O dilema do cancelamento de uma assinatura do jornal ‘O Globo’
05/06/2017 às 09:23 Ler na área do assinanteSó tem uma coisa pior que levar um pé na bunda.
É dar um pé na bunda e a pessoa que levou o pé na bunda parecer aliviada.
Você fica esperando que ela chore, ou pelo menos pergunte onde foi que errou, ou se não é melhor esperar as coisas se acalmarem para tomar uma atitude dessas etc.
Mas ela fala ok tá bom te cuida - e nem pensa em ir cortar cabelo, para provar pra todo mundo (todo mundo = você) que já superou e olha só o que você perdeu.
Não, não dei nem levei pé na bunda recentemente (faz tempo que não trabalho com esses artigos). Só cancelei minha assinatura d'O Globo, depois de um conturbado relacionamento de décadas.
Liguei pedindo o cancelamento, já com a motivação engatilhada pra disparar e... ninguém perguntou nada.
Quer cancelar? pois não um momento dia 15 o senhor não vai estar recebendo algo mais em que eu possa ajudar?
Assim, na lata.
Não precisamos de você, assinante estúpido.
Não quer, tem quem queira.
Desliguei e continuei do lado do telefone, na expectativa de que fosse uma pegadinha, que ligassem de volta, arrependidos me pedindo pra ficar.
Nem tchuns.
Desde então o entregador simplesmente ignora minha porta.
Imagino seu ar de superioridade ao arremessar os exemplares dos apartamentos vizinhos (ele não coloca nem joga o jornal: ele arremessa - acordando o Tião e, em consequência, o prédio inteiro) e passar batido, com olhar de girafa, pelo meu batente.
Semana passada foi que descobri que sofri em vão todos esses dias, não de síndrome de abstinência das charges petistas, mas do suposto desprezo globista: O Globo desandou a me ligar, até três vezes por dia.
Na verdade, vinha ligando desde antes: seu telefone é que estava bloqueado como "spam", e o histórico registra o desespero do jornal dos Marinho com o meu rompimento.
Atendi umas oito ou nove ligações, disse que não quero, que meus motivos já foram ditos num e-mail que o jornal nunca se dignou a responder (muito menos a publicar na coluna dos leitores) e que não insistam.
Insistiram, claro.
Aí bloqueei de novo o 2534 4000.
Podem vir rastejando, que vão dar de focinho na porta.
Só tem uma coisa pior que levar um pé na bunda.
É dar um pé na bunda de alguém (ou de alguma coisa - porque coisas também têm bunda) e depois ter que aguentar sua falta de amor próprio.
Eduardo Affonso
Eduardo Affonso
É arquiteto no Rio de Janeiro.