O ano de 2008 iniciou-se com uma notícia abalando os alicerces dos ambientalistas e criou mais uma grande confusão ao governo.
Foi a divulgação pelo INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), de que nos últimos meses de 2007 houve um corte de 3.235 km2 de matas na região amazônica. A reação foi a mesma de sempre: uma avalanche de desmentidos, medidas governamentais paliativas e ampliação do descrédito dos que acham que o estrago foi maior.
E a coisa só piorou de lá para cá. A legislação que envolve o ambiente natural ao ser mudada, tende a aumentar os estragos, mesmo com toda a gritaria dos ambientalistas.
Naquela época, a grande imprensa, devidamente cooptada pelos donos do poder, deu amplo destaque a esse incentivo do desmatamento. Mas que surpresa? Parece piada de mau gosto. Qualquer estudante sabe que a Amazônia hoje é diariamente monitorada por satélites, podendo detectar qualquer foco de alteração na região, seja por derrubadas ou incêndios. O que é hipócrita neste triste fato é que ninguém viu a exportação de toneladas de madeiras de lei centenárias para o exterior, numa rede criminosa e fantástica de omissões e de interesses econômicos.
Tal evento, pelas suas dimensões, não pode e não deve passar despercebido. A bem da verdade, o assunto envolve milhões de dólares não só em madeira, como também em soja e gado, para atender interesses de mercados internacionais. Isso mesmo. São os velhos compradores, os mesmos que alardeiam a falsa preocupação de preservar as fantásticas matas que ainda existem em território brasileiro.
Enfim, não é de hoje que a pobre Amazônia constitui alvo da cobiça internacional e dos desmandos nacionais. Será que foi em vão a morte do líder dos povos da floresta, Chico Mendes?
Mas isto não é novidade na história do Brasil.
Basta ver o início da colonização e o avanço da economia açucareira nordestina do litoral para o interior. Foi o começo de tudo.
Com algumas diferenças, o mesmo aconteceu com outros ciclos econômicos, e mais recentemente com o avanço das novas fronteiras econômicas em direção às regiões oeste e norte. Onde houve a penetração de relações capitalistas, a consequência imediata foi a exploração intensiva e abusiva dos recursos naturais.
A incorporação de novas terras para utilização na agropecuária de grande porte, voltada aos mercados externos é irmã gêmea das derrubadas e queimadas das matas.
Isso aconteceu e segue sendo recorrente na história de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul.
Em 1844/45 em Cuiabá, por exemplo, já eram vendidas peles de veados e onças a comerciantes que as levavam ao Rio de Janeiro. Por sua vez, em Corumbá, depois da guerra com os paraguaios, o porto local exportou peles de diversos animais selvagens e muitas penas de garças para a Europa, através da bacia do Prata. As peles de onça continuaram a representar um lucrativo negócio, pelo seu uso decorativo e em vestuário de luxo, em mercados norte-americanos e europeus, o que motivou a sua caça indiscriminada até por volta dos anos de 1950, portanto, durante mais de um século.
Segundo a pesquisadora Lúcia Salsa Corrêa, ainda em 1887, o então presidente da Província de Mato Grosso, Dr. José Joaquim Ramos Ferreira, já observava que a atividade agrícola era praticada na região com a devastação das matas. De acordo com documentos da época, derrubava-se a machado árvores de cedro, jacarandás e outras espécies nobres, ateando-lhes fogo. Em contrapartida, como não existe impunidade para a natureza, as consequências da depredação continuam trazendo sofrimento às atuais gerações de brasileiros. O exemplo mais gritante encontra-se hoje na lenta devastação e assoreamento do rio Taquari.
O historiador cuiabano Virgilio Corrêa Filho chegou a afirmar em 1924, com todas as letras que “a história de Mato Grosso, opulenta de episódios empolgantes, é, mais do que nenhuma outra, a da luta gigantesca do homem contra a natureza bruta”. Era a mentalidade da época, baseada na total despreocupação com os limites dos recursos naturais, tão abundantes e ricas em biodiversidade, em nosso antigo estado.
Por todo o estado, a história foi a mesma. Assim, na fronteira com o Paraguai, os extensos ervais nativos sofreram um intenso processo de devastação no final do século XIX e começos do XX pela exploração predatória e extensiva, inclusive com o desmate descontrolado, quando desnudavam as árvores até os seus brotos. Foi o que ocorreu com as florestas de quebracho, onde se extraiam o tanino.
Ao mesmo tempo, na região pantaneira, o avanço da pecuária caminhava em direção às cinzas das queimadas. Pastagens nativas acabavam sendo destruídas gradativamente, assim como os barreiros naturais de sal. Aliás, a queimada no pantanal é uma prática tradicional e costumeira utilizada até hoje para a limpeza dos campos e renovação das pastagens.
Só que os tempos e a natureza mudaram, e muito. Hoje estamos colhendo o que plantamos no meio ambiente: morte e destruição!
Os mais otimistas acreditam que o homem deste milênio está mais consciente e tem a clareza de que é imprescindível preservar o pouco que restou das paisagens e das vidas naturais do planeta. Anunciam agora uma nova legislação que pode aumentar o desmatamento em parques naturais protegidos. Pelo andar da carruagem da economia que move nosso mundo, os mais pessimistas vaticinam que nem a natureza, tão pouco os humanos, sobreviverão por mais tempo. É a morte anunciada.
E, quem (sobre)viver, verá.
Valmir Batista Corrêa
Valmir Batista Corrêa
É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.