Ninguém é responsável pelo desastre?

16/12/2024 às 12:05 Ler na área do assinante

“Reivindicamos o funcionamento bem simples de uma democracia racional, de uma democracia, justamente, que não é dirigida por uma verdade revelada, mas pela razão. É tudo o que pedimos”. (Laurent Sourisseau - Diretor do Charlie Hebdo).

Nesse ano da graça de 2024 a Terra dos Papagaios quebrou novamente. Segundo os jornais, nossa dívida chegou a um trilhão! Sim, amigos, 1 trilhão! É isso que nos dizem os “çabios” da nação. E repetem essa cantilena dia e noite nos jornais. Mas, nenhum deles se atreve a apontar o dedo para o culpado.

Não há culpado? Ninguém quebrou o Brasil? A emissora oficial do governo afirma que é preciso votar as reformas. Os deputados e senadores querem liberação das emendas. O presidente, que não pode sair às ruas, pois logo aparece um gaiato e o chama de gatuno, estava hospitalizado e, segundo os cirurgiões, fizeram um furo em seu coco e meteram um dreno para escoar os corpos estranhos que estavam atrapalhando o funcionamento de sua cachola.

E o judiciário? Os 11 ministros, que são os verdadeiros dirigentes da Terra dos Papagaios, o que dizem sobre a dívida de 1 trilhão? Afinal esses seres que nunca receberam um voto, mas se apossaram da nação através de uma “verdade revelada”, de um conhecimento que é considerado divino e que lhes foi concedido através de uma experiência espiritual que transcende a compreensão dos miseráveis habitantes da nação que nunca tiveram uma experiência dessas. Essa “verdade revelada” lhes permite interpretar a Constituição do país de acordo com suas conveniências e não pelas linhas que ali estão escritas.

- “Quando eu uso uma palavra”, disse Humpty Dumpty num tom desdenhoso, “ela significa exatamente o que eu quero que signifique – nem mais nem menos”.
- “A questão é”, disse Alice, “se você pode fazer uma palavra significar tantas coisas diferentes”.
- “A questão é” disse Humpty Dumpty, “saber quem manda. Isso é tudo”. (Lewis Carroll - “Alice através do espelho e o que ela encontrou lá”).

A questão é essa: saber quem manda. Isso é tudo. Sobre o assunto da quebradeira do país, assim se expressou o chefe dos seres divinos, através dos principais jornais do país:

- “Barroso: Judiciário não tem responsabilidade sobre crise fiscal’ do país”. (Revista Veja).
- “Judiciário não tem responsabilidade pela crise fiscal do Brasil, diz Barroso sobre supersalários”. (Folha de São Paulo).
- “Barroso ignora crise fiscal liberando R$1,76 bilhão em ‘retroativos” (Diário do Poder).
- “O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, refutou qualquer participação do Judiciário na crise fiscal enfrentada pelo Brasil, que mantém o governo de Lula (PT) em apuros. Mas o que Barroso ignorou em declarações nesta segunda-feira (9) de que tribunais brasileiros tiveram o aval do Supremo para liberar R$ 1,76 bilhão em “retroativos” devidos a juízes e desembargadores. Foi R$1,4 bilhão somente para cinco tribunais estaduais.
Mas fez pouco caso do fato de o teto constitucional de remuneração de servidor público no Brasil, fixado em pouco mais de R$ 44 mil mensais, costuma ser descumprido com supersalários no Judiciário. Limite que subiu à estratosfera, em 2024, com repasses para magistrados de valores atrasados entre R$ 400 mil a até R$ 563 mil para alguns destes servidores da Justiça, inclusive férias não pagas. Tudo com respaldo em decisões do STF e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)”.
- “Nos últimos sete anos, o Judiciário não gastou nenhum vintém a mais do que o orçamento que tinha em 2017, corrigido [pela inflação]. De modo que o Judiciário não tem participação nem responsabilidade sobre a crise fiscal brasileira”, declarou Barroso.

Segundo a Folha:

- “O presidente do Supremo afirmou que, embora seja contra pagamentos ilegais, os juízes têm direito a receber indenizações quando acumulam função ou acervo de processo. Para ele, a função tem que ser atrativa, e a remuneração deve competir com as de outras carreiras jurídicas”.

O Diário do Poder afirma que há gastança nos tribunais:

- O líder da sangria do dinheiro público com os tais “retroativos” é o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que repassou um montante de R$ 378 milhões a juízes e desembargadores.
- O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) é o segundo colocado, ao ter desembolsado mais R$ 349 milhões, segundo levantamento do jornalista Lúcio Vaz, da Gazeta do Povo.
- No Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), estes pagamentos consumiram R$ 309 milhões.
- Enquanto o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) pagou retroativos de R$ 206 milhões.
- E, no Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), foram R$ 159 milhões.

Mas Barroso, o iluminado, afirma que “o Judiciário não tem participação nem responsabilidade sobre a crise fiscal brasileira”. E cinicamente defende os penduricalhos milionários pagos a juízes. “Para ele, a função tem que ser atrativa, e a remuneração deve competir com as de outras carreiras jurídicas”. E as outras carreiras? A de professor do Estado, por exemplo, qual é o atrativo?

- “O Supremo Tribunal Federal vive um mundo paralelo, com milhões de reais investidos em segurança armada, carros blindados, sala vip no aeroporto e jantares nababescos, com direito a bacalhau, lagosta, camarão, vinhos e espumantes com pelo menos quatro premiações internacionais, servidos em taças de cristal, e café à francesa. As mordomias estão registradas nos contratos do STF nos últimos três anos. No mundo real, milhões de brasileiros convivem com a violência e a fome, nas favelas, nos sertões”. (Lúcio Vaz - Gazeta do Povo).

Em reportagem intitulada “Quanto custa ao contribuinte cada deputado, senador e ministro do STF”, datada de 24/02/2022, o mesmo Lúcio Vaz, afirma:

- “Cada um dos 513 deputados federais custa R$ 11,3 milhões por ano, considerando o orçamento executado pela Câmara em 2021.
- No Senado Federal – 54 milhões por cada senador.
- No Supremo Tribunal Federal (STF), cada ministro custa R$ 60 milhões por ano ao contribuinte.
Os valores incluem salários e aposentadorias de servidores, benefícios sociais, medidas de segurança, viagens, atividades legislativas e jurisdicionais e as mordomias de sempre”.

A dívida de 1 trilhão é apresentada a plebe ignara assim: os santinhos do Judiciário afirmam que não tem nada com isso. O presidente da cabeça furada com seus 39 Ministérios e os deputados e senadores põem a culpa nas reformas que não foram feitas. Mas agora elas serão implementadas.

Essa reforma significa corte nos gastos. Adivinhem onde eles vão cortar os gastos? Na parte responsável pela quebradeira do país, segundo eles: os pagadores de impostos, os beneficiários do BPC e do seguro desemprego, os servidores públicos que não recebem supersalários, mas recebem o mínimo, os pobres que nada tem, nem salário, nem indenizações, nem aposentadoria, na redução pela metade das pensões de viúvas, sob o pretexto de equilíbrio fiscal, os trabalhadores de todos os tipos que não possuem mordomias, mas pagam impostos, os empresários que fazem o país andar, o agronegócio, sim, são estes os identificados como culpados pelo déficit público.

É claro que essa identificação é apenas uma cortina de fumaça.

Pela leitura do texto você já descobriu os culpados. Mas eles querem mudança.

Entre esses poderes o maior responsável é o Judiciário. Ele tem verdadeira responsabilidade pelo depauperamento da Terra dos Papagaios e da vida empobrecida do povo trabalhador. Foi o STF que descondenou Lula e o tornou presidente. Foi o STF que liberou os políticos envolvidos em corrupção bilionária para voltar a disputar eleições.

Graciosamente, os mesmos políticos que foram condenados e presos por corrupção estão governando o país manipulados pelo STF. Mas todos querem mudança.

Finalizo com a reflexão do livro de Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1896-1957), autor da obra “Il Gattopardo”, “O Leopardo”, livro que narra a decadência dos nobres na Itália.

Nessa época Giuseppe Garibaldi começava uma guerra que tinha o objetivo de unificar o Estado italiano. Os novos valores eram inspirados na Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade.

Na obra, “O Leopardo”, o declínio da realeza e a ascensão da nova ordem são percebidos claramente pelo sobrinho de Don Fabrizio, Tancredi, o príncipe de Falconeri. Ele é um nobre astuto, audacioso e esbanjador, mas percebe que precisa sobreviver frente a essa nova realidade. Então afirma:

- “Se nós não estivermos presentes [na revolução], eles aprontam a República. Se queremos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude. Fui claro”?

Para que tudo continuasse como estava, isto é, os nobres continuassem com seus privilégios, poderes, luxos, riquezas, mordomias, era preciso que tudo mudasse.

Assim, tudo mudaria, mas permaneceria igual se a velha ordem seduzisse a nova ordem.  Isto é, os novos valores seriam cooptados pelos antigos, de tal modo que tudo parecia ter se modificado sem que nada fosse alterado. Os nobres, nessa mudança, assumiriam o papel de político.

E tudo ficaria igual ao que era antes.

Boa semana a todos.

Carlos Sampaio

Professor. Pós-graduação em “Língua Portuguesa com Ênfase em Produção Textual”. Universidade Federal do Amazonas (UFAM)

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