Conversar com taxistas costuma dar material para crônicas do cotidiano.
Uso táxi todo dia e sempre falo com eles. Poucas vezes ouço tolices.
Talvez porque motoristas profissionais saibam ser discretos. Mas quando pegam confiança - depois de repetidas viagens - soltam o verbo e dizem o que pensam.
Taxistas são antenas que captam o sentir da população. E eu os escuto com curiosidade.
No domingo, o motorista era meu conhecido. Estávamos calados enquanto o rádio do carro dava notícias. Então ele quebrou o silêncio com a frase:
"Chinelão é quem quer criar cracolândia".
Eu sabia de quem ele falava.
Ele sabia que eu sabia. Continuei calado. Ele falou: "Será que o povo é capaz de apoiar gente que protege bandido?" Eu estava ligado.
Ele reagia à notícia do rádio: a disputa eleitoral para a prefeitura de Porto Alegre tinha começado com baixaria. No escuro da noite, quando ninguém vê, a falange do ódio - que gosta de "luta", não de política - atacou o prefeito Sebastião Melo (candidato a reeleição) fazendo uma pichação em local público com estas palavras sujas: "Melo chinelão".
Só para constar, "chinelão", em "gauchês" significa rasteiro, vulgar, sem valor e, por tudo isso, desprezível. Nada a ver com o prefeito!
Eu escutava com interesse. Com simplicidade, numa viagem curta, ele mostrou que vê com clareza aquilo que sofisticados bacharéis nem sempre veem. Repudiou quem passa a mão na cabeça dos consumidores de drogas, que, a seu ver, são um peso para a sociedade. E repeliu a criação de uma cracolândia em Porto Alegre, criticando quem o fez em São Paulo. Daí veio a frase que dá título a esta crônica: uma síntese do seu repúdio.
Noutras palavras, ele acusou a farsa de sedizentes humanistas que pegam leve com a bandidagem - políticos, o pessoalzinho da universidade, grande parte da mídia e até alguns "operadores do direito".
Não digo que ele tem elaboração para apontar o fato inequívoco de que essa patota quer tomar a prefeitura como parte de um projeto de poder cujo objetivo maior é impor ao país um caquético modelo de Estado socialista. Mas sabe que essa gente quer fazer do Brasil uma Venezuela.
Esclarecendo, a "cracolândia" a que ele aludiu foi uma área designada pelo prefeito petista de S. Paulo, Fernando Haddad, na qual a clientela do tráfico de drogas não podia ser reprimida e ainda ganhava "algum".
Sete anos depois, aliás, segundo a polícia paulista, o resultado daquilo é um "ecossistema de atividades econômicas ilícitas", favorável a que o "Primeiro Comando da Capital (PCC) exerça poder de influência e controle sobre a ocupação e exploração do território."
Quem ainda aguenta o humanismo "fake" de políticos arrivistas e dos intelectuais orgânicos? Ao que parece, a população cada vez mais percebe a farsa: com a desculpa esfarrapada de tratar com dignidade o criminoso (o que seria correto), certas facções políticas são simpáticas ao crime.
E o tráfico manda flores...
Renato Sant'Ana
Advogado e psicólogo. E-mail do autor: sentinela.rs@uol.com.br