Miriam Leitão é o retrato perfeito de que cinismo e desonestidade intelectual são marcas de uma imprensa falida
19/12/2024 às 21:27 Ler na área do assinanteSem querer, Míriam Leitão acaba por ferir a si própria ao defender a criminalização das críticas ao sistema político brasileiro.
A militância de redação no Brasil tornou-se a principal ferramenta de propaganda do sistema, usada para justificar perseguições políticas e arbitrariedades que não se viam desde o regime militar.
Cinismo e desonestidade intelectual passaram a ser marcas de uma imprensa falida, que abandonou a nobre função de informar para se dedicar à propaganda partidária e manipulação do público, seja por motivações ideológicas ou por interesses mais mundanos, por assim dizer.
O caso de Míriam Leitão, porém, leva essa desfaçatez a outro patamar. Hoje, uma das principais militantes de redação do grupo Globo defendeu a criminalização da crítica política, alvo do famigerado inquérito das Fake News, em matéria no principal periódico da empresa.
A jornalista não vê qualquer problema em o Inquérito das Fake News se arrastar rumo ao seu sexto aniversário, e também não citou nenhum dos vários questionamentos de juristas sobre a sua legalidade. “Ele tem se desdobrado”, disse ela, justificando que havia uma rede organizada de mentiras para “minar a democracia e criar um clima propício ao golpe”.
O que chama atenção é que a própria Míriam já foi alvo da mesma lógica acusatória. O falecido Paulo Henrique Amorim, membro de uma rede de blogs chapa-branca do PT, financiados com verba pública, rotulava Míriam como parte do PIG (“Partido da Mídia Golpista”). Em 2014, descobriu-se que o perfil da jornalista na Wikipédia foi editado de dentro do Palácio do Planalto petista, prejudicando sua imagem.
Em 2016, o blog petista DCM incluiu Míriam numa lista de “jornalistas golpistas” por criticar Dilma Rousseff e se mostrar simpática ao impeachment. Já a cobertura da Lava Jato rendeu a ela e ao seu filho um tratamento ainda mais agressivo por parte dos “companheiros”, que chegaram a hostilizá-la num voo, chamando-a de “terrorista”. Seu filho, Vladimir Netto, escreveu um livro francamente favorável à operação, tendo Sérgio Moro presente no lançamento.
Em suma, a mesma lógica que Míriam agora emprega para criminalizar críticas ao sistema já foi usada contra ela. A diferença é que, à época, ninguém abriu um inquérito para devassar sua vida ou ameaçá-la de prisão.
Não se pode esquecer que a principal fagulha da indignação popular contra o sistema político foi acesa pelas revelações da Lava Jato, amplamente divulgadas pelo próprio grupo Globo e por jornalistas como Míriam Leitão.
Se a tese é de que a “falta de confiança nas instituições” integraria um “plano golpista”, por que limitar a análise ao período pós-2019? Poderíamos recuar alguns anos e incluir Míriam Leitão e a própria Globo nesse mesmo inquérito, já que foram determinantes ao expor as entranhas pútridas do sistema, o qual agora defendem com unhas e dentes.
Por fim, seria de se esperar que alguém que se declara vítima de perseguição durante a ditadura militar demonstrasse um apreço maior pela liberdade de expressão e pelos direitos fundamentais, sobretudo pelo devido processo legal e a garantia do direito de defesa.
Pelo visto, a simpatia pelos regimes totalitários cultivada na juventude não foi, afinal, superada.
Leandro Ruschel.
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