A declaração do ministro da saúde sobre os médicos brasileiros – uma oportunidade de empatia para o país
17/07/2017 às 11:55 Ler na área do assinanteEsperei algum tempo antes de escrever sobre a declaração do Ministro da Saúde, Ricardo Barros, afirmando que os médicos brasileiros fingem que trabalham. Li, na verdade li e ouvi, de várias pessoas durante toda a minha vida, que não se deve dizer (e muito menos escrever) coisas sob efeito da raiva ou da indignação.
Talvez não tenha sido esse o motivo que me levou a esperar – relutei, pensei duas vezes antes de começar estas linhas, não pelo medo de ser grosseiro ou escrever palavrões, mas para que tivesse alguma coisa nova, algo diferente ou quem sabe até relevante a ser dito.
Ilude-se quem pensa encontrar aqui um relato do sofrimento dos médicos e dos pacientes, uma avaliação geral da situação da saúde no Brasil, ou um recado, uma espécie de Carta Aberta, ao Ministro da Saúde.
Chega de descrever plantões em condições caninas, falta de material, hospitais fechando, agressões dos pacientes, assédio moral de chefias, falta de medicamentos, pacientes morrendo em cadeiras, subcontratação, subfinanciamento, faculdades picaretas abrindo em toda parte. Bobagem: isso todo mundo já sabe!
Outros já fizeram estas queixas antes de mim. Não tenho mais estômago para isso e ainda corro o risco de gente do Governo Temer pensar que sou um sindicalista vagabundo ligado ao PT e gente vagabunda do Sindicato me acusar de corporativismo médico e fazer parte da Medicina Uber neoliberal.
O que une as duas facções, a Sindicalista e a Medicina Uber, é o Susismo – a religião do SUS – que nenhum médico ou paciente brasileiro, eleitor de Bolsonaro ou Jean Wyllys, tem coragem de questionar porque o SUS, assim como o socialismo, é perfeito e só não foi implantado corretamente..rsrs.
Digo ainda que não desejo mudar nem revolucionar coisa alguma na saúde pública, na Religião Susista, nem no Brasil – meu caso já é o contrário: eu gostaria de me mudar do Brasil e não e ser mais nada aqui além de estrangeiro.
Não tenho, confesso a vocês, mais força para escrever sobre aquilo que todo mundo já sabe, ou que simplesmente não quer saber, e muito menos acredito que Barros, ou qualquer outro mau elemento de Brasília, possa ser sensível à crítica dos médicos, dos jogadores de pingue pongue ou dos astronautas. Essa particularidade, aliás, não é dele – é da classe política brasileira como um todo e, em absoluto, limita-se à Medicina.
O próprio Barros, diga-se de passagem, poderia alegar em sua defesa que já viu médicos petistas dizendo coisas muito piores dos próprios colegas ou que médico que tem medo de petista disfarçada de ‘enfermeira’ não tem moral para se indignar com Ministro. Se ele disser isso, eu assino junto!
Feitas estas considerações, expresso sumariamente o seguinte – afirmar publicamente, para toda sociedade, que seus médicos fingem que trabalham é uma oportunidade, uma chance, para esta mesma sociedade fazer (se conseguir) um exercício de empatia, uma vez que a empatia é o início da caridade e a caridade, fora da qual não há salvação, deixou de existir no Brasil. Traduzindo: é uma chance de colocarem-se, todos os demais brasileiros, na nossa posição.
Vou escrever de outra maneira – se o chefe da pasta, se o Ministro da Saúde, diz publicamente que o Governo finge pagar e os médicos fingem trabalhar, o que autoriza todo restante da sociedade, todos os demais profissionais e trabalhadores do Brasil, a pensar que o Governo possa ter, a respeito deles, uma opinião diferente? Barros, antes de dizer que os médicos fingiam trabalhar, afirmou que os pacientes fingiam adoecer, lembram?
Se Barros pensa isso dos médicos e pacientes, porque os professores acreditariam que o Ministro da Educação tem outra visão a respeito deles?? Se o Ministro da Saúde disso isso da minha classe, o que autoriza os policiais militares do Brasil a pensar que os governadores os consideram bons profissionais??
Existe, é esse o meu ponto, uma dissociação no Brasil, uma ruptura entre a sociedade e isso que Raymundo Faoro chamava de estamento burocrático, de patronato, ou seja lá o que for, mas que define um segmento que controla toda máquina administrativa sem dar a mínima, sem sequer pensar naquilo que está acontecendo. Esse segmento, este estamento ou patronato foi, é, e aparentemente sempre será o Governo Brasileiro.
Essa gente se reveza, há séculos, na máquina pública, na chave dos cofres, na chefia dos Ministérios...Isso nada tem a ver com partido, com ideologia, com a economia nem com a fração da sociedade que desafia seu poder.
Como isso tudo vai terminar eu não sei. Só não pensem que aquilo que Barros disse dos médicos é um problema entre ele e os médicos…Não é assim que a coisa funciona a longo prazo, isso eu garanto. Também não afirmem, como querem alguns, que os médicos são a classe na qual os brasileiros mais confiam. Mentira: já disseram que os brasileiros também confiam nos seus militares e não é verdade.
Se o Brasil respeitasse seus militares, não confundiria seu trabalho com o dos policiais (que apesar do sacrifício da própria vida também não são respeitados por ninguém) e se respeitasse seus médicos não aceitaria ser atendido por falsos profissionais cubanos trazidos por Dilma e um médico petista.
Acreditando naquela história de cada cachorro cuidar do seu rabo, quem estaria ‘fingindo’ seriam todos os demais cidadãos que não são médicos nem pacientes do SUS.
A declaração de Ricardo Barros é uma oportunidade para o Brasil pensar nisso sem ‘fingir’ para si mesmo.
Milton Pires
O autor é médico em Porto Alegre (RS)