O filho, o pai, o tráfico e a tragédia anunciada
27/06/2017 às 09:37 Ler na área do assinanteA relação entre pai e filho, sempre é marcada por uma cumplicidade e um sentimento de pertença, capaz de reforçar laços tão fortes, em reações que podem chegar a extremos absolutos.
Na natureza, os animais defendem suas crias de forma exponencial, bastando para isso, que estejam diante de ameaças visíveis.
Que dizer de um pai, que vê anunciada a prisão de um filho acusado de tráfico e que diante de uma cena de tamanho impacto, sente ameaçado alguém que ama incondicionalmente?
Quem de nós, aceitaria passivamente ver diante de seus olhos, a ação fria do Estado no restrito cumprimento de sua ação legítima de punir a quem ultraja as leis, tendo como foco e personagem, alguém tão próximo ao coração, nascido de suas entranhas?
Acontece, que as implicações que geram situações adversas, especialmente quando direcionadas ao tráfico, ocasionam motivações interiores, que resultam em atos movidos por decisões tempestivas, e assim, diante da presença ostensiva da lei, representada por seus agentes, condiciona a mente, a pensar o quanto a vida se torna insustentável, diante da iminente perda da liberdade e a sentença fria que condena alguém à prisão.
Mas, como definir esta relação de amor entre pai e filho?
O ato de ser pai é mais do que gerar um filho, mais do que transmitir seus genes para a posteridade, antes é uma missão, a missão de ensinar seus filhos a serem melhores, e melhores que nós mesmos. Fazer um mundo melhor, mais humano, mais justo. Cada atitude é mais do que um simples falar, é uma lição de vida, de carinho e de amor.
Começa antes de gerarmos um filho, é uma vocação que nasce conosco, nas atitudes da vida inteira construímos ser pai, e o pai pode ser até quem não é pai, propriamente dito. Tem pai que é pai por criar os filhos dos outros ou cuidar de uma comunidade como um verdadeiro pai.
Quem tem a vocação de pai, pode ser padre, pode não ser pai natural, mas ele será pai, alguns vão adotar filhos, outros vão orientar outros e quem não o fizer, vai negar a si mesmo. Quem tiver esta vocação e deixá-la crescer dentro de si, vai ser pai de uma maneira ou de outra.
É antes de tudo um compromisso, que nasce na promessa de educar um filho na fé. Como é bonito ver quem se deu o direito e assumiu o dever de ser pai. Compromisso que nunca mais o vai deixar, nem de dia e nem de noite, dele depende a vida de outro, um ser tão indefeso e dependente que ninguém mais pode fazer mais por ele.
É ser exemplo, dar limites claros aos filhos, ser em tudo, mais em atitudes e gestos do que em palavras.
Não interessa como, precisamos participar da vida dos filhos, sem isto é impossível ser pai. Estar lá quando necessário é o mais importante para os filhos, é assim que eles sabem que nós os amamos. É não deixar que nada neste mundo possa nos separar.
Artur da Távola assim definiu o ato de ser pai:
É aprender a ser contestado mesmo quando no auge da lucidez. É esperar.
É saber que experiência só adianta para quem a tem, e só se tem vivendo.
Portanto, é aguentar a dor de ver os filhos passarem pelos sofrimentos necessários, buscando protegê-los sem que percebam, para que consigam descobrir os próprios caminhos.
É saber e calar. Fazer e guardar. Dizer e não insistir. Falar e dizer. Dosar e controlar-se. Dirigir sem demonstrar. É ver dor, sofrimento, vício, queda e tocaia, jamais transferindo aos filhos o que, a alma, lhe corrói. Ser pai é ser bom sem ser fraco. É jamais transferir aos filhos a quota de sua imperfeição, o seu lado fraco, desvalido e órfão. É aprender a ser ultrapassado, mesmo lutando para se renovar. É compreender sem demonstrar, e esperar o tempo de colher, ainda que não seja em vida.
Ser pai é aprender a sufocar a necessidade de afago e compreensão. Mas ir às lágrimas quando chegam. É saber ir-se apagando à medida que mais nítido se faz na personalidade do filho, sempre como influência, jamais como imposição.
É saber ser herói na infância, exemplo na juventude e amizade na idade adulta do filho. É saber brincar e zangar-se. É formar sem modelar, ajudar sem cobrar, ensinar sem o demonstrar, sofrer sem contagiar, amar sem receber.
É saber receber raiva, incompreensão, antagonismo, atraso mental, inveja, projeção de sentimentos negativos, ódios passageiros, revolta, desilusão e a tudo responder com capacidade de prosseguir sem ofender; de insistir sem mediação, certeza, porto, balanço, arrimo, ponte, mão que abre a gaiola, amor que não prende fundamento, enigma, pacificação.
É atingir o máximo de angústia no máximo de silêncio. O máximo de convivência no máximo de solidão. É, enfim, colher a vitória exatamente quando percebe que o filho a quem ajudou a crescer já, dele, não necessita para viver.
É quem se anula na obra que realizou e sorri sereno, por tudo a ver feito para deixar de ser importante.
Neste sentido, nenhuma palavra traduz melhor o coração de pai do que a palavra amor.
O final desta história, revela a morte anunciada de um pai, um corpo rendido ao chão, enquanto o filho segue preso por seus atos de associação ao tráfico, e assim, as manchetes do dia seguinte dirão que, mais uma tragédia resultou em morte e assim, as estatísticas assombrosas testemunharão em números exatos, casos de resistência à lei, e a certeza clara de que, tudo terminou no plantão do último sábado, e o que parece ser uma rotina policial, redundou em uma fatídica notícia nestes tempos de indiferença, execuções sumárias em um dia qualquer de semana.
Pio Barbosa Neto
Professor, escritor, poeta, roteirista
Pio Barbosa Neto
Articulista. Consultor legislativo da Assembleia Legislativa do Ceará