A perversão e o colapso das instituições no Brasil

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[O que explica a atual gangrena e colapso das instituições nacionais, estampados ora nos abusivos, inconstitucionais e impunes desvios de autoridade de membros do STF, ora na omissão, indulgência e subserviência do Congresso Nacional – particularmente do Senado – a todas essas sistemáticas e perniciosas transgressões? Quais os fundamentos sociológicos elucidativos para tamanha e pervertida sanha totalitária, patologicamente infiltrada no âmago das estruturas mentais e comportamentais das elites dirigentes, majoritariamente enlameadas, até a medula, de hipocrisia e corrupção? Qual, enfim, a natureza do cancro (já em estágio metastático) do Brasil?]

Assim como os prédios não resistem à corrosão dos tempos sem estarem alicerçados em boas fundações, desmoronando, da mesma maneira as sociedades não subsistem aos tremores das conjunturas sem sólidas instituições. As instituições são as fundações da sociedade.

Instituições são ordenações de natureza social que se configuram no tempo para cumprir, de forma reciprocamente complementar, a função de instrumentos reguladores e normativos da vida em comunidade – sempre sujeita a conflitos e assimetrias de toda ordem –, com base em regras e procedimentos padronizados, em vista da satisfação de determinadas necessidades humanas e da integração social. Émile Durkheim (1858 – 1917) – um dos “pais” da Sociologia moderna – ainda acrescentaria o papel “pedagógico” cumprido por essas “estruturas”, com realce ao ensinamento dos indivíduos quanto ao seu pertencimento à sociedade de origem (ou de vínculo), sem o que não seria possível a assimilação de uma identidade societária – ou, mesmo, a imputação do sentido de cidadania e de nação.

Se a sociedade pode ser percebida, na superfície, como uma teia infinita e caótica de interações entre indivíduos (ações e reações), em todos os campos e esferas da atividade humana, subjaz a essa epiderme as raízes mais profundas (e encobertas) que fermentam (e dão suporte a) as mais variadas formas dessa manifestação aparente: todos os comportamentos, na gênese e ao final, são influenciados por valores, hábitos e crenças, os quais são elaborados, formatados e transmitidos por instituições (família, escola, igreja, mercado, Estado, partido político, redes sociais, etc.). Ninguém é “autônomo” no agir. Toda ação social carrega (consciente ou inconscientemente) um timbre reverberante de um padrão coletivo qualquer. São as instituições, afinal, que moldam os comportamentos.

Foi justo o destaque atribuído ao peso das instituições que conferiu a Douglas North o prêmio Nobel de Economia, em 1993. Para o economista norte-americano, seriam, fundamentalmente, os arranjos institucionais – um conjunto de “restrições humanamente concebidas que estruturam as interações políticas, econômicas e sociais” – os fatores mais determinantes do crescimento econômico de longo prazo (ou da estagnação), conforme conclusões por ele apresentadas com base em estudos comparativos da evolução de vários casos entre as nações modernas.

A mesma linha de raciocínio vem reforçada e amplificada pela contribuição da denominada “Teoria da Rede Social”, inspirada nas orientações da, assim intitulada, “Nova Sociologia Econômica”, cujo principal expoente é um sociólogo e professor da Universidade de Stanford (EUA), Mark Granovetter, para quem a difusão sistemática de informações entre as pessoas no ambiente virtual do Ciberespaço (internet) cria verdadeiros “laços” interativos entre os atores conectados – ora de vínculos mais “fortes”, instituindo identidades comuns e referenciais de credibilidade e influência para a tomada de decisões, ora mais “fracos”, interligando os indivíduos a grupos variados –, que servem de pontes (“bridges”) por onde circulam as inovações e são  redefinidos sentimentos, crenças, comportamentos e visões de mundo.

São, de todo modo, as instituições, na visão das Ciências Sociais contemporâneas – como, de resto, em boa parte da tradição teórica clássica (Rousseau, Marx, Weber, Durkheim, etc.) –, a placenta que alimenta o conteúdo da vida em sociedade. Dependendo da qualidade e solidez de seu funcionamento, isto é, do adequado cumprimento de suas funções sociais – baseado no respeito às regras, aos modelos éticos e morais, às finalidades coletivas inerentes, aos esquemas cognitivos e simbólicos próprios de cada ordenação –, promovem, tais estruturas, com maior ou menor consistência, o bem estar comum (estabilidade, integração e segurança social), imputando padrão, racionalidade e progresso civilizatório – ou não.

Fato é que, no Brasil, por razões históricas peculiares, desde o período colonial – atravessando o Império e a dita República – a constituição e evolução das instituições sempre esteve marcada pela influência hegemônica de interesses privados dentro das esferas estatais, apartando-as de sua finalidade pública maior (“interesse geral”) e consolidando, em consequência, uma cultura perversa no trato de suas engrenagens, ao ponto de estabelecer-se um desvirtuamento da noção de “público”, que restou restrita àquela de “Estado” – percebido, tão somente, como “posse” de alguns (do “outro”) e, não, como patrimônio partilhado por toda a sociedade.

O patrimonialismo, com seus desvios de finalidade, sempre demarcou e timbrou, em terras tupiniquins, a atuação das estruturas destinadas a funções coletivas, usurpando do conjunto social os benefícios coletivos previstos (e não cumpridos), canalizados para consumo particular de poucos. Ao invés da disseminação (e internalização) de uma cultura republicana no uso das instituições, focada no interesse geral de toda a sociedade, o que se experimentou em território nacional, desde sempre, foi a cimentação de uma mentalidade geneticamente corporativa e, por isso mesmo, oligárquica no “manuseio” das instâncias de poder, cujo resultado conduziu o país a amargar os frutos pútridos e permanentes do subdesenvolvimento crônico ou, no máximo, algum progresso material, mas sem desenvolvimento – condição estrutural que, renovada no tempo, confere a cada ciclo o imorredouro sentimento de desconfiança e de má reputação pátria, inibindo a afirmação nacional em plano mundial e o seu crescimento futuro.

É essa cultura perversa que permite, por exemplo, que figuras públicas denunciadas por corrupção – mesmo sob provas evidentes – permaneçam (ou sejam reconduzidas) impunemente nos cargos; que juízes de Cortes Superiores transgridam, cínica e despudoradamente, suas obrigações e preceitos éticos inerentes à função; que criminosos condenados continuem a atuar livremente no espaço público, estimulando o vício e a impenitência. Enfim, que pessoas investidas (pela sociedade) de autoridade se sintam a priori imunes a tudo e se comportem como se fossem superiores e mais importantes que as funções públicas que exercem (ou deveriam representar), reduzindo-as à própria (e fugaz) mediocridade narcísica, refletida, ilusoriamente, no espelho pessoal.

Nações com solidez institucional e cultura republicana consolidada impõem, via-de-regra, às suas elites constrangimentos e penalidades exemplares face ao descumprimento de protocolos e preceitos vigentes, sobrepondo-se, invariavelmente (e por princípio), o coletivo ao particular, o conjunto às partes. Ninguém pode permanecer num cargo de representação sob qualquer indício de suspeita. A ninguém é garantida a impunidade ante a confirmação de um delito. Em todos os casos, a Justiça (devidamente institucionalizada) costuma atuar com a apropriada “venda nos olhos”, ignorando a origem e o distintivo do acusado – quando este não prefere o suicídio, a ter que sobreviver condenado ad aeternum aos olhos da sociedade.

No Brasil ainda não é assim. Quem deve não teme. Pois persiste e impera, até hoje, em pleno século XXI, uma falsa e esquizofrênica democracia, adulterada e sem república: gelatinosa, pervertida, ultrajada, gangrenada, cujas instituições, corrompidas até a medula, nunca são consideradas “em crise”, justo na medida em que continuam a funcionar, “a contento”, pelo avesso, integralmente capturadas pelas corporações oligárquicas e (cada vez mais) pelo crime organizado.

Carece, sim (e com urgência!), o país, de lastro republicano. De uma revolução educativa e cultural profunda e inadiável, radical, pra valer, conformadora de uma nova mentalidade, de novos comportamentos, éticos e saudáveis, sincronizada com a rotação do mundo e em sintonia com o Zeitgeist (“espírito do tempo”), crescentemente arrojado e desafiador – sob pena da inexorável condenação dos brasileiros, em plena Era do Conhecimento, ao desprezível e inescusável limbo civilizatório e à vala definitiva da história.

Alex Fiúza de Melo. Professor Titular (aposentado) de Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Ciência Política (UFMG) e Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP), com Pós-doutorado em Paris (EHESS) e em Madrid (Cátedra UNESCO/Universidade Politécnica). Reitor da UFPA (2001-2009), membro do Conselho Nacional de Educação (2004-2008) e Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Pará (2011-2018).

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