Atuação das Forças Armadas no Rio até o último dia de 2018 não vai resolver nada

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Se o povo brasileiro e suas necessidades, primárias e vitais, fossem o alvo dos governos e a prioridade dos que ocupam os cargos de comandos supremos nacionais, o país inteiro não estaria no caos em que se encontra. Nem a violência urbana seria tanta e insuportável. Seria nenhuma. Ou seria tolerável. Mas, desgraçadamente, eles só pensam neles. A custa do sofrimento do povo, eles querem o bom e o melhor só para eles. Eles só cuidam deles. Do dinheiro público, só tiram proveito para si próprio. Eles não gostam de nós. Nos odeiam e nem gostam de ouvir falar do povo.  

Também não gostam do nosso cheiro, de nossas vozes. Eles não sentem piedade de nós. Não choram por nós. Eles nos têm por adversários e inimigos. Deles, somos todos vitimados. Eles nos roubam e são nossos algozes. Para eles, somos lixo. E lixo não-reciclável. Nosso lugar é o esgoto.  E é por isso que nós também os odiamos. Generalizadamente.

Vem aí uma outra improvisação para a ‘segurança’ no Rio. Foi anunciada nesta quinta-feira (27), pelo ministro da Defesa, em entrevista coletiva na sede do Comando Militar do Leste, Centro do Rio.

‘As operações não serão anunciadas, nem serão previstas em decretos de Garantia da lei e da ordem (GLO), como aconteceu nas Olimpíadas 2016. Tempos difíceis e extraordinários requerem medidas difíceis e extraordinárias’, garantiu Raul Jungmann, o ministro, que disse ainda ‘não anunciaremos o efetivo, o custo, os locais. O objetivo não é apenas inibir o crime com a presença física das Forças Armadas e outras forças. A palavra-chave é inteligência. Golpear o comando do crime’.

Ora, ministro, o que não era para ser anunciado o senhor, bisonhamente, já anunciou, ou antecipou e o crime, organizado ou não, já está ciente e avisado. E as operações não serão anunciadas, como o senhor declarou, porque não existe planejamento, mas improvisação. O que vier a acontecer, será fruto do ímpeto, do repentino. 

Até que seria prudente não divulgar antes uma operação militar-policial contra o crime.  Mas como nas improvisações tudo depende do momento, das ocasiões e circunstâncias, então nada existiu  que o senhor pudesse anunciar.

Operações temporárias, ministro, desestruturadas e relâmpagos, nunca dão certo. Vive-se um tempo de falsa calmaria e depois tudo volta muito pior do que era antes.

As Forças Armadas se retiram e ficam as polícias militar e civil, desfalcadas, desarmadas, cambaleantes, com reduzido número de integrantes, frágeis, frágeis. Sem contar os policiais assassinados, o soldo da tropa é irrisório. Falta combustível para as viaturas. Falta organização. Falta o dinheiro que foi roubado dos cofres públicos. Falta autoridade. Falta moral. Tudo falta.

Ministro, tudo o que o senhor disse nesta quinta-feira (27) - ainda que bem intencionado - será um grande fiasco. O povo do Rio, os cariocas, não querem e nem pedem, de imediato, operações, que não possam ser anunciadas, mesmo que o senhor já tenha antecipado que elas vão acontecer. O que o povo quer é muito simples. O povo quer ver e quer ter policiais fardados e armados em todos os cantos da cidade do Rio e de todo o Estado. Ministro, circule pelas ruas do Rio e no final do dia conte nos dedos quantas viaturas da PM e quantos soldados o senhor encontrou no patrulhamento. A soma será inexpressiva.

Ministro Jungmann, se a polícia estiver presente nas ruas, fardada e armada, a população se sentirá segura e os meliantes não vão correr o risco de assaltar, de cometer latrocínios. O policiamento ostensivo, fardado e armado, noite e dia, todos os dias, em todos os cantos, sem nunca ser interrompido ou reduzido, é uma solução necessariamente imediata e urgente para a defesa da população. Sem este policiamento, a criminalidade aumenta e todos os tipos de crimes são cometidos, à luz do dia, a qualquer hora e muitas vidas se perdem.

Naquela tarde de Outubro, de um ano que não me recordo, fazia frio em Amsterdam. Foi num  ‘snack bar’ que avistei e puxei conversa com Fernand Cathala, comissário de polícia da França. Simpático e falante, entre um gole de uísque e outro, ele me confirmou de viva voz o fato que narra no seu famoso livro ‘Polícia, Mito e Realidade". Que nada acontecia de anormal em Neuchâtel, terra natal de Jean Piaget e capital do cantão suíço de nome homônimo. Os bares fechavam as portas às 10 da noite, a delegacia de policia há anos não registrava uma ocorrência, nem de briga de casal. Tudo lá era tranquilo e reinava a plena paz. Então, para que manter aquele gendarme, fardado e armado, na única guarita da cidade, em revezamento 24 horas por dia? Sem utilidade, o alcaide de Neuchâtel decidiu retirar aquele vigilante e acabar com a guarita. Pois foi a partir daí que os bares começaram a fechar as portas muito mais tarde. Também começaram as brigas. E na segunda noite sem a guarita e sem o gendarme, aconteceu o primeiro assalto a um turista italiano. Na semana seguinte, o primeiro homicídio. E dias depois, um latrocínio.

E tudo isso aconteceu pela ausência daquele policial que estava sempre presente, fardado e armado. ‘O policial na rua, fardado e armado, permanentemente em patrulhamento, é indispensável, porque representa a presença da autoridade pública em defesa da população e contra os malfeitores’. E com essa afirmação, Cathala e eu nos despedimos. E a pé, sem medo e vendo muitos policiais nas ruas de Amsterdam, cada um foi para o seu lado e seguiu sua vida.

Então, ministro Jungmann, traga de outros Estados policiais fardados e armados para o policiamento ostensivo e preventivo de toda a cidade do Rio de Janeiro. Nem se diga para reforçar, porque a força está ausente. Traga para completar e restabelecer o que deixou de existir. O senhor não era nascido, ministro Jungmann, e aqui no Rio, dia e noite, só se via incontáveis duplas dos chamados ‘Cosme-Damião’. Eram policiais militares nas ruas em defesa da ordem e da população. Era uma época de paz. Nem era preciso Forças Armadas, nem operações extraordinárias. Também não eram tempos fáceis. As quadrilhas comandadas por ‘Cara-de-cavalo’ e ‘Mineirinho’, implantavam o terror. Mas saiba o senhor que, mesmo assim, não exigiam ‘medidas difíceis e extraordinárias’, como as que o senhor já antecipou nesta quinta-feira que vão ocorrer. Quando? Ninguém sabe. Talvez nem o senhor saiba. Pois se ninguém sabe se Temer está garantido na presidência até o final de 2018, como garantir uma operação que depende, no mínimo, de um governo federal estável?

Jorge Béja

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Jorge Béja

Advogado no Rio de Janeiro e especialista em Responsabilidade Civil, Pública e Privada (UFRJ e Universidade de Paris, Sorbonne). Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)

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