'A vida é um emaranhado de nós', diz um verso escrito num edifício da Cracolândia em São Paulo segundo reportagem assinada pelo jornalista Felipe Betim, da edição brasileira do jornal espanhol El País. O repórter esteve no local para buscar as histórias das pessoas afetadas pela decisão do prefeito de São Paulo, João Dória Júnior, de removê-las dali e reurbanizar o local.
Os viciados em crack ganharam um rosto humano quando o doutor em Química Andreas Richthofen, irmão de Suzane Richthofen, condenada pela assassinato dos pais, apareceu drogado nas ruas. Nascido em berço de ouro, embora em uma família problemática, o doutor Andreas é diferente do craqueiro típico. Mas talvez apenas porque é mais rico.
“Por trás de cada um dos dependentes químicos, dispersados pela cidade após a operação policial do dia 21 de maio, existe uma história pessoal de perda, dor ou sofrimento desconhecidos”, escreve o repórter Felipe Betim. Um dos viciados, conhecidos como Artista porque pinta quadros, declara ao jornalista: “"Eu até gostaria de parar. Mas para eu parar, tenho que ter algo que signifique para mim”.
A vida humana senhoras e senhores, é uma eterna busca por significado. Na cracolândia, no Palácio do Planalto, na sua casa, no seu trabalho, na Casa Branca, os únicos animais providos de consciência tentam encontrar sentido em suas vidas.
Nem todos serão surpreendidos pela mídia numa situação embaraçosa como o doutor Andreas ou o ex-deputado Rodrigo Loures, flagrado recebendo uma mala com propina da JBS supostamente destinada ao presidente da República. Mas muitos terão enfarto, amargarão angústias e morderão o pó por diversas vezes em busca de alguma satisfação ou tentando mascarar a ausência dela.
Os personagens aqui apresentados são o sintoma de uma doença, a ferida purulenta da catapora, a articulação emperrada da artrite. Eles são a febre de uma sociedade infectada pela cobiça que ainda acha que produzir riqueza é o fim último do ser humano. Gente como Loures e seus mandantes acha que produz riqueza e pode até mesmo se dar bem se não der o azar de ser pego em flagrante delito. Gente como o doutor Andreas é frequentemente varrida para baixo do tapete como incompetente, desajustada, imprestável para a máquina de moer carne do capitalismo.
Isso porque a máquina está desregulada. Ela seleciona e privilegia os predadores, aqueles que, dentro de um ecossistema, querem sempre competir e superar o outro ao invés de colaborar. E os predadores, aqueles que são chamados de homens e mulheres de sucesso porque superaram vários outros em sua corrida pela ascensão social lideram uma sociedade infeliz, incapaz de oferecer aos homens e às mulheres aquilo que realmente pode trazer felicidade: um sentido para a existência.
Até hoje a sociedade professa a religião do darwinismo social, aquela suposição a sociedade deve privilegiar os mais competitivos e mais fortes porque estes produziriam gerações mais fortes e preparadas para sobreviver. E o que vemos é que essa visão de mundo está privilegiando os predadores, que estão destruindo o planeta e a felicidade humana em nome da ganância pelo poder e pelo dinheiro.
A vida é um emaranhado de nós, diz o poeta da cracolândia. Sim, só que nós temos a possibilidade de produzir uma bela tapeçaria feita de todas as cores da diversidade humana. Mas ao invés disso estamos produzindo fios que nos aprisionam e nos amarram ao invés de nos libertar.
Wilson Bentos