De Dom Pedro II a Alexandre de Moraes: A anatomia de um declínio severo
28/11/2024 às 08:15 Ler na área do assinanteDom Pedro II foi um dos grandes monarcas da história da humanidade. Menino elevado ao trono, compreendeu os obstáculos da jovem nação brasileira ao desenvolvimento da democracia e teve como marca a prudência e o desapego às paixões corriqueiras dos carbonários que adentram na política. Intelectual, poliglota, grande estadista e consciente da sua posição, soube manobrar as querelas entre luzias e saquaremas para dar ao Brasil o único período de estabilidade política na sua trajetória – os quase cinquenta anos do Regresso. Não foi um imperador perfeito e a questão religiosa – sou católico e conheço bem as consequências do caso – prova isso, mas é de longe o nosso melhor homem público.
Os seus méritos não evitaram dissabores, críticas e achincalhas – coisas que levaram a sua deposição. Influenciados pelo ideal republicano e avessos à instituição do Poder Moderador, os homens do Partido Liberal eram os maiores antagonistas do imperador. A querela entre ele e seus críticos tinha os jornais como arena principal: prova maior foi o belíssimo texto de Machado de Assis em solidariedade ao gabinete luzia deposto em 1868. Dom Pedro II se defendia como podia e falava que ‘’a imprensa se combate com a própria imprensa’’. Mesmo como o primeiro representante da nação e as atribuições do cargo, não empreendeu nenhuma perseguição ou restrição à liberdade de expressão em seu reinado.
Alexandre de Moraes é a autoridade mais poderosa da nossa República. Ministro do Supremo Tribunal Federal desde 2017, comanda uma série de inquéritos que colocam o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados numa mira permanente. Ao contrário da verborragia das esquerdas na época da sua indicação, seus posicionamentos – juiz não os deve ter, mas estamos numa republiqueta, não esqueçam disso – são alinhados ao progressismo esquerdista reinante na Suprema Corte. A que deve a notoriedade incomum para um magistrado? A contundência nos seus votos e decisões? Nada disso. É o fato do sr. Moraes tapar a boca de uma corrente política inteira com alegações que não convencem absolutamente ninguém.
Juiz que acusa, investiga e julga ao mesmo tempo, que censura, que torna réu quem não tem prerrogativa de foro – logo, não deveria ser investigado pelo STF – e que joga no lixo o devido processo legal já deveria estar longe do Supremo há tempos. Mas, ora bolas, aqui é o Brasil: uma República das bananas. O ministro Moraes acredita estar salvando a democracia – quero muito acreditar nisso – com as suas ações, sem perceber – quero acreditar novamente – que ele é o seu principal carrasco. Apenas os elogios e a bajulação são permitidos. Quem ousa criticá-lo acaba pagando um alto preço, afinal, a imprensa se combate com o xilindró. O próprio autor destas linhas pode ser vítima de tal infortúnio, pois a liberdade de expressão só vale para os bobos da corte.
Uma pequena digressão: a suposta tentativa de golpe não exime o ministro Moraes das críticas que sempre fiz. Seus métodos continuam os mesmos, e enquanto eu tiver voz, apontarei os erros e as ilegalidades. Fiz o mesmo com a Lava Jato após conhecer os arbítrios cometidos pelos seus integrantes. Não será agora que agirei diferente.
Vejam só em que ponto chegamos. A figura mais proeminente da vida pública brasileira é um sujeito de vocação autoritária e que joga às favas a Constituição. Nosso Imperador, ao contrário, era adepto fiel da liberdade de expressão, e mesmo alvo de ataques, nunca perpetrou perseguição política qualquer aos seus detratores. A diferença não poderia ser mais clara.
E olha que Dom Pedro II foi alvo do maior e mais infeliz golpe de nossa história. A República tem origens e causas que antecedem o 15 de novembro de 1889, mas foi consumada numa quartelada sem qualquer apoio popular. Poderia o Imperador resistir? Poderia. Mas ele temia um banho de sangue, e preferindo evitar o pior, aceitou o exílio. Deposto de forma ilegal e contra a vontade do povo, não utilizou o aparato estatal para prender ou desgraçar a vida dos seus algozes – alguns dos republicanos até se arrependeram depois, como Ruy Barbosa. O Brasil vaga nas sombras até hoje, pois a queda da Monarquia foi acompanhada pela destruição do nosso fidedigno legado e a perene condição de ‘’país do futuro’’.
As razões que permitiram tal giro de cento e oitenta graus são inúmeras e podem ser exploradas em outro texto, mas a (I) destruição da nossa legítima identidade nacional, (II) o advento do esquerdismo gramsciano e (III) a vocação autoritária herdada principalmente pelo golpe republicano explicam muito dessa tragédia.
Seja lá como e porque for, não deixa de ser um severo declínio. De um imperador intelectual e defensor ferrenho da liberdade de expressão, chegamos a um burocrata sem grandes talentos e tido como xerife pelo jornal mainstream da esquerda mundial – alcunha nada edificante, é claro. Já fomos melhores e maiores que isso.
Carlos Júnior
Jornalista