De Dom Pedro II a Alexandre de Moraes: A anatomia de um declínio severo

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Dom Pedro II foi um dos grandes monarcas da história da humanidade. Menino elevado ao trono, compreendeu os obstáculos da jovem nação brasileira ao desenvolvimento da democracia e teve como marca a prudência e o desapego às paixões corriqueiras dos carbonários que adentram na política. Intelectual, poliglota, grande estadista e consciente da sua posição, soube manobrar as querelas entre luzias e saquaremas para dar ao Brasil o único período de estabilidade política na sua trajetória – os quase cinquenta anos do Regresso. Não foi um imperador perfeito e a questão religiosa – sou católico e conheço bem as consequências do caso – prova isso, mas é de longe o nosso melhor homem público.

Os seus méritos não evitaram dissabores, críticas e achincalhas – coisas que levaram a sua deposição. Influenciados pelo ideal republicano e avessos à instituição do Poder Moderador, os homens do Partido Liberal eram os maiores antagonistas do imperador. A querela entre ele e seus críticos tinha os jornais como arena principal: prova maior foi o belíssimo texto de Machado de Assis em solidariedade ao gabinete luzia deposto em 1868. Dom Pedro II se defendia como podia e falava que ‘’a imprensa se combate com a própria imprensa’’. Mesmo como o primeiro representante da nação e as atribuições do cargo, não empreendeu nenhuma perseguição ou restrição à liberdade de expressão em seu reinado.

Alexandre de Moraes é a autoridade mais poderosa da nossa República. Ministro do Supremo Tribunal Federal desde 2017, comanda uma série de inquéritos que colocam o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados numa mira permanente. Ao contrário da verborragia das esquerdas na época da sua indicação, seus posicionamentos – juiz não os deve ter, mas estamos numa republiqueta, não esqueçam disso – são alinhados ao progressismo esquerdista reinante na Suprema Corte. A que deve a notoriedade incomum para um magistrado? A contundência nos seus votos e decisões? Nada disso. É o fato do sr. Moraes tapar a boca de uma corrente política inteira com alegações que não convencem absolutamente ninguém.

Juiz que acusa, investiga e julga ao mesmo tempo, que censura, que torna réu quem não tem prerrogativa de foro – logo, não deveria ser investigado pelo STF – e que joga no lixo o devido processo legal já deveria estar longe do Supremo há tempos. Mas, ora bolas, aqui é o Brasil: uma República das bananas. O ministro Moraes acredita estar salvando a democracia – quero muito acreditar nisso – com as suas ações, sem perceber – quero acreditar novamente – que ele é o seu principal carrasco. Apenas os elogios e a bajulação são permitidos. Quem ousa criticá-lo acaba pagando um alto preço, afinal, a imprensa se combate com o xilindró. O próprio autor destas linhas pode ser vítima de tal infortúnio, pois a liberdade de expressão só vale para os bobos da corte.

Uma pequena digressão: a suposta tentativa de golpe não exime o ministro Moraes das críticas que sempre fiz. Seus métodos continuam os mesmos, e enquanto eu tiver voz, apontarei os erros e as ilegalidades. Fiz o mesmo com a Lava Jato após conhecer os arbítrios cometidos pelos seus integrantes. Não será agora que agirei diferente.

Vejam só em que ponto chegamos. A figura mais proeminente da vida pública brasileira é um sujeito de vocação autoritária e que joga às favas a Constituição. Nosso Imperador, ao contrário, era adepto fiel da liberdade de expressão, e mesmo alvo de ataques, nunca perpetrou perseguição política qualquer aos seus detratores. A diferença não poderia ser mais clara.

E olha que Dom Pedro II foi alvo do maior e mais infeliz golpe de nossa história. A República tem origens e causas que antecedem o 15 de novembro de 1889, mas foi consumada numa quartelada sem qualquer apoio popular. Poderia o Imperador resistir? Poderia. Mas ele temia um banho de sangue, e preferindo evitar o pior, aceitou o exílio. Deposto de forma ilegal e contra a vontade do povo, não utilizou o aparato estatal para prender ou desgraçar a vida dos seus algozes – alguns dos republicanos até se arrependeram depois, como Ruy Barbosa. O Brasil vaga nas sombras até hoje, pois a queda da Monarquia foi acompanhada pela destruição do nosso fidedigno legado e a perene condição de ‘’país do futuro’’.

As razões que permitiram tal giro de cento e oitenta graus são inúmeras e podem ser exploradas em outro texto, mas a (I) destruição da nossa legítima identidade nacional, (II) o advento do esquerdismo gramsciano e (III) a vocação autoritária herdada principalmente pelo golpe republicano explicam muito dessa tragédia.

Seja lá como e porque for, não deixa de ser um severo declínio. De um imperador intelectual e defensor ferrenho da liberdade de expressão, chegamos a um burocrata sem grandes talentos e tido como xerife pelo jornal mainstream da esquerda mundial – alcunha nada edificante, é claro. Já fomos melhores e maiores que isso.

Foto de Carlos Júnior

Carlos Júnior

Jornalista

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