Quando casei com Teresa, ela prometeu me amar na alegria e na tristeza, na Saúde ou em Brasília. Aos pés da santa cruz, jurou que seria minha casa, minha vida, e pediu que eu fosse sua bolsa, sua família.
Falou que casal rico era casal sem miséria – e disse isso tão séria que a esperança venceu o medo, e antes que eu lhe enfiasse a aliança no dedo pegou a chave do chevete, o segredo do cofre, a senha do feicebuque – e meu mundo mudou feito lata velha na mão do Luciano Huck.
Agora toda a cidade, invejosa da nossa felicidade, diz – olha que maldade! – que nunca se viu adultério igual, que só eu que não vejo o seu louco desejo extraconjugal.
Me mostra uma prova, eu digo! Ninguém mostra, nem mesmo quem se diz meu amigo.
Falam que ela tem até fã clube, por causa de uns vídeos que vazaram no iutube - ela fazendo agachamento em cima do Ricardo, o felizardo que treina no quarto com ela enquanto eu lavo a louça, faço a janta, vejo a novela.
Ela garante que aquilo é fotoxope, e fotoxope faz milagre - você olha a foto e vê vinho onde é de fato vinagre. Capaz de terem feito no computador uma tatuagem igualzinha à que a Teresa tem no cóccix e a cicatriz daquela queda com o Ricardo no box - mais a raiz preta do cabelo louro, o brilho do dente de ouro, a medalhinha do seu pai de santo, e a mesma depilação de bigodinho, falhada num canto.
Os vídeos são falsos, ela diz, e eu acredito, porque ela não ia fazer agachamento nua nem dizer aquelas coisas que nunca tinha me dito, numa cama que é do mesmo modelo da nossa, num lençol igual ao que minha mãe trouxe da roça.
Teresa me ama. Eu a peguei na cama com o Ricardo, os dois suados, ela falou “é febre”, e eu não vou deixar que uma virose quebre a confiança que tenho nela – e pode o vizinho do lado ir pra varanda, se quiser, bater panela. O Ricardo se prontificou a levá-la pra consulta – que moço bom, que bom samaritano. Voltaram três dias depois – demorou, porque ela é adulta, e preferiram ir a um pediatra cubano.
O povo do bairro não se conforma de haver tanta harmonia em nosso coração, e vem falar em divórcio, impeachment, separação. É tudo gente adúltera e fascista, e a pureza de Teresa incomoda. Essa gente é foda, não aguenta ver Teresa me beijar quando chega, de madrugada, ligeiramente embriagada, com mancha roxa no pescoço e no desvão da coxa, um pé calçado o outro no chão. Teresa é batalhadora, faz serão – e quando chega, morta de cansaço, eu a carrego pra dentro, nos meus braços, enquanto a vizinhança, branca e elitista, faz intriga – ô raça ressentida, mal amada, golpista.
Na primeira gravidez o povo começou a gritaria, porque eu já tinha feito vasectomia. A coisa desandou de vez e a muvuca aumentou de imediato quando o Júnior nasceu japonês - e eu sou mulato. Teresa me explicou, e eu entendi, que era porque ela tinha comido frango xadrez e sushi.
Mudou de dieta a minha musa, à base de sopa e suco, aí Valdirene nasceu cafuza, e Valdemar, mameluco. Por ela ser de Escorpião e eu de Touro, Vanderlei nasceu negão e o Valdisnei veio louro. A vizinhança, que não entende de genética, desandou a falar de desvio de finalidade, maracutaia, falta de ética.
Eu não sei por que tanto implicam com a Teresa – deve ser porque ela dá aos pobres, e isso irrita a classe burguesa. Gentinha que não sabe de nada, não suporta ver uma mulher empoderada.
Hoje mesmo rolou o maior escarcéu, porque ela e o Ricardo foram fazer campanha pelos valores morais, indo (aonde mais?) ao motel. Se é lá que está o pecado, é lá que se deve ir pregar. Começaram pelo Shalimar, por ter boa hidromassagem. Amanhã, vão ao Miragem - depois ao Vip’s, ao Calypso, ao Malbec – Teresa levou meu cartão, porque o Ricardo não gosta que ela passe cheque.
Ninguém jamais provou que ela me engana, que saqueie minha conta, que desvie minha grana. Deixo que digam, que pensem, que falem de malfeitos, quebras de decoro, denúncias, delações.
Não tenho por que duvidar da Teresa. E pt, saudações.
Eduardo Affonso
Eduardo Affonso
É arquiteto no Rio de Janeiro.