Os mundos de Madame Claude, Alice no País das Maravilhas e Alexandre de Moraes
24/08/2024 às 13:56 Ler na área do assinante‘‘Mas então, disse Alice, se o mundo não tem absolutamente nenhum sentido, o que nos impede de inventar um?’’ (Lewis Carroll).
O que liga personagens tão diferentes como Moraes, Alice no País das Maravilhas e Madame Claude?
Madame Claude, de saída, não era Madame Claude, mas seu nome verdadeiro era Fernande Grudet, nascida em 1923. Segunda filha de uma família humilde da cidade de Angers, na França, Grudet desembarcou em Paris na década de 1950 e começou a trabalhar no comércio do sexo. Seu negocio cresceu e ela passou a comandar centenas de profissionais da luxuria e foi tema de vários filmes franceses.
Faleceu aos 92 anos, era dona do lupanar mais glamouroso da França, cuja clientela incluía ministros, diplomatas e líderes empresariais nas décadas de 1960 e 70.
Madame Claude, tinha uma rede de mais de 500 jovens escolhidas a dedo e todas deveriam ter boa educação, beleza deslumbrante e comportamento igual às melhores socialites da época, além de um punhado de belos rapazes, e todos se prostituíam e entregavam a ela 30% do lucro obtido.
Ela fazia tanto sucesso que era conhecida como “a cafetina mais exclusiva do mundo”.
Madame Claude afirmava que suas “meninas”, além de ascensão a uma vida de luxo e prazeres, muitas delas conheceram homens poderosos e se casaram para enriquecer e ter poder, imitando a chefe.
John F. Kennedy, o Xá do Irã e o chefe da Fiat, Giovanni Agnelli, faziam parte de sua lista de clientes.
No auge de sua fama, segundo a revista “Vanity Fair”:
- “Havia John Kennedy solicitando uma sósia de Jackie ‘mas gostosa’. Havia Aristóteles Onassis e Maria Callas aparecendo com pedidos depravados que faziam Claude corar. Havia Marc Chagall dando às meninas esboços inestimáveis de suas nudez, Gianni Agnelli levando um grupo pós-orgia para a missa, o Xá e seus presentes de joias. Havia companheiros de cama tão díspares na lista de clientes como Moshe Dayan e Muammar Qaddafi, Marlon Brando e Rex Harrison”.
Segundo os historiadores de plantão, a CIA contratou Claude e o os “pupilos e as pupilas” para ajudar a manter o moral durante as negociações de paz de Paris. Afirmam ainda que Claude era uma espécie de espiã encarregada de descobrir segredos dos chefes de estado e entrega-los ao governo francês que lhe dava proteção.
Outros depoimentos afirmam que Claude era uma “une femme terrible”.
- “Ela desprezava homens e mulheres igualmente. Homens eram carteiras. Mulheres eram buracos. Ela era como um feitor de escravos em uma plantação no sul dos Estados Unidos. Uma vez que ela contratava uma garota, a transformação a colocava em dívida, porque Claude pagava todas as contas, para a Dior, Vuitton, para os cabeleireiros, para os médicos, e as garotas tinham que trabalhar para pagá-las. Era servidão sexual contratada. Claude pegava 30 por cento. Ela teria pegado mais, mas ela disse que as garotas teriam trapaceado se ela fizesse isso”.
Madame Claude ao observar que o mundo real não fazia sentido e que “homens eram carteiras e mulheres eram buracos” criou outro mundo onde ela comandava conforme os desejos de cada cliente.
Alice no País das Maravilhas é a historia de uma menina bisbilhoteira e gentil que parece não se conformar com o mundo real em que vive. Ela segue um Coelho Branco de colete e relógio, mergulhando sem refletir na sua toca.
- “A toca do coelho, no começo, alongava-se como um túnel, mas de repente abria-se como um poço, tão de repente que Alice não teve um segundo sequer para pensar em parar, antes de se ver caindo no que parecia ser um buraco muito fundo”.
O buraco em que Alice caiu revelou-se um novo mundo para ela. Um mundo de sonhos fantásticos, um novo mundo projetado, abarrotado de animais e objetos que falam e se comportam como seres humanos.
Nesse novo mundo só seu, o País das Maravilhas, Alice se modifica, vive aventuras, se depara com o absurdo, coisas impossíveis se tornam normais e tudo que havia no mundo real agora é mágico.
- “... Tire um osso de um cachorro; resta o quê?” Alice refletiu. ‘O osso não restaria, é claro, se o tirei… e o cachorro não restaria: viria me morder… e tenho certeza de que eu não restaria!’
- ‘Então acha que não restaria nada?’ disse a Rainha Vermelha.
- ‘Acho que essa é a resposta’, disse Alice.
- ‘Errada como de costume’, disse a Rainha; ‘restaria a fúria do cachorro.’
- ‘Ora, olhe aqui!’ gritou a Rainha Vermelha. ‘O cachorro teria um ataque de fúria, não teria?’
- ‘Talvez tivesse’, respondeu Alice, cautelosa.
- ‘Então se o cachorro desaparecesse, a fúria restaria!’ a Rainha exclamou, triunfante.
Com a maior gravidade que pôde, Alice disse:
- ‘Poderiam seguir caminhos diferentes.’ Mas não pôde deixar de pensar com seus botões:
- ‘Que terríveis absurdos estamos dizendo!’” (Lewis Carroll - Alice no País das Maravilhas, pág. 186/187)
Ao final, Alice participa de um julgamento sem sentido. Irritada a Rainha de Copas condena Alice à morte. A déspota cruel tinha como passatempo cortar a cabeça, sem qualquer motivo, de todos aqueles que não lhe agradavam. - “Cortem-lhe a cabeça”, era a frase preferida da Monarca. Ela é atacada pelos soldados da Rainha, nesse momento acorda e verifica que tudo não passou de um sonho.
O mundo de Alice era um sonho.
Moraes assenhorou-se da Nação brasileira ao perceber a covardia e a complacência de todas as autoridades que poderiam detê-lo.
Assim também criou um mundo só seu.
E nesse mundo todas as autoridades da República têm o dever de sair em defesa de Moraes. Mesmo que Moraes esteja errado, mesmo que Moraes tenha cometido crimes contra a nação. Mesmo que Moraes diga coisas absurdas como o diálogo entre Alice e a Rainha.
São as palavras mágicas e acusatórias de Moraes que a ninguém é dado o direito de contestar:
- O vazamento das mensagens divulgadas pela Folha de S.Paulo dão indícios da atuação de uma organização criminosa interessada em “desestabilizar as instituições republicanas” e conseguir “o retorno da ditadura”.
- “Indícios da atuação estruturada de uma possível organização criminosa que tem por um de seus fins desestabilizar as instituições republicanas”.
- Ou ainda:
- “Essa organização criminosa, ostensivamente, atenta contra a Democracia e o Estado de Direito, especificamente contra o Poder Judiciário e em especial contra o Supremo Tribunal Federal, pleiteando a cassação de seus membros e o próprio fechamento da Corte Máxima do País, com o retorno da ditadura e o afastamento da fiel observância da Constituição Federal”.
E mais:
- “A possível organização criminosa teria tido auxílio de terceiros ‘utilizando-se de uma rede virtual de apoiadores que atuam, de forma sistemática, para criar ou compartilhar mensagens que tenham por mote final a derrubada da estrutura democrática e o Estado de Direito no Brasil’.”
São palavras parecidas com os discursos do Ditador Maduro ao fraudar as eleições na Venezuela.
A verdade é Moraes, segundo a lei de Moraes.
Submissos e acoelhados, os Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) concordaram e saíram em defesa de Alexandre de Moraes, na quarta-feira passada (14), após a revelação de que ele comandava um gabinete dentro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que produzia relatórios "informais" contra apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, comentaristas políticos de direita e veículos de imprensa.
Os tais Ministros “terrivelmente evangélicos”, nomeados por Bolsonaro, André Mendonça e Kassio Nunes Marques, ficaram em silencio.
Tanto os eleitores de Bolsonaro, que viam os Ministros como uma espécie de muro de virtudes dentro do STF, como observadores isentos, ficaram pasmos com o comportamento dos dois frente ao ativismo judicial e aos abusos dos Ministros progressistas, todos referendando as atitudes de Moraes.
Decepção total.
Em reportagem do site o Antagonista, intitulada “Terrivelmente mudos”: Nunes Marques e Mendonça frustram esperança de contraponto a Moraes.
Alessandro Chiarottino, doutor em Direito Constitucional pela USP, afirmou:
- "O que eles poderiam ter feito seria uma oposição de cunho jurídico, político, ético até. Mas nada além disso."
A consultora jurídica Katia Magalhães, afirma que os outros ministros têm responsabilidade sobre o caso e deveriam agir pedindo investigação.
Em primeiro lugar, ela diz que as manifestações dos ministros Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes e do próprio Alexandre de Moraes durante a sessão do STF, sustentando a legalidade do gabinete "fora do rito" no TSE, são em si mesma uma violação da Lei Orgânica da Magistratura (LOMAN).
- "Barroso e Gilmar prejulgaram assunto que pode vir a ser judicializado e encaminhado à sua apreciação, se, com base nas reportagens, vier a ser aberto um inquérito, e se a PGR vier a ingressar com uma denúncia contra Moraes por indícios da prática de crimes comuns", afirma.
“Moraes, por sua vez, também estaria impedido de falar em juízo sobre um caso que envolve sua própria pessoa”.
Em um caso como esse, segundo a jurista, caberia aos outros ministros, como Kassio Nunes Marques e André Mendonça:
- "Uma manifestação de repúdio público às falas impróprias de seus colegas".
Além disso, segundo ela, "integrantes do Supremo poderiam, e deveriam ter tomado medidas práticas em relação ao assunto, pelo menos desde a primeira publicação dos documentos da Folha".
- "Na qualidade de magistrados e de cidadãos, poderiam ter requisitado à Polícia Federal a instauração de inquérito para a apuração das condutas de Moraes e de seus juízes auxiliares no TSE", esclarece ela.
Na visão da jurista, os ministros deveriam ter feito isso. Ela recorda o artigo 102 da Constituição, segundo o qual compete ao STF o papel de processar e julgar seus próprios ministros em infrações comuns e nos crimes de responsabilidade.
- "Por consequência, a Constituição impõe a cada magistrado de cúpula a obrigação de cuidado, proteção e vigilância da própria ordem constitucional do país, transformando-o em autêntico garante que os princípios contemplados pela Constituição não venham a ser infringidos", afirma.
E acrescenta:
- "Os princípios constitucionais da inércia do Judiciário e da imparcialidade da magistratura parecem ter sido diretamente afrontados por Moraes, razão pela qual cada um de seus dez colegas teria tido a obrigação de acionar o aparato policial".
Magalhães lembra ainda o artigo 13 do Código Penal, sobre "a omissão daqueles que poderiam e deveriam ter agido para evitar o resultado danoso".
- "Com base nesse dispositivo, os pares de Moraes – todos garantes das normas da Constituição – poderiam e deveriam ter atuado para evitar a continuidade de resultados catastróficos, tais como a manutenção de prisões ilegais, de ordens de censura e de bloqueios de ativos financeiros. Quem cala, consente. Em âmbito criminal, a inação de ministros garantidores da Constituição não implica em mero consentimento; também contribui para a permanência dos danos, sendo passível de acarretar a responsabilização dos omissos", afirma.
Três personagens. Três mundos criados. É isso, como você já percebeu, que une os três: A criação de mundos particulares para neles atuar!
O Mundo de Madame Claude era cheio de sexo e dinheiro. Os homens eram carteiras e as mulheres eram buracos.
O mundo de Alice era abarrotado de fraquezas, possibilidades e maluquices. Um sonho louco do inconsciente. Uma realidade alternativa ou um lugar onde tudo é possível.
O mundo de Moraes é a nação brasileira. Nele estão enfiados os outros mundos. Soberanamente Moraes exercita a tirania da Rainha de Copas.
Madame Claude exerce sua profissão, dedura inocentes e outras autoridades. Alice nunca acorda e sua sentença é sempre executada, assim como as outras sentenças de gente inocente investigada, julgada e condenada, pela ordem da Soberana fantasiada de Moraes:
- “Cortem-lhe a cabeça”!
Nesse mundo que Moraes comanda todos estão acordados, mas pensam que estão dormindo e vão acordar a qualquer momento; vão beliscar-se uns aos outros e dizer “que sonho terrível que tivemos” e aí vão perceber que estiveram acordados o tempo todo, indiferentes.
Um ótimo final de semana aos meus aguerridos leitores.
Carlos Sampaio
Professor. Pós-graduação em “Língua Portuguesa com Ênfase em Produção Textual”. Universidade Federal do Amazonas (UFAM)