A recente ordem presidencial para que o Exército intervenha no Rio de Janeiro para ‘garantia da lei e da ordem’, até o final de 2017, tem seu fundamento a partir do artigo 142 da Carta Maior.
Esse mandamento, que trata da GARANTIA DA LEI e da ORDEM , também assegura igual direito de convocação das Forças Armadas aos Poderes Legislativo e Judiciário , embora esse tipo de convocação jamais tenha partido de qualquer desses Poderes Constitucionais.
Talvez isso se explique por um errôneo entendimento que se empresta ao artigo 142 da Constituição de 1988, que foi completamente desvirtuado com a edição da Lei Complementar Nº 97/1999, que deveria regulamentar o referido artigo constitucional, mas acabou ferindo-o mortalmente. Ocorre que o parágrafo 1º do art.142 da CF determina que uma Lei Complementar (LC) estabeleceria “as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas”. Essa Lei Complementar , regulamentadora do art. 142 da CF , acabou sendo objeto da Lei Complementar Nº 97/1999. Mas essa LC está cheia de vícios constitucionais. Começa pelo seu artigo 15 : ‘O emprego das Forças Armadas na DEFESA DA PÁTRIA, NA GARANTIA DOS PODERES CONSTITUCIONAIS, da LEI e da ORDEM, é da responsabilidade do Presidente da República, que determinará ao Ministro da Defesa a ativação dos órgãos operacionais...’
Ora, a Constituição (art.142) garante também aos Poderes Legislativo e Judiciário o direito da convocar as FA para garantia da LEI e da ORDEM. Mas esse direito foi SUPRIMIDO pela LC 97/1999, cujo artigo 15 outorga esse direito somente ao Presidente da República, que “determinará ao Ministro da Defesa a ativação dos órgãos operacionais”. Flagrante inconstitucionalidade, portanto, ‘cassando’ dos Poderes Legislativo e Judiciário o poder de convocar igualmente as FA.
Enquanto isso o Chefe do Poder Executivo usa e abusa do seu direito de convocação das Forças Armadas, para garantia da lei e da ordem, em qualquer situação que julgue necessário, ou politicamente “oportuna”, mesmo que seja para apartar desentendimentos e brigas de cachaceiros em botequins de segunda categoria.
Portanto a frequência com que essa “convocação” tem sido feita chega ao ponto vulgarizá-la. Isso porque em tese esse não seria papel próprio das Forças Armadas, treinadas para fins de defesa da segurança nacional e atividades afins, não da segurança pública, que nunca se confundem, e para a qual existem forças de prevenção e repressão próprias.
Essa manifesta falta de treinamento das Forças Armadas no enfrentamento do banditismo, especialmente nas grandes cidades, como agora no Rio de Janeiro, torna a “Inteligência” militar absolutamente impotente e “amadora” frente à “inteligência” (esperteza, malandragem, familiaridade com o próprio território do crime, etc. ) dos criminosos que desafiam acintosamente as autoridades.
No máximo essas intervenções militares irão colaborar com a segurança pública num determinado período, ocasionando um certo recuo dos criminosos, ao preferirem não entrar em confronto direto com os militares do Exército, aguardando o término da intervenção com prazo certo. Talvez o único efeito psicológico inibidor pela presença militar nos redutos dos criminosos seja igual ao fenômeno que ocorre quando certos animais mudam a aparência física com artifícios variados para representarem ser mais poderosos, maiores ou mais fortes que o potenciais “inimigos”.
Essa tática funciona na natureza e também nas relações humanas. Com certeza os caminhões lotados de soldados circulando pelas ruas do Rio de Janeiro irão causar um certo recuo dos marginais. Mas é passageiro. Logo eles voltarão.
Interessante é observar que as regalias do Presidente da República frente ao Poder Militar não são nada “republicanas”. O seu poder é DITATORIAL. Basta ler com atenção a LC 97/1999 e isso ficará bem nítido.
Nos termos do art. 2º dessa LC, “O Presidente da República, na condição de Comandante Supremo das FA, é assessorado: (I) no que concerne ao emprego dos meios militares ,pelo CONSELHO MILITAR DE DEFESA; Parágrafo 1º: O Conselho Militar de Defesa é composto pelos Comandantes da Marinha, do Exército, e da Aeronáutica ,e pelo Chefe do Estado Conjunto das FA; Parágrafo 2º: Na situação do inciso I, o Ministro da Defesa integrará o Conselho Militar de Defesa na condição de seu Presidente”.
Posso garantir-lhes que em nenhum país do mundo, onde prevaleça o Estado de Direito, o Presidente da República tem tantos poderes sobre os militares. E essa LC não foi escrita durante os Governos Militares, e sim no Governo FHC.
Se é verdade que o Presidente da República deve compartilhar o comando das Forças Armadas com os Comandantes das Três Forças, com o Chefe do Estado Conjunto das Forças Armadas, e com o seu Ministro da Defesa, menos verdade não é que todos esses são autoridades de sua exclusiva “confiança”, demissíveis “ad nutum”, jamais assumindo tais cargos sem a sua “bênção”.
Quem deles iria contrariar a vontade presidencial? Os militares em si mesmos estariam sendo considerados um poder “bundão”?
Ora, se a tropa e a caserna tomassem consciência que o Poder Militar é muito maior do que esse papel de fantoche que lhes reservaram, as coisas poderiam mudar. E para o bem do Brasil e do seu povo.
Se por um lado o que fazem com o artigo 142 da Constituição é um MAL, por outro ele também poderia ser a salvação do Brasil. Tratamos até agora da primeira parte do artigo 142 da CF, que versa sobre intervenção militar para garantia da ORDEM e da LEI. Viu-se que tudo o que se faz nesse sentido está errado. Mas a corrupção de entendimento vai bem mais longe, causando um mal ainda maior.
Preceitua o art.142 da CF: “As Forças Armadas...são instituições nacionais permanentes e regulares.... sob autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à DEFESA DA PÁTRIA ,à GARANTIA DOS PODERES CONSTUTUCIONAIS e, por iniciativa de qualquer destes, da LEI e da ORDEM”.
Fica muito claro, portanto, inclusive pela colocação da vírgula entre “PODERES CONSTITUCIONAIS” e “por iniciativa”, que a convocação das FA para garantia da lei e da ordem é da exclusiva competência de qualquer um dos Três Poderes Constitucionais, apesar de ter sido usado só pelo Presidente da República. Mas esse privilégio não se manifesta quando se trata das hipóteses de DEFESA DA PÁTRIA e GARANTIA DOS PODERES CONSTITUCIONAIS.
A melhor interpretação que se pode dar a esse dispositivo é que a competência para tal nessas hipóteses é exclusiva das FORÇAS ARMADAS, sem qualquer interferência, seja dos Comandantes das Três Forças, seja do Chefe do Estado Conjunto das FA, do Ministro da Defesa ou do próprio Presidente da República, ainda mais que um dos possíveis alvos da intervenção, além de outros, se fosse o caso, poderia ser o próprio.
Vê-se, por conseguinte, que as competências mudam, conforme a hipótese constitucional de INTERVENÇÃO.
Sérgio Alves de Oliveira
Advogado e Sociólogo
Sérgio Alves de Oliveira
Advogado, sociólogo, pósgraduado em Sociologia PUC/RS, ex-advogado da antiga CRT, ex-advogado da Auxiliadora Predial S/A ex-Presidente da Fundação CRT e da Associação Gaúcha de Entidades Fechadas de Previdência Privada, Presidente do Partido da República Farroupilha PRF (sem registro).