A Terra dos Papagaios em transe: Não, nenhuma instituição está ameaçada

16/11/2024 às 07:43 Ler na área do assinante

“A fantasia humana é um dom demoníaco. Está continuamente abrindo um abismo entre o que somos e o que gostaríamos de ser, entre o que temos e o que desejamos”. (Mário Vargas Llosa - escritor peruano, em “A verdade das mentiras”).

Por que a maioria dos brasileiros que possuem mais de dois neurônios não suportam os 11 Ministros do STF e pedem sua substituição?

Eles acreditam que essa pergunta é um ataque às instituições. Não, não é. O que os brasileiros que não concordam com seus atos exigem é a substituição de todos. O julgamento de todos pelo senado. Mas, espertamente, eles dão entrevistas afirmando que são defensores da democracia, que as instituições, notem o plural, estão sendo ameaçadas. Todas.

Não, nenhuma instituição está ameaçada.

Os brasileiros querem apenas que os 11 ministros sejam julgados pelos crimes apontados pelos senadores. Seus processos estão nas mãos de Pacheco que os esconde. Os brasileiros não estão pedindo que outras instituições sejam julgadas. Estão pedindo que os ministros do STF sejam julgados conforme a lei brasileira.

E por que eles são tão detestados?

São tão abominados que um cidadão que todos afirmam que era boa gente, que era equilibrado, se tornou desequilibrado, deixou sua residência e foi cometer suicídio, explodindo a si mesmo em frente ao STF.

Tudo indica que ele não aguentou a pressão e resolveu tornar-se um mártir.

-“Em junho de 1963, um grupo de 350 monges organizou uma procissão em Saigon para denunciar os abusos do governo do Vietnã do Sul e exigir liberdade de culto.  
Quando a procissão se aproximava do Palácio Presidencial, o monge Thich Quang Duc levou a cabo o protesto que chocou o mundo: após encharcar suas vestes com gasolina, o monge se sentou na posição de lótus e recitou os versos do “Namo Amitabha”, um mantra budista. Em seguida, acendeu um fósforo e ateou fogo em sou próprio corpo. Quang Duc permaneceu impassível enquanto seu corpo ardia em chamas, sem gritar ou esboçar qualquer tipo de reação.
A autoimolação de Quang Duc foi registrada pelo fotógrafo norte-americano Malcolm Browne, correspondente da Associated Press no país. A perturbadora imagem do monge em chamas estampou as capas de jornais do mundo inteiro no dia seguinte. Ela se tornaria uma das fotografias mais famosas do século 20 e renderia ao seu autor o Pulitzer e o prêmio de Foto do Ano da World Press Photo”. (Site Opera Mundi - “Autoimolação de Quang Duc”).

Na Terra dos Papagaios, neste ano da graça de 2024, Francisco Wanderley Luiz, que não era um monge budista religioso, mas um pequeno empresário, resolveu protestar contra a situação em que se encontra o país e também tirou a própria vida.

Ele não estava acompanhado de 350 amigos, nem cumplices, nem sei se era religioso, como o monge do Vietnã que se fazia acompanhar de 350 outros monges que protestavam.

Solitariamente Francisco fez sua reclamação quando chovia para que tudo fosse ainda mais vazio e sem sentido:

- “Em depoimento prestado à Polícia Civil do Distrito Federal, Natanael Carmelo, segurança do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que Francisco Wanderley Luiz, de 59 anos, portava uma mochila e avisou que iria detonar um artefato explosivo”.
- “O indivíduo trazia consigo uma mochila e estava em atitude suspeita em frente à estátua, colocou a mochila no chão, tirou um extintor, tirou uma blusa de dentro da mochila e a lançou contra a estátua”, disse o segurança à Polícia Civil.
- “O indivíduo retirou da mochila alguns artefatos e com a aproximação dos seguranças do STF, o indivíduo abriu a camisa os advertiu para não se aproximarem”, complementou o funcionário do Supremo. Entre os objetos, um era semelhante a um relógio digital.
- Segundo o segurança, Francisco “saiu com os artefatos para a lateral e lançou dois ou três artefatos, que estouraram”. Francisco então “deitou no chão acendeu o ultimo artefato, colocou na cabeça com um travesseiro e aguardou a explosão”.

Francisco não feriu ninguém.

Segundo sua ex-mulher ele tinha apenas um alvo: Alexandre de Moraes. Queria matar o algoz da nação. O ser que afirma todos os dias, junto com a imprensa, que salvou a democracia no Brasil.

A ex-mulher do chaveiro Francisco Wanderley Luiz, o Tiü França, falou à Polícia Federal sobre as motivações do autor das explosões efetuadas na quarta-feira, 13, Praça dos Três Poderes, em Brasília.

Em gravação registrada informalmente pela PF, e vazada à Globonews, os agentes perguntaram a Daiane se ele falava que iria “matar gente”. E ela respondeu:

- “Gente, não. O Alexandre de Moraes… e quem estivesse perto naquela hora.”.

Os agentes também perguntaram a Daiane se ela e o ex-marido participaram dos atos de 8 de janeiro em Brasília.

-“Não, [participamos] aqui na cidade”.

Daiane contou aos agentes da PF que Francisco Luiz ficou dois meses em Brasília após a eleição de Lula e havia retornado à capital federal há cerca de três meses.

- “Não sabemos ainda qual era a motivação do crime. Estamos trabalhando com essas hipóteses criminais de uma ação terrorista, mas também da ação de abolição violenta do Estado Democrático de Direito”. (Andrei Passos Rodrigues - diretor-geral da Policia Federal).

Como não pode chegar perto de Moraes, Francisco jogou artefatos explosivos em direção à estátua que simboliza a Justiça e que está em frente ao Supremo Tribunal Federal. Parece que considerou que se não podia explodir Morais, iria pelos menos explodir a estátua que representa a justiça (que já fora pintada de batom em janeiro) e que estava sendo ultrajada pelo supremo. Nem isso conseguiu. Depois se deitou e explodiu a sim mesmo.

Sua autoimolação não foi com gasolina como o monge budista.

Sua autoimolação foi explodir a própria cabeça.

Rapidamente a imprensa amiga do STF e analistas de todos os matizes e de todas as redes de tv da nação interpretaram o ato de Francisco e disseram que tudo fazia parte de uma grande trama. Que tudo estava ligado aos “atos golpistas” de 8 de janeiro de 2023.

Francisco agora era um terrorista perigosíssimo. Eis o que descobriram sobre ele, segundo Felipe Moura do Site o antagonista:

- “Comparava a Suprema Corte e a Polícia Federal à SS (guarda de elite de Hitler) e à Gestapo (polícia secreta da Alemanha nazista), dizendo que elas só serviam para “prender velhinhas inocentes”;
- “Xingava políticos à esquerda (Geraldo Alckmin, FHC, José Sarney) e um apresentador da TV Globo (William Bonner) de “comunistas de merda”.
- “Afirmava não gostar do número 13, do PT, que “tem cheiro de carniça, igual caxorro [sic] quando morre”.
- “Pedia ao presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, para (1) acelerar a “operação STORM”, uma ação de combate à pedofilia internacional; e (2) mandar “o FBI aqui pra Ilha de Marajó”, localidade que foi alvo de denúncias bolsonaristas de exploração sexual infantil”.
- “Nas redes sociais, o ex-candidato do PL ainda seguia Jair Bolsonaro (PL) e uma série de contas de seus propagandistas”.

E por fim sua mais contundente reivindicação escrita em maiúsculas:

-“BOLSONARO E LULA: SE VOCES AMAM O BRASIL; AFASTEN-SE [sic] DA VIDA PÚBLICA!!! CHEGA DE POLARIZAÇÃO!!! ESTE É O MOMENTO DE VOCÊS PROVAREM QUEM VOCÊS SÃO – O POVO É UM SO POVO”!!!

Francisco não gostava nem de Bolsonaro nem de Lula.

Francisco não era um monge budista.

Francisco queria apenas justiça e um Brasil menos ruim.

Imediatamente ministros de Lula e ministros do supremo utilizaram os programas de televisão para associar o ato de Francisco ao projeto de anistia e empurrar no meio de tudo isso Bolsonaro e a censura às redes sociais:

- "Não podemos ignorar o que ocorreu ontem. E o Ministério Público é uma instituição muito importante, vem fazendo um trabalho muito importante no combate a esse extremismo que lamentavelmente nasceu e cresceu no Brasil em tempos atuais. Nós precisamos continuar combatendo isso", disse o ministro. A afirmação foi feita na abertura de uma aula magna no Conselho Nacional do Ministério Público e divulgada pelo G1.

- "Queira Deus que seja um ato isolado, este ato. Mas o contexto é um contexto que se iniciou lá atrás, quando o famoso gabinete do ódio começou a destilar discurso de ódio contra as instituições, contra o Supremo Tribunal Federal, principalmente. Contra a autonomia do Judiciário, contra os ministros do Supremo e as famílias de cada ministro", afirmou.

- Ainda sobre o clima político e o desrespeito às instituições, o ministro disse que "isso foi se avolumando sob o manto de uma criminosa utilização da liberdade de expressão. Ofender, ameaçar, coagir, em nenhum lugar do mundo isso é liberdade de expressão. Isso é crime", reforçou.

Notem que, mais uma vez, o ministro Alexandre de Morais usa o plural “as instituições” e não a raiva que movia Francisco contra ele e contra o supremo.

Disse o site “avozdopovo.br”:

- MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES DISTORCE CASO TRÁGICO PARA JUSTIFICAR CENSURA NAS REDES SOCIAIS:

-“Em mais uma declaração polêmica, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que o trágico caso de suicídio ocorrido ontem na Praça dos Três Poderes representa o “atentado mais grave ao STF” desde os acontecimentos de 8 de janeiro. Aproveitando-se do episódio, Moraes reforçou a urgência de regulamentar as redes sociais, argumentando que elas geram um “constante envenenamento” da população.

A fala, vista por muitos como uma tentativa de censura disfarçada, gerou indignação, levantando questionamentos sobre o uso de tragédias individuais para justificar controle social e limitar a liberdade de expressão no país.

As redes sociais se tornaram um espaço essencial para debates democráticos, e a proposta de uma regulamentação rígida soa como uma ameaça direta à liberdade dos cidadãos. O posicionamento de Moraes sugere uma leitura perigosa sobre o papel das redes, distorcendo seu impacto para legitimar políticas de controle que podem afetar direitos fundamentais.

Tal discurso reforça uma narrativa autoritária que busca restringir vozes dissidentes, usando o luto e a dor alheias como pretexto para avançar agendas de controle estatal”.(a vozdopovo.br).

A Terra dos Papagaios está em transe. Mais uma vez Alexandre de Moraes se utiliza de um fato isolado, uma tragédia e assume ares de salvador da pátria. Adotando a mesma linha os petistas, os ministros de Lula, os analistas amigos, empregam meios de comunicação para defender pautas autoritárias, como a regulação das redes e afirmar que a anistia está enterrada, que Bolsonaro será condenado e continuará inelegível, pois agora câmara e o senado e STF, todos estão unidos em torno de Morais.

Como um ilusionista, Morais e os que o apoiam aproveitam a confusão para desmobilizar a direita. A cortina de fumaça criada por todos eles tem a finalidade de desviar a atenção do fato principal (o fracasso do governo Lula, a derrocada das esquerdas, as acusações de crimes cometidos pelos ministros do STF que estão no senado, a tentativa de censurar as redes...) e levar a nação tupiniquim a voltar os olhos para uma tragédia particular que é apresentada como um “espetacular atentado terrorista contra a democracia”.

Esse acontecimento “menor” na boca dos Ministros e de seus apaniguados se torna “imenso”, algo “inigualável” e que precisa ser punido severamente, pois se não dá para punir o morto solitário a ideia é utilizar essa morte trágica para punir os vivos que ainda protestam.

Bom final de semana a todos.

Carlos Sampaio

Professor. Pós-graduação em “Língua Portuguesa com Ênfase em Produção Textual”. Universidade Federal do Amazonas (UFAM)

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