O resumo da ópera

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Tudo o que está acontecendo no país – a crise institucional, a fratura social, a ruptura do estado de direito, a violência generalizada – tem uma causa de fundo e um fator gerador estrutural de origem: o fracasso da chamada “Nova República” – instaurada em 1985, com o fim do regime militar.

Desse cenário, a irrupção do bolsonarismo e do conservadorismo como corrente política em ascensão não é causa, mas consequência. Não é precessão, mas produto.

O fato é que não resultou, a aspirada “redemocratização do país” (a retomada do sufrágio universal e demais institutos afins), numa real e progressista democracia republicana – como formalmente pretendido pela Carta de 1988 –, mas, paradoxalmente, na contramão dos idealistas constituintes, numa retrógrada e deletéria cleptocracia oligárquica – aos moldes da tradicional e secular plutocracia patrimonialista.

Os protagonistas dos “novos tempos” revelaram-se, com o passar dos anos, arautos da mesma e moralmente encardida “velha política” – que anunciavam, na origem, combater. De “representantes do povo”, “defensores da ética na política”, da “justiça e da liberdade”, metamorfosearam-se em (ou desnudaram-se como) facções criminosas e promotores da iniquidade e da chantagem – desmistificando, de uma vez por todas, a sua genuína genética.

Instalou-se, em território nacional, desde então, por revezamento de siglas de fachada (PMDB, PSDB, PT et alii), a corrupção, a bandidagem, o golpismo, a malandragem, enfim, o crime organizado, maquiado de hipócrita retórica (“politicamente correta”) e ancorado na impunidade institucionalizada de seus proeminentes atores – artífices de uma pantomima ensaiada, de ludibrioso roteiro.

Ao invés de um largo e inclusivo Projeto de Nação – tal qual necessário diante dos desafios de um mundo globalizado e altamente competitivo –, restaram os restritos e indigentes Projetos de Poder, afeitos, unicamente, aos interesses corporativos e mesquinhos de seus inescrupulosos agentes.

No lugar do passado (e contestado) autoritarismo da farda, elegeu-se, no ápice da crise sistêmica hodierna, o forjado (e “saudado”) totalitarismo da toga, tão ou mais talhado por medidas fascistas, intencionalmente programado para dar suporte, “em última instância”, ao império do crime e do arbítrio.

Foi a Operação Lava Jato – hoje implodida pelos mesmos ativos – que escavou, a partir de 2014, as profundezas mais recônditas desse infesto “mecanismo”, desnudando as sórdidas entranhas de suas pútridas e tramposas engrenagens.

As redes sociais – por contrabando e na contramão de seus controladores – apenas reverberaram a abjeção e a crueza dos fatos, retirando da grande mídia, pela primeira vez, por convencimento argumentativo em contrário, o seu antigo e confortável monopólio de formatação (viesada) da opinião pública.

A ameaçadora verdade, assim estampada a olho nu – e que impactou na derrocada do PT em 2018 –, subitamente foi alvo da artilharia dos convencionais e incomodados “donos do poder”, que buscaram desqualificá-la por cretina imputação do rótulo de fake News – que acabou não vingando.

Nesse quadro convulsionado, o desconhecido Jair Bolsonaro, então pretenso (e desacreditado) candidato ao cargo máximo na nação, nada mais fez que pegar carona nas manifestas aspirações populares de ocasião, personificando, em congruente e perspicaz sintonia, os seus máximos e prementes anseios. De radar ligado, captou, como ninguém, o clamor das ruas e disso tirou proveito, transitando, com desenvoltura, em equivalente e proporcional vibração.

No auge do clima de revolta contra o status quo e a marcha dos acontecimentos – como sucedeu em 2018 –, o “capitão”, inteligentemente, embarcou e surfou na onda de contestação anticorrupção e antiviolência, assumindo – por ausência de congêneres à altura – o protagonismo simbólico da luta contra o contestado establishment, na justa radicalidade então ambicionada pela maioria da sociedade brasileira.

Passados mais de cinco anos daquela histórica eleição presidencial, e uma vez recuperado (a partir de 2023) o controle absoluto do Estado pelos mesmos e tradicionais sequestradores da soberania popular, o sentimento da ampla maioria dos brasileiros – hoje mais cientes da verdade dos fatos – continua a ser o mesmo de antanho: o da luta, sem trégua, contra a corrupção e o totalitarismo de Estado, a manipulação e a farsa – expectando e apoiando lideranças que, para além (ou a despeito) de Bolsonaro (hoje, forçadamente inelegível), marchem nessa direção.

Sim, é o enfrentamento da corrupção suprapartidária, ainda hoje, o foco principal da notória mobilização coletiva que, assiduamente, continua a inundar as ruas, à revelia da vontade e à contrapelo da pretensão das estelionatárias e ambiciosas “elites do poder”. E assim continuará a sê-lo por muito tempo, até a efetiva proclamação da República – ad aeternum capturada por quadrilhas de colarinho branco que impedem a sua definitiva instalação.

Só não entende a realidade (ou finge ignorá-la) quem vive no alheamento da “bolha” dos gabinetes de Brasília (ou dos camarins acadêmicos), ou é ingênuo, ou, por opção, é cúmplice ou sócio do crime organizado – incluídos todos os seus beneficiários indiretos (artistas, intelectuais, sindicalistas, jornalistas, etc.), ora embebidos de obcecada militância ideológica, ora de promíscuo oportunismo pragmático.

Bolsonaro, por certo, não é, de per se, selo ou garantia à instauração e estabilidade de um patamar mais democrático e republicano à combalida “civilização brasileira”. Não obstante, justo por ser, no âmbito desse anojoso e deplorável cenário, um outsider – cuja figuração vem reforçada pela diuturna, sistemática e imparável perseguição sofrida –, na escassez de outras alternativas de conjuntura ele continua a catalisar e cumprir o papel histórico e simbólico de desestabilização – ao menos momentânea – do arcaico e viciado sistema político nacional – com os seus rotineiros e nocivos inquilinos estamentais –, fomentando oportunidades ímpares, nas brechas da ordem dominante, para a emergência de forças sociais que se contraponham, ao fim e ao cabo, ao pernicioso e lesivo patrimonialismo consuetudinário – que tem condenado o país, há séculos, ao subdesenvolvimento sustentável.

Eis, em poucos e concisos parágrafos, aqui brevemente tracejados, o resumo de toda a ópera! Os rudimentos elucidativos mais basilares para a decifração e deslindamento das atuais (e angustiantes) idiossincrasias tupiniquins, como nunca antes na história desse país envoltas em efervescente, progressivo e ameaçador modelamento político de rasgos coercitivos, totalitários e barbáricos, a ameaçar a nação (em pleno século XXI) a uma nova era (agora cibernética) de escravidão e miséria – e, por consequência, à inexorável vala da história.

Alex Fiúza de Mello. Professor Titular (aposentado) de Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Ciência Política (UFMG) e Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP), com Pós-doutorado em Paris (EHESS) e em Madrid (Cátedra UNESCO/Universidade Politécnica). Reitor da UFPA (2001-2009), membro do Conselho Nacional de Educação (2004-2008) e Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Pará (2011-2018).

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