Perdeu, Mané! Ou o Cinismo como Virtude

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“Os tolos dizem que aprendem com os seus próprios erros; eu prefiro aprender com os erros dos outros”. (Otto Von Bismarck, estadista e diplomata alemão do século XIX).

A frase de Bismarck mostra que o conhecimento do politico verdadeiro é baseado na observação. Implícita nessa observação está a memória, que permite lembrar os erros e os acertos de outros líderes políticos, a experiência, que possibilita novos conhecimentos e a admissão de um método que proporciona a quem o pratica a aquisição de um saber universal que busca o progresso e o desenvolvimento das nações.

Mas nada disso pertence ao homem da cabeça furada que dirige a Terra dos Papagaios.

Segundo Fernando Schiller, analista da revista Veja, o economista Roberto Campos, autor do livro “Lanterna na Popa”, ampliou o significado da frase de Bismarck:

- “Há uma passagem famosa de Roberto Campos, no Roda Viva, coisa de trinta anos atrás, dizendo que o Brasil não aprende. “Bismarck”, disse ele, “classificava os povos em três grupos: os inteligentes, que aprendem com a experiência alheia; os medíocres, que aprendem da própria experiência, e os idiotas, que nunca aprendem”. O Brasil se encaixaria nesse último grupo”.

Olhando pelo retrovisor vislumbramos a aprendizagem nula que praticamos desde a redemocratização do país: Sarney, Collor, FHC, Lula e o PT 8 anos e mais 6 da Mãe Dilma, a mulher que estocava vento, Michel Temer, Bolsonaro e novamente Lula. Lembrando que Sarney ainda está vivo, participa, comanda e dá conselhos aos políticos atuais.

Não, não saímos de 1985. Sarney continua sentado, lá, impávido, como um totem a nos guiar para o atraso.

Nesse meio tempo, o Japão, seguido por Coreia do Sul, Taiwan, depois por Hong-Kong, Malásia, e, por último, Indonésia e Tailândia (Sul Asiático) e Singapura (situada ao sul da Malásia), todos alcançaram elevada renda per capita, seguindo o caminho adotado pelo Japão.

O sucesso desses “Tigres Asiáticos”, antes paupérrimos, é explicado por duas visões econômicas principais: a neoclássica e a revisionista.

- A primeira foca em políticas de caráter horizontal, das quais é destacado o êxito na implementação de quatro delas, especificamente:

1) Investimento adequado em pessoal/capital humano (educação);

2) Ambiente favorável para a competição privada;

3) Abertura para o comércio internacional;

4) Estabilidade macroeconômica.

- “Já os revisionistas apontam políticas ditas verticais ou intervencionistas adotadas por esses países. Eles apontam que os primeiros a se desenvolverem: Japão (primeiro), depois, Coreia do Sul e Taiwan (Norte Asiático) adotaram políticas mais intervencionistas, abrindo espaço para que o segundo grupo, Hong-Kong, Malásia, e, por último, Indonésia e Tailândia (Sul Asiático) adotasse um caminho com menos incentivos direcionados”.

- “O Banco Mundial avalia que houve uma mistura dessas políticas, em particular, a “flexibilidade pragmática” na adoção das diferentes vertentes de medidas, para justificar o exemplo de sucesso desses países”.

Nada disso foi aplicado em nosso país. Os que tomaram o poder dos militares e se apossaram da nação, afirmando ao povo que “agora estamos respirando democracia”, trataram de encher os bolsos. Escândalos e mais escândalos se sucederam em todos os governos dos civis, começando por Sarney.

Nunca houve um plano de Nação. Nunca tivemos pais fundadores. A preocupação dos que tomaram o poder dos militares foi de criar leis que beneficiassem os que estavam comandando.

Executivo, Legislativo, Judiciário, esses poderes foram os únicos beneficiados pela nova Constituição, a Constituição Cidadã de 1988, encheu de privilégios e direitos a classe dos dirigentes e deu muitos direitos ao zé-povinho, direitos “Suecos”, sem que esses direitos fossem concretizados, pois o país não possui e nem possuía uma estrutura para isso. Direitos, muitos direitos e nenhum dever.

Então gritaram que era a Constituição Cidadã!

Notem a esperteza: todos têm direitos, ninguém fala dos deveres.

Os juízes ganham milhões, devem ser tratados como reis e possuem privilégios vitalícios, é lei, está escrito. Têm direitos. O Presidente e seus ministros e mais os “aspones” outra dúzia de milhões. Têm direitos, está escrito. Os deputados e senadores devem ser agraciados com bilhões, têm direitos, está escrito. Ampliaram esses direitos dando a eles mesmos 5 bilhões para fazerem campanha de reeleição de seus mandatos. Tá tudo dentro da lei.

Para o zé-povinho o salário mínimo e o SUS, o melhor programa de saúde do mundo, segundo Lula e os petistas de plantão.

Mas quando os dirigentes adoecem vão para hospitais particulares caríssimos, assim como seus filhos não estudam nas escolas públicas, cujo ensino é um “espetáculo”.

Essas condutas de nossos dirigentes mostram que a “virtude” praticada na Terra dos Papagaios é o cinismo. Não a doutrina dos filósofos gregos Antístenes de Atenas (444-365 a.C) e Diógenes de Sinope (400-325 a.C.), “que se caracteriza pela oposição aos valores sociais e culturais em vigor, com base na convicção de que não é possível conciliar leis e convenções estabelecidas com a vida natural autêntica e virtuosa”. Não, não, o cinismo praticado é aquele dos atos imorais, impudicos, escandalosos; desavergonhados, debochados, sarcásticos... Nada virtuosos.

Olhem a reação dos Juízes quando lhes foi pedido um pouco de sacrifício pela nação. O Chefe de todos, Barroso, o intocável, afirmou que os juízes têm direitos a receber penduricalhos milionários atrelados aos salários. Valores que nenhum brasileiro, por mais que se esforce, conseguirá trabalhando honestamente. Em 18/12/2024, O jornal o “Estadão” estampou um Editorial intitulado “Os privilegiados estão nervosos”:

- “Como se fossem raivosos líderes sindicais, magistrados fazem ameaças cada vez mais acintosas ao País ante a perspectiva de corte dos penduricalhos que engordam seus contracheques”.

O Judiciário resolveu emparedar acintosamente o Executivo e o Legislativo para defender seus privilégios classistas, de resto aberrações de uma República que, 135 anos depois, ainda peleja para se afirmar como tal em sua plenitude.

Após o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, dizer com espantosa naturalidade que “o Judiciário não tem participação nem responsabilidade sobre a crise fiscal” do País, à guisa de defesa dos penduricalhos que são pagos aos juízes sem o devido corte pelo teto constitucional, as comportas do corporativismo mais desabrido se abriram. Ao que parece, a declaração do sr. Barroso encorajou outros magistrados a repetirem o mesmo insulto à inteligência alheia.

No dia 13 passado, o desembargador Carlos Muta, presidente do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF-3) – o maior do País, abrangendo os Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul –, criticou em termos absurdos o plano de corte de gastos apresentado recentemente pelo governo Lula da Silva ao Congresso. Como se sabe, um dos principais pontos do pacote é a contenção dos supersalários de uma casta de servidores públicos, formada em sua maioria por membros do Judiciário e do Ministério Público.

Segundo o desembargador Muta, o Judiciário atravessa um momento “particularmente difícil”, embora não se saiba exatamente por quê. De modo que, para ele, a eventual aprovação do pacote pelo Congresso seria, pasme o leitor, um “atentado constitucional ao sistema de Justiça”. Sendo perfeitamente capaz de saber que sua fala expressa um teratismo (aberração) jurídico, o desembargador Muta não fez outra coisa senão um discurso político – e dos mais descabidos, por seu tom ameaçador.

O que está posto à discussão no Legislativo nada mais é do que a reafirmação de um mandamento da Constituição, que proíbe expressamente que qualquer servidor público receba vencimentos superiores aos que são pagos aos ministros do STF, hoje fixados em pouco mais de R$ 44 mil. Portanto, se “atentado” à Lei Maior há, ele se consubstancia na pletora de manobras que conselhos e associações representativas dos interesses de juízes e promotores engendram para driblar o teto constitucional. Por meio do que chamam convenientemente de “verbas indenizatórias”, robustecem os holerites de Suas Excelências em milhares de reais além do que seria permitido, e sem a incidência de Imposto de Renda, como é sempre bom lembrar.

Como fizera Barroso antes dele, o presidente do TRF-3 ainda achou que era o caso de ameaçar o Congresso e o País com um suposto “colapso” do sistema judicial caso os ótimos salários das carreiras jurídicas do Estado se restrinjam, ora vejam, ao teto constitucional. Se o pacote de corte de gastos for aprovado, chantageou o desembargador Muta, nada menos do que 32 dos 54 desembargadores federais do TRF-3 poderiam antecipar suas aposentadorias. “Serão centenas de milhares, para não falar milhões, de processos que podem sofrer atraso”, disse o doutor. Mais um pouco, e o magistrado ameaçaria o País com uma greve.

Seguindo a inspiração paredista do desembargador Muta, o desembargador Nino Toldo, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), clube associativo bastante conhecido por ser um dos mais agressivos defensores dos privilégios corporativos do Judiciário, exortou juízes País afora a engrossarem um “movimento de resistência” contra o plano de ajuste – ajuste este que já é muitíssimo tímido, diga-se. Segundo Toldo, “os servidores públicos, especialmente os magistrados e, particularmente, os federais, não são os responsáveis pelas mazelas fiscais do Brasil”.

A virulência das reações no Judiciário à simples ideia de cortar privilégios evidentemente antirrepublicanos mostra que, mesmo tímido, o pacote do governo tem seus méritos. Como já ficou claro, parte do Judiciário considera que os mimos da magistratura são intocáveis, mesmo no momento em que todos, a começar pelos privilegiados, são chamados a apertar os cintos”.

Nenhuma Republica moderna concede poderes ditatoriais e vitalícios a um poder, como foi dado ao Supremo e aos juízes brasileiros.

Todos nós caímos numa armadilha. As leis que dão poderes ditatoriais aos atuais dirigentes estão escritas na Constituição. É preciso revê-la urgentemente.

É necessário lutar por uma nova Assembléia Constituinte que resgate o espirito das leis. Uma Constituição que reconheça os direitos e imponha deveres aos cidadãos, direitos e deveres que são necessários em razão do hábito nada saudável dos dirigentes políticos dos três poderes da República de legislar impondo direitos para sí e deveres para outrem.

Como é possível 200 milhões pessoas ficarem a mercê de grupelhos, seja de esquerda, seja de direita, seja de centro e nenhuma lei exista que os ampare?

Como é possível que um sujeito que estava preso, descondenado por advogados nomeados ao Supremo, todos ligados a ele, quebre uma nação e mostre o débito de 1 trilhão, gastos na criação de 38 Ministérios, viagens luxuosas ao redor do mundo acompanhado de mais 100 aduladores, festas, recepções, ajudas aos amigos e não seja punido?

Como é possível que 11 advogados que nunca receberam um voto, mas foram nomeados por Senadores para desempenhar cargos vitalícios no Supremo Tribunal Federal, com a finalidade de zelar pelo que está escrito na Constituição, faça cada um, ditatorialmente, uma interpretação pessoal conveniente quando assim lhe parecer dessa Constituição, e nenhum seja punido?

Como é possível que deputados e senadores doem a sí mesmos, através de leis, a importância de 5 bilhões, para que gastem em suas reeleições, tornando assim o processo eleitoral viciado e injusto e proporcionando aos mandatários cargos eternos no congresso e ninguém seja punido?

Como é possível que mesmo após os escândalos de corrupção desnudados pela Operação Lava Jato e a confissão de todos os envolvidos, assim como a devolução do dinheiro roubado, parte dele devolvido, o Ministro Dias Toffolli inocente a todos com argumentos esdrúxulos e o Ministro não seja punido.

Como é possível que a mesma conversa anterior que resultou nas pedaladas fiscais de Dilma e do orçamento, a mesma historia de déficit zero, a artificialidade (controle de tarifas e intervenções no câmbio e nos juros), para tentar produzir o efeito necessário (crescimento do PIB, geração de emprego, aumento de consumo), seja repetida pelo homem da cabeça furada falando em juros mais baixos e endividando ainda mais o país, culpando os especuladores pela alta do dólar e pela fuga de capitais e ninguém é punido?

Como é possível que alguém seja preso, julgado e condenado porque criticou as urnas eletrônicas que não permitem recontagem de votos, que são reprochadas e debochadas até pelo Ditador Maduro da Venezuela e usadas apenas no Brasil e em algumas ditaduras, onde o que se critica e exige são urnas mais modernas que permitam a impressão e a recontagem de votos, violando o ordenador dessa prisão a Constituição Brasileira e esse pretenso juiz violador não seja punido?

Como é possível tudo isso acontecer, senão baseado em uma Constituição que permite a interpretação pessoal de cada julgador e não as palavras que estão escritas, sem dubiedade, claramente nas linhas da Constituição?

Todas essas violações constitucionais são saudadas e elogiadas por parte da imprensa, artistas, intelectuais, apresentadores, influenciadores e cantores.

Só para mostrar o grau de servilismo e o medo da imprensa, olhem as manchetes iguais de todos os grandes jornais desta sexta-feira: “Moraes concede liberdade condicional a Daniel Silveira”. Em julho desse ano, o advogado Paulo Faria, que representa Silveira, disse à Gazeta do Povo que seu cliente havia ultrapassado o percentual de 25% exigido pela legislação para o cumprimento da pena em regime fechado.

Ora, se a lei diz que cumprida 25% da pena o apenado apresentou "bom comportamento carcerário" sem cometimento de qualquer falta disciplinar, a soltura deveria ser automática, não “concedida” como berra a imprensa. É a lei que diz. Não o juiz. O juiz apenas cumpre a lei, não concede.

Se tivéssemos uma impressa livre e verdadeira os jornais estariam pedindo a punição de Moraes, pois desde julho, como afirmou o advogado de Silveira, as condições para soltura de Silveira estavam cumpridas e Moraes soltou Silveira 6 meses depois, quando quis! Ou “concedeu a liberdade” como afirma a bajuladora imprensa brasileira.

Do alto de sua sabedoria apavorante e demonstrando todo cinismo e desprezo pelo povo alienado da Terra dos Papagaios, disse o Ministro do Supremo Tribunal Federal, o “refinado” Barroso a um manifestante que o seguia e questionava sobre a segurança das urnas eletrônicas brasileiras:

- “Perdeu, Mané, não amola”!

Bom final de semana e um feliz natal a todos.

Foto de Carlos Sampaio

Carlos Sampaio

Professor. Pós-graduação em “Língua Portuguesa com Ênfase em Produção Textual”. Universidade Federal do Amazonas (UFAM)

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