Em junho de 2019, os jornalistas Glenn Greenwald, do Intercept Brasil, e Fábio Serapião, da Folha de São Paulo, publicaram uma série de reportagens sobre as ações do então juiz Sérgio Moro no processo da Lava Jato.
As publicações continham vazamentos de conversas no aplicativo Telegram, com Moro orientando a promotoria e sugerindo modificações nas fases da operação, com pedido de agilidade, conselhos estratégicos e antecipação de pelo menos uma decisão.
O ex-juiz fornecia, ainda, pistas informais e sugestões de recursos ao MPF. Tais práticas foram consideradas uma violação ao Código de Ética da Magistratura e à Constituição por desrespeitar os princípios da imparcialidade, independência e equidistância entre defesa e acusação. Segundo a Constituição de 1988, não pode haver vínculos entre o juiz e as partes em um processo judicial.
O juiz e a parte não devem trocar informações sobre o que deve ser feito no processo nem atuar fora das audiências.
A divulgação das mensagens tinha como objetivo demonstrar que a Lava Jato e seu modus operandi impactavam a ordem jurídica criando um ambiente de total insegurança.
Sérgio Moro foi execrado e a operação, em si, anulada.
Todos os réus presos ganharam a liberdade e estão esperando o momento propício para solicitar a competente indenização pelos “sofrimentos”.
Defensores da operação disseram que, apesar dos problemas criados com a divulgação, as investigações surtiram efeitos positivos.
Dados obtidos pelo jornal Valor Econômico mostraram que os 27 acordos de leniência feitos com o Ministério Público somaram R$ 12,98 bilhões que deveriam ser devolvidos à nação, mas que estão suspensos por decisão monocrática do ministro Dias Toffoli. O gabinete do ministro Edson Fachin (STF), então relator da operação, informou que foram feitos 123 acordos de colaboração premiada e que R$ 2 bilhões foram devolvidos aos cofres públicos.
Agora, os mesmos jornalistas, através do mesmo jornal, estão mostrando que a estrutura montada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para combater as fake News, comandada pelo ministro do STF, Alexandre de Moraes, serviu, também, para outros fins, conforme mensagens trocadas via WhatsApp por auxiliares do ministro.
Para o ex-juiz Walter Maierovitch, Moraes criou um tipo de “Abin paralela” ao usar a estrutura do TSE para fins diversos do processo legal.
De acordo com as publicações, Moraes usou seu gabinete para obter mensagens de forma não oficial, inclusive a produção de relatórios pela Justiça Eleitoral para embasar suas próprias decisões contra bolsonaristas no inquérito das fake News e das milícias digitais. As mensagens foram trocadas entre agosto de 2022 e maio de 2023, período que abrange o período eleitoral e o pós eleitoral das eleições.
A julgar por áudios e mensagens de WhatsApp vazadas, Moraes não só comandava as investigações como direcionava a coleta de provas, mantendo-se como acusador e julgador ao mesmo tempo.
A confecção de relatórios pelo TSE, sob encomenda clandestina do gabinete do ministro para embasar suas decisões, demonstra a existência de irregularidades pré-determinadas e artificialmente concebidas contra ativistas e veículos alinhados ao ex-presidente Jair Bolsonaro. E isso é, no mínimo, uma transgressão ética, imprópria para um magistrado e para um tribunal, principalmente para o STF.
Além de julgar com base nos áudios e mensagens de WhatsApp do seu principal assessor no STF, Airton Vieira, e do então chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE, Eduardo Tagliaferro, Moraes se mantém como investigador, acusador e julgador ao mesmo tempo.
Não bastasse isso, uma conversa entre seus juízes instrutores, ocorrida em 2022, revela o descontentamento do seu gabinete com a postura da Interpol e do governo dos Estados Unidos no caso do jornalista Allan dos Santos.
O influenciador é investigado nos inquéritos das milícias digitais e das Fake News por causa de seus supostos ataques às instituições e à democracia. Ele tem contra si um mandado de prisão preventiva expedido por Moraes e é considerado foragido da Justiça brasileira.
As interpretações passionais e perversas de determinados procedimentos judiciários levadas por sentimentos de poder, vaidade e ódio e oriundas de uma espécie de “Abin paralela”, podem nos levar a uma insegurança jurídica própria de regime totalitário, que, segundo Ruy Barbosa, está acima de todas, pois “a pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela não há a quem recorrer”.
Luiz Holanda
Advogado e professor universitário