Segurança Pública: nada está tão mal que não possa piorar
27/10/2024 às 20:57 Ler na área do assinanteO confronto entre a PM do Rio e os traficantes do Complexo de Israel durante a última semana revelou ao Brasil e ao mundo a caótica situação da segurança pública carioca. Mostrou o poder bélico do crime organizado, que desafia e intimida a polícia estatal com a petulância própria de quem tem poder de fogo para isso.
Culpar o atual governador por essa guerra urbana insana que se vive no RJ é ser muito cínico ao ponto de querer esconder os verdadeiros culpados.
Um oficial da PM de Copacabana, em dez dias prendeu três vezes o mesmo meliante. Isso significa que a PM está enxugando gelo, pois ela prende e a Justiça solta.
É verdade! A política pública criminal do nosso país recomenda que responda solto, em liberdade, aquele criminoso, mesmo aquele preso em flagrante delito – quando o crime por ele cometido não apresente pena superior a quatro anos – e se não houver violência ou grave ameaça à pessoa.
O crime de furto, por exemplo, se enquadra nessa situação. Se a autoridade policial insistir em prender, pode acabar respondendo por abuso de autoridade, que é um crime cuja pena é maior ainda.
O Brasil é um convite para o crime e você vem culpar o governador do Rio?
A política de desencarceramento de presos está de vento em popa, com o CNJ e o STF em mutirão para soltura de apenados – o que só aumenta o contingente do exército do crime, porque são eles os soldados que recebem um fuzil e trocam tiro com a polícia.
Mas a culpa é do governador...
Temos uma polícia que trabalha sob pressão, sem a menor segurança jurídica, sendo perseguida por uma imprensa “policiofóbica” e cúmplice desse macabro sistema - uma polícia que só pode reagir depois de levar um tiro primeiro, se sobreviver – uma polícia que pugna pelos direitos humanos, mas está submetida aos direitos dos manos – e você realmente acha que a culpa é do governador?
Por fim, nessa esteira de culpados pela trágica situação da nossa segurança pública vale destacar a decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), que proibiu, em liminar, a realização de operações policiais em comunidades do Rio.
A decisão que já nasceu polêmica e controversa, foi tomada para a época da pandemia, mas se perpetuou no tempo – um absurdo ainda maior!
A partir de 5 de junho de 2020 as facções criminosas passaram oficialmente a dominar seus territórios. Construíram barricadas de concreto e o poder público já não podia entrar.
Há quatro anos que o Rio de Janeiro virou “o paraíso” onde se hospedam grandes criminosos líderes de facções de todo o Brasil e foragidos da Justiça. Com a proteção dada pelo Fachin, as comunidades cariocas viraram verdadeiros hotéis 5 estrelas.
Não seja hipócrita de culpar o governador. Hoje, o tráfico de drogas já não é a atividade criminosa mais rentável para essas quadrilhas, que vendem gás, TV a cabo e internet em seus territórios, graças a decisão do Fachin e endossada pelo STF.
Mas...
Realmente a operação policial que parou a cidade do Rio de Janeiro nessa semana apresenta uma diferença – uma peculiaridade: o carioca está acostumado a ver a polícia enfrentando o Comando Vermelho ou as milícias. Dessa vez a guerra era contra o TCP (Terceiro Comando Puro) – uma outra facção criminosa – liderada pelo Peixão (Álvaro Malaquias Santa Rosa), que se diz evangélico.
Aqui vale uma observação: entrou a “fundamentação religiosa” no cenário. Surgiu a fé como um novo ingrediente nessa receita -.o “Narcopentecostalismo”. Aquele soldado do crime fica mais perigoso ainda, porque agora ele usa o seu fuzil em nome de Deus. Ele se sente legitimado e tem potencial para cometer as maiores atrocidades sem peso na consciência – tudo em nome de Deus.
Só faltava essa!
Rapidamente lembramos dos soldados do Hamas que invadiram Israel há um ano e cometeram aquelas barbaridades em nome de Deus. Se entregar um fuzil nas mãos de um terrorista dá nisso, entregar nas mãos de um traficante também.
Por aqui os traficantes do TCP se autodenominam “Tropa de Arão” — uma figura bíblica, irmão de Moisés. O território foi batizado de “Complexo de Israel” pelo chefe da Tropa (Peixão) — uma referência à “terra prometida” para o “povo de Deus” na Bíblia.
Enfim, não há muito o que fazer diante desse panorama a não ser rezar.
Carlos Fernando Maggiolo
Advogado criminalista e professor de Direito Penal. Crítico político e de segurança pública. Presidente da Associação dos Motociclistas do Estado do Rio de Janeiro – AMO-RJ.