Os quatro poderes (três constitucionais mais o Ministério Público) foram instituídos pela Constituição de 1988. O Executivo tem poderes imperiais (ou monárquicos), mas é dependente do Legislativo (porque sem a efetiva participação dele não há governo que resista). O Judiciário e o MP também são, de fato, dependentes da vontade dos parlamentares porque são eles que aprovam a nomeação dos membros das instâncias superiores.
Para se prever, ou ter uma ideia de como será o futuro, é preciso compreender o que acontece no presente, e para isso é necessário conhecer o passado. Os fatos se entrelaçam e se completam ao longo do tempo. Os assuntos marcantes nos dias atuais dizem respeito à corrupção desenfreada dos políticos e dos grandes empresários, à reforma trabalhista e à reforma previdenciária, à corrupção na Petrobrás e no BNDES; o caos no sistema de transportes, o descalabro que é o sistema partidário e eleitoral. O “peleguismo” no sistema sindical, as exorbitantes taxas de juros e a “caixa preta” em que se transformou a bilionária arrecadação para o Sistema S (Sesc, Senai, Sesi e Senac) – intocável porque sustenta a aristocracia das classes empresariais, também são assuntos pendentes.
Para se entender esse emaranhado institucional é preciso voltar no passado e estudar, primeiro, os dois governos de Getúlio Vargas: de 1930 a 1945 – quando se estruturou a Consolidação das Leis Trabalhistas e criou-se a base do sistema previdenciário e do Sistema S; e de 1951 a 1954 – quando se criou a Petrobrás e o BNDES e se estruturou o atual sistema sindical, e outros barbarismos que perturbam trabalhadores e empresários.
O governo de Juscelino Kubistchek também deixou dolorosas heranças que atormentam os brasileiros e que dificilmente serão corrigidas no médio prazo, tal a profundidade das mesmas. O acordo com o setor automobilístico para fortalecer o transporte rodoviário, com maciços investimentos em rodovias e o consequente abandono das ferrovias e hidrovias levou ao caos que hoje é o setor nacional de transporte, com enorme encarecimento da movimentação de mercadorias e pessoas. O Plano de Metas e a construção de Brasília consolidou a cultura do déficit e do endividamento públicos enraizada na mentalidade dos políticos brasileiros. Isso sem comentar a corrupção implícita na política “desenvolvimentista” baseada no capital multinacional bancado no sistema financeiro especulativo, corrosivo e corruptor. Os historiadores dizem que a corrupção, proporcionalmente, era tão grande quanto à dos dias atuais.
Os governos militares também não foram generosos para com as gerações de brasileiros que os sucederam: deixaram uma infraestrutura faraônica inacabada, deficiente e de alto custo de manutenção e operacionalização. Tentaram fazer uma reorganização geopolítica com a divisão de Mato Grosso (criação de Mato Grosso do Sul) e a incorporação do Estado da Guanabara ao Estado do Rio de Janeiro, aumentando a burocracia e o custo político. Criaram o FGTS, o sistema habitacional (BNH), formataram o sistema financeiro, o sistema tributário e o sistema fundiário (INCRA) e muitas outras preciosidades. Entretanto, a pior herança foi a cultura política ainda predominante nos dias atuais, isto porque as principais lideranças (é desnecessário citar nomes) foram criadas e sustentadas pelos generais que por mais de 26 anos comandaram o País.
O perverso bipartidarismo (ARENA, partido do sim senhor, e MDB, partido do sim), com a cassação dos direitos políticos dos que não se curvaram de imediato e a consequente desorganização partidária, estrangulou o debate econômico-social e castrou a geração de líderes políticos sérios e capazes de pensar um Brasil para os brasileiros. Isso se consolidou e enraizou de tal forma que essa mentalidade (a política de tirar vantagens pela venda de apoio incondicional) ainda será dominante por muitas gerações desta sofrida população.
As “Diretas Já” (Emenda Dante de Oliveira) foi um importante movimento de mobilização popular para derrubar a “ditadura”, mas era um jogo de “cartas marcadas” pelos oposicionistas, consentido e apoiado pelos militares, porque todos sabiam que a tal emenda seria rejeitada, mas legitimaria o governo. O objetivo real era a disputa indireta no Colégio Eleitoral. José Sarney, ex-presidente da ARENA, homem da extrema confiança dos generais, apoiado por Golbery do Couto e Silva, o “bruxo” estrategista que não gostava de Paulo Maluf, rompeu com os arenistas e criou o PFL (que se transformaria em Democratas - o DEM de Rodrigo Maia e Ronaldo Caiado), saindo candidato a vice de Tancredo Neves, avô de Aécio Neves.
Tancredo foi escolhido, mas morreu antes de tomar posse deixando vaga a presidência da República. Ulysses Guimarães, líder maior do PMDB e presidente da Câmara dos Deputados, que por direito constitucional era o sucessor, inexplicavelmente recuou e não toma posse deixando o cargo para o arenista José Sarney. O histórico maranhense, já no Planalto, lançou o Plano Cruzado, desestruturando todo o sistema econômico. O povo, ainda embriagado pelas “Diretas Já”, acreditou que a pátria estava salva e deu uma estrondosa vitória aos peemedebistas que fizeram enorme maioria no Congresso Nacional e 99% dos governadores. Após as eleições o plano foi por água baixo, mas aí já era tarde. A decepção foi grande, mas a “revolução de 64” se manteria.
Depois veio Fernando Collor de Mello, o caçador de marajás que não quis dividir o butim com o Legislativo e foi defenestrado da presidência. Na sequência, Itamar Franco (vice de Collor) e Fernando Henrique Cardoso com a “privataria”, o mensalão do PSDB (até hoje engavetado no Judiciário) para compra da reeleição. Lula, em seus dois mandatos, aperfeiçoou o mensalão; e na gestão Dilma aconteceu o “petrolão” e outros focos de corrupção que permanecem mostrando o submundo da impunidade.
Se os governantes brasileiros, desde a redemocratização de 1946 tivessem aplicados honestamente os impostos arrecadados, o Brasil seria uma das maiores potências deste mundo globalizado.
A Constituição de 1988 foi construída pelos parlamentares eleitos pelo Plano Cruzado onde, por sua vez, assenta-se todo o aparato jurídico institucional da atualidade. Delfim Netto comenta:: “É o instinto de sobrevivência do Legislativo que alimenta o “oportunismo” e lhe dá tempo de acomodar-se. (...) Seus líderes, que controlam com favores o “baixo clero”, sabem que são, efetivamente, o poder “supremo”. Só eles podem mudar a Constituição”. E continua: “(...) o Judiciário – não eleito diretamente – tem de negociar com ele (o Legislativo) a sua aprovação”.
Pindorama, o paraíso invadido pelos portugueses, chora lágrimas de sangue enquanto seus políticos se locupletam nas finanças públicas.
LANDES PEREIRA. Economista com doutorado; é professor de Economia Política.
Landes Pereira
Economista e Professor Universitário. Ex-Secretário de Planejamento da Prefeitura de Campo Grande. Ex-Diretor Financeiro e Comercial da SANESUL. Ex-Diretor Geral do DERSUL (Departamento Estadual de Estradas de Rodagem). Ex-Diretor Presidente da MSGÁS. Ex-Diretor Administrativo-Financeiro e de Relações com os Investidores da SANASA.