Ao menos como presidente da República, Temer é temerário, no que faz, no que não faz, no que diz e no que não diz. Ele e sua gente.
No caso do avião da JBS, Temer negou. Primeiro disse que tinha voado em avião da FAB. Aí a FAB desmentiu. Depois Temer lembrou que viajou, mas que não sabia de quem era o avião, ainda que na sua fuselagem estivesse escrito com letras garrafais a sigla JBS.
Do encontro escondidinho com Joesley Batista, no porão do Palácio do Jaburu, altas horas da noite e fora da agenda oficial, Temer disse que o encontro foi para discutir a operação ‘carne fraca’ que só veio a ser deflagrada dez dias depois!. Tem mais: antes da delação, Joesley era um ‘empresário bem sucedido que contribuía para a economia do país’. Depois da delação, Joesley passou a ser ‘um bandido’, segundo Temer.
O presidente brasileiro foi recebido nesta terça-feira no aeroporto de Moscou pelo sub do sub chanceler russo, quando o protocolo exigia que o presidente Putin fosse receber Temer na pista do aeroporto. Dizem que foi gesto de protesto do governo russo, em represália à nota-gafe que o Palácio do Planalto colocou no seu ‘site’ informando da viagem do presidente à ‘República Socialista da Rússia’. Temer e sua gente não sabem que hoje o nome é Federação Russa. Ninguém gosta de ler ou ouvir seu nome trocado, ou errado. O nome de uma pessoa, física ou jurídica, o nome de um país é um bem sagrado, digamos assim. É intocável.
A mais recente temeridade foi esta queixa-crime que Temer deu entrada na Justiça Federal de Brasília, por calúnia, difamação e injúria contra Joesley Batista.
O talentoso e destemido juiz da 12ª Vara Federal de Brasília, doutor Marcus Vinicius Reis Bastos, fulminou a pretensão de Temer e indeferiu liminarmente a queixa, mandando-a para o arquivo (processo nº 24702-34.2017.4.01.3400).
O magistrado considerou a queixa temerária, sem conteúdo. Não encontrou crime algum que Joesley tivesse cometido. Para o juiz - e o magistrado está corretíssimo na decisão que tomou - Joesley nada mais fez do que relatar à revista Época o conteúdo da delação premiada que até já foi homologada. E isso não é crime.
Se Joesley mentiu ou não conseguir comprovar o que disse na delação e contou ao repórter da Época, Joesley pagará por isso. Mas pagará depois e nos autos da delação. Perderá os benefícios da delação. Parabéns, Excelentíssimo Doutor Marcus Vinícius. O senhor já deveria estar sentado ao lado do magnífico ministro Herman Benjamin, no Superior Tribunal de Justiça. Ou sentado ao lado (ou no lugar) do ministro Gilmar Mendes, do STF. Ou quem sabe, sentado na cadeira presidencial para comandar este Brasil perdido e sem rumo. Um país que se tornou biruta, tão avassaladoras que são, a corrupção e a temeridade.
Ainda resta a ação cível indenizatória por danos morais, que Temer também deu entrada na Justiça do Distrito Federal contra Joesley Batista. Li a petição inicial. Talvez por falta de tempo - Temer quis viajar para a Federação Russa com as ações já protocoladas na Justiça e o tempo foi curto para os advogados confeccionarem a peça - a petição inicial nada tem de primorosa. E também está sujeita a receber decisão de indeferimento liminar pelo Juiz da vara cível. Ou na melhor das hipóteses, decisão que mande Temer emendar, consertar e adequar a petição à lei. Isto porque, na petição, Temer fez pedido para que Joesley fosse condenado a pagar indenização por dano moral. Mas não disse o valor pretendido.
Segundo o Novo Código de Processo Civil, também denominado ‘Código Fux’, nas ações em que se pede indenização por dano moral, puro e autônomo, como é o caso Temer X Joesley, o autor precisa dizer o valor que pretende receber, ainda que o juiz não esteja obrigado a aceitá-lo se julgar procedente a ação. O juiz pode fixar valor muitas vezes inferior ao pretendido. Superior, não. Inferior, sim. Mas cabe ao autor da ação mencionar o valor que pretende ver o réu condenado a pagar. Caso contrário, a petição inicial é inepta (não apta à lei).
Além do mais, tanto a queixa-crime quanto a ação indenizatória cível de Temer contra Joesley são ações conexas. Não será surpresa se o juiz cível também mandar estancar (sobrestar) o andamento da ação até que a questão da delação premiada seja resolvida definitivamente.
Para terminar: Temer chama hoje Joesley de ‘bandido’. Ontem não era. Mas hoje é. E Joesley chama Temer de ‘chefe da maior organização criminosa do país’. Confesso que nos meus 45 anos de exercício da advocacia, sempre patrocinando ações indenizatórias cíveis, nunca vi, nunca soube, nunca li nos livros uma história tão macabra quanto esta, que nada mais é do que um bandido exigindo indenização e a condenação de outro bandido, pois é assim que eles se tratam. Já imaginaram uma ação de Beira-Mar exigindo indenização por danos morais e a condenação de Marcola? Ou vice-versa?
Jorge Béja - Advogado no Rio de Janeiro e especialista em Responsabilidade Civil, Pública e Privada
(UFRJ e Universidade de Paris, Sorbonne). Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)
Jorge Béja
Advogado no Rio de Janeiro e especialista em Responsabilidade Civil, Pública e Privada (UFRJ e Universidade de Paris, Sorbonne). Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)