PSDB, ex-presidente do Banco Central, ex-presidente do Conselho de Administração da J&F Investimentos, ex-membro do Conselho de Administração da Azul Linhas Aéreas Brasileiras, atual ministro da Fazenda, deixou a zona de conforto e procurou apoio explícito. Ele conquistou a aura de ungido em maio de 2016, mas foi atingido em cheio, em maio de 2017, pelo tsunami da delação dos irmãos Batista, controladores da JBS.
As coisas estão ficando difíceis para Meirelles devido ao “custo JBS” e porque Temer, na desesperada batalha para permanecer no cargo de presidente, desestruturou o arcabouço montado por ele para a restauração da economia. Por outro lado, a Justiça Federal acolheu denúncia do MPF contra ex-diretores do BankBoston. Mas ele sabe onde as “corujas se escondem” e reuniu-se por duas vezes com todos os pastores da Assembleia de Deus, chefiada por Malafaia, Não houve vazamento dos temas discutidos, mas essa organização, “em nome de Jesus”, controla quase 100 dos 513 deputados federais. O missionário R.R. Soares e bispo Edir Macedo também receberam amorosos afagos.
Meirelles, pacientemente, não descarta sua transferência para o PMDB, ou seu retorno para o PSBD, se isso for bom para o “sistema” que controla os mercados.
Outra figura ontológica e acima de qualquer suspeita é o “Sistema S”, nome que se dá a um conjunto de nove instituições de categorias profissionais criado nos idos tempos do primeiro governo de Getúlio Vargas, meados da década de 1940, sob pressão dos grupos empresariais que reivindicavam incentivos isentos de controle rígido. São organizações paraestatais, privadas. Na mesma época foram criadas a contribuição sindical e a CLT. Posteriormente foram incorporadas ao sistema mais cinco organizações.
Essas instituições, recebedoras de volumosos recursos, estão assim estruturadas, incluindo as alíquotas incidentes nas folhas de pagamento das empresas pagadoras: Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil: Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (de 02 a 2,5%); Confederação Nacional do Comércio: Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (1%) e Serviço Social do Comércio (1,5%); Sistema Cooperativista Nacional: Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (2,5%); Confederação Nacional da Indústria: Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (1%) e Serviço Social da Indústria (1,5%); Confederação Nacional do Transporte: Serviço Social do Transporte (1,5%) e Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (1%); Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (de 0,3 a 0,6%).
As contribuições para o Sistema S incidem sobre a folha de salários das empresas pertencentes à categoria correspondente, sendo descontadas regularmente e repassadas às entidades de modo a financia-las no que diz respeito à educação e saúde de seus associados, praticamente sem controle estatal. O fundo do Sistema S é arrecadado compulsoriamente e a variação das alíquotas é definida pelo Fundo de Previdência e Assistência Social.
É muito dinheiro entregue a uma fantástica e intocável “caixa preta”. Ao longo dos tempos e com recursos crescentes (quanto maior a crise, melhor), o “Sistema S” se esparramou e se enraizou por todo o território nacional. As pontas do iceberg patrimonial podem ser vistos em luxuosos edifícios e nas mordomias de seus dirigentes. Formou-se um poder paralelo mais forte que os poderes constitucionais onde, nem mesmo os governos militares tiveram coragem de mexer, até porque eram aliados,
Em 2008 o INSPER (antigo IBMEC São Paulo) sugeriu ao Ministério da Educação mudanças na distribuição dos recursos do Sistema S. A reação foi tão violenta que o então ministro Fernando Haddad (sem examinar a proposta) pediu desculpas aos “poderosos” pela ousadia de ter recebido tal documento. O banqueiro Joaquim Levy, quando ministro da Fazenda, em 2015, ao tentar reter 30% do valor recebido pelo Sistema S (da parte repassada pela Receita Federal) perdeu o cargo.
Em 2016 o senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO) apresentou um projeto de lei propondo que 30% do repasse da Receita para o Sistema S fosse destinado ao financiamento da Seguridade Social. O projeto foi devidamente soterrado. Nesse mesmo ano o Sistema S recebeu da Receita Federal R$ 16 bilhões, mais R$ 4,2 bilhões de arrecadação direta, sem passar pelo fisco. Segundo Fabio Victor, jornalista da Folha de S. Paulo, a fiscalização das finanças dos filiados ao sistema cabe ao TCU e à Controladoria-Geral da União, mas esses órgãos não o fazem alegando dificuldades operacionais.
Por outro lado, os representantes das poderosas entidades defendem a permanência e a ampliação do sistema e, principalmente, a competência do SESI e do SENAI de arrecadar os tributos diretamente, sem a participação da Receita Federal. Alegam que nunca houve denúncias de desvios de recursos. E que a transparência existente é mais do que suficiente uma vez que o povo nunca reclamou.
Não há qualquer possibilidade política de se modificar esses sistemas sugadores das seivas financeiras que alimentam o país.
LANDES PEREIRA. Economista com doutorado; é professor de Economia Política.
Landes Pereira
Economista e Professor Universitário. Ex-Secretário de Planejamento da Prefeitura de Campo Grande. Ex-Diretor Financeiro e Comercial da SANESUL. Ex-Diretor Geral do DERSUL (Departamento Estadual de Estradas de Rodagem). Ex-Diretor Presidente da MSGÁS. Ex-Diretor Administrativo-Financeiro e de Relações com os Investidores da SANASA.