Onde tudo começou

04/06/2017 às 05:53 Ler na área do assinante

A bicentenária cidade de Corumbá representa para o estado de Mato Grosso do Sul não só o principal núcleo urbano da zona do pantanal, como também (e juntamente com o Forte de Coimbra e Albuquerque) uma parte significativa de sua própria história. De fato, a história do estado começou pela bela cidade portuária.

Fundada a 21 de setembro de 1778, por ordem do capitão-general Luiz de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, a povoação de Albuquerque (depois Corumbá), transcendeu o simples fato de ser mais um pequeno ponto dentro do vasto império português.  Seu estabelecimento à margem direita do rio Paraguai teve objetivos claros e definidos: apesar do pretexto de controlar o elemento indígena, hostil aos súditos lusos que penetravam em seu habitat, a preocupação do estado português era fixar pontos estratégicos em toda faixa da região fronteiriça cuja posse efetiva atuaria como anteparo à expansão colonial espanhola.

A escolha do local, situada geograficamente numa posição elevada e estabelecido estrategicamente entre o Chaco e o Pantanal, criava aos portugueses a ilusão de ser a região militarmente favorável à defesa contra as correrias indígenas e, acima de tudo, diante de um possível ataque de espanhóis.

Mesmo levando em consideração todos os interesses que envolveram a posse da região, tanto a coroa portuguesa como posteriormente o governo imperial brasileiro, a fronteira ficou relegada a um completo estado de abandono e à mingua a sua diminuta população.

Assim, até o último quartel do século XIX, a povoação de Corumbá (esta denominação já aparecia na metade do século, como registrou o viajante Francis Castelnau) procurou sobreviver através de um incipiente e instável comércio e de uma pecuária de pequenas proporções. Nesse contexto é que a região sul, e especialmente Corumbá, viu-se envolvida na guerra com o Paraguai. Como consequência, a partir de 3 de janeiro de 1865, o povoado passou a fazer parte do território conquistado pela república do Paraguai. A facilidade encontrada pelas forças paraguaias na sua penetração pelo rio Paraguai demonstrou realmente o quanto eram frágeis, na fronteira, os dispositivos militares de defesa do Brasil.

O significado maior da tomada da vila de Corumbá, apesar da invasão não ultrapassar esta localidade, foi o de assegurar aos invasores a navegação do rio Paraguai. O despreparo e as dificuldades encontradas pelas forças brasileiras impediram uma mobilização mais intensa contra os paraguaios.

 Assim, somente depois de dois anos, a 13 de junho de 1867, tropas vindas de Cuiabá, sob o comando do tenente-coronel Antônio Maria Coelho, conseguiram recuperar a vila.

 A vitória teve, porém, um sabor amargo, pois as forças brasileiras encontraram um inimigo mais feroz e mortal que os próprios paraguaios: a bexiga (varíola). Impossibilitados de permanecer na devastada vila, a força expedicionária retornou a Cuiabá levando consigo a terrível doença. Rapidamente a bexiga alastrou-se por toda a província, o que deu oportunidade aos paraguaios de voltarem novamente a Corumbá, por pouco tempo. O saldo da guerra foi desolador para toda a região: tudo ficou devastado e a antiga vila em ruínas.

 A partir de 1870 Corumbá começou a ser reconstruída. O governo imperial, numa tentativa de ajudar seus habitantes e incrementar a reconstrução e o desenvolvimento da região, franqueou o porto à importação de mercadorias de todas as origens por um período de dois anos. Logo, todo o movimento comercial da província passou a gravitar em torno desta atividade.

 Assim, Corumbá retomou pouco a pouco seu dinamismo como centro comercial da região, aumentando gradualmente sua população, adquirindo novos direitos como cidade e impulsionando cada vez mais sua principal atividade econômica: o comércio.

Corumbá transformou-se, então, em fins do período imperial e início da fase republicana, em um centro urbano de grande importância em Mato Grosso. Entretanto, as características próprias do dinamismo assumido pelo intercâmbio comercial, que possibilitou à cidade de Corumbá ser polo irradiador de toda a vida política, econômica e cultural do estado, também se tornaram uma força vulnerável, na medida em que esse poderio econômico dependia diretamente dos fluxos e refluxos da conjuntura internacional. Além de fatores internos, como o deslocamento do eixo econômico de Corumbá para Campo Grande, em função da construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, e mesmo as enchentes periódicas, as graves ocorrências externas como a Primeira Guerra Mundial e a crise dos anos 20 contribuíram para que Corumbá perdesse a supremacia como centro comercial do estado.

Assim, a pecuária da zona do pantanal, que até então vinha passando por um processo lento de crescimento, tornou-se a força econômica de maior expressão na região e a cidade passou a viver gradativamente em função de suas próprias necessidades, perdendo assim, aos poucos, a vibrante função de centro cosmopolita diretamente conectado com cidades platinas e europeias.

Valmir Batista Corrêa

Valmir Batista Corrêa

É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.

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