Voto impresso e auditável: A batalha decisiva

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Com o ressurgimento da polêmica sobre a fragilidade e a suspeição do sistema de urnas eletrônicas em solo americano, sobretudo após as graves denúncias recentemente apresentadas por Donald Trump e Elon Musk e repercutida no Congresso dos EUA e na mídia, volta o tema a ganhar reverberada proeminência em território verde-amarelo, comprometendo e tensionando, desde já, a agenda política tupiniquim para os próximos meses.

Fato é que perdura, no país, uma questão de fundo pendente, crucial, de extrema gravidade, que ainda não foi devidamente esclarecida perante a sociedade brasileira na exata proporção de sua máxima e decisiva magnitude:

Por que o Supremo Tribunal Federal (STF) – e, na sua cola, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – tem rejeitado, sistematicamente, faz anos, o cumprimento de decisões soberanas do Poder Legislativo concernentes à reforma da legislação eleitoral e sua efetivação, da mesma forma que interferido, abusivamente, na cena política para alterar encaminhamentos, decisões congressuais ou ameaçar políticos e influencers contrários às suas obscuras expectativas, quando lhe é vedado tal poder pela própria Constituição Federal?

Uma situação, no mínimo, muito estranha!

Primeiro foi a Lei 10.408/2002, sancionada em 10 de janeiro de 2002, pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso, que estabelecia novas regras sobre a transparência e confiabilidade do voto eletrônico, resultado final de um projeto de lei iniciado pelo Sen. Roberto Requião, nos idos de 1998.

Tal projeto desencadeou, na ocasião, um longo e precioso debate no Congresso Nacional sobre a confiabilidade do voto eletrônico (tal-qualmente praticado em terras tupiniquins), tendo-se em vista a criação de maiores garantias à inviolabilidade do voto e à apuração da verdade eleitoral – àquela altura (pelos depoimentos expostos em plenário) já sob forte suspeita.

Na esteira do assim denominado Projeto Requião, outra dezena de projetos de lei foi igualmente apresentada na oportunidade, com o mesmo intuito e finalidade, tal era a insatisfação generalizada dos congressistas quanto à transparência do processo eleitoral ora em vigência, centralizado em urnas eletrônicas sem qualquer possibilidade de auditagem a posteriori da apuração realizada, resultando a avaliação dos procedimentos adotados pelo TSE como algo opaco, impenetrável, sem qualquer translucidez na apresentação dos resultados extraídos.

Por caminhos distintos, mas sincronizados, todos visavam, unissonamente, a resolver alguns problemas básicos detectados no sistema das urnas eletrônicas em vigência, até hoje indesculpavelmente pendentes e, enigmaticamente, postergados:

a)    a impossibilidade de conferência supervisionada e pública (como determina a Constituição) da apuração – já que o voto se tornou exclusivamente virtual, inexistindo em forma materializada;
b)    a falta de transparência no processamento técnico da programação e da apuração, em razão do uso de programas secretos e códigos-fonte não devidamente controlados pelos fiscais dos partidos ou por entes públicos especializados;
c)     a possibilidade de violação sistemática do voto, na medida em que o número do eleitor é digitado na mesma máquina em que ele digita o seu voto.

A nova Lei de 2002, com esse espírito sancionada, passava a alterar a Lei anterior (de n. 9.504/1997), estabelecendo normas mais rigorosas em favor da ampliação da segurança e fiscalização do voto eletrônico, cujo maior destaque vem enfatizado pelo acréscimo do parágrafo 4º ao Artigo 59, que passava a estabelecer, em vista disso, ipsis litteris:

“A urna eletrônica disporá de mecanismo que permita a impressão do voto, sua conferência visual e depósito automático, sem contato manual, em local previamente lacrado, após conferência pelo eleitor”.

Fato é que, apesar da clareza inequívoca do texto e da vontade explícita do legislador – que reverberam os fundamentos e aperfeiçoamentos tecnológicos adotados por países democraticamente mais avançados –, a Lei, estranhamente, por impedimento da Corte Suprema, nunca foi implementada!

Segue-se a esse episódio a surpreendente, inepta e casuística declaração de “inconstitucionalidade”, também pelo STF, a um dos pontos mais essenciais (e determinantes) da Minirreforma Eleitoral de 2015 – aprovada por ampla maioria do Congresso Nacional e sancionada, a contragosto, pela Presidente Dilma Roussef (Lei n. 13.165/2015) –, que estabelecia, dentre outras medidas (ratificando a anterior decisão de 2002), a obrigatoriedade da impressão de um comprovante de votação pela urna eletrônica, conforme termos esculpidos no Art. 59:

“Art. 59 - No processo de votação eletrônica, a urna imprimirá o registro de cada voto, que será depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado.”

Por fim, e mais recentemente, não se pode olvidar a interferência direta, abusiva e indecorosa do ministro Luís Roberto Barroso (então Presidente do TSE) junto aos partidos políticos, com o propósito de alterar a designação dos membros da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados que votariam a PEC do Voto Impresso Auditável (a ser acoplado à urna eletrônica), tendo por objetivo reverter a tendência de aprovação do mesmo – o que foi conseguido com sucesso após reunião suspeitosa, a portas fechadas, com os líderes das diversas agremiações envolvidas (e sem os devidos esclarecimentos à imprensa e à sociedade civil).

São inúmeras e significativas, portanto – além de inquietantes –, as ocorrências a indicar, com o apropriado respaldo empírico, material suficiente para (no mínimo!) uma procedente e justificada suspeição da atuação de alguns integrantes dos dois mais relevantes Tribunais Superiores do país (STF e TSE), os quais, por designação constitucional, deveriam ser – por dever de função e missão institucional – os principais incentivadores e zeladores da segurança e transparência dos processos eleitorais, em nome da democracia (soberania popular) e da república (vontade geral) – e não, em contrário, os seus primordiais profanadores.

Afinal, em razão de todas incongruências e arbitrariedades já cometidas, há de se inquirir, em alto e bom som, com plena legitimidade conferida pelo direito de cidadania: o que buscam esconder “Suas Excelências” do povo brasileiro, ao empilhar tantas atitudes de desdém e contravenção às determinações legais soberanamente constituídas, quando deveriam ajudar, isso sim, a fazer cumprir, com desvelo e isenção, sob qualquer circunstância, justo a consumação do Estado de Direito?!

Por certo, não será com mera empáfia oratória, pautada em acusação desrespeitosa e, mesmo, preconceituosa aos “limites cognitivos” de seus críticos, que os presidentes do TSE ou do STF garantirão, junto à sociedade brasileira, por inescrupuloso casuísmo, a segurança eleitoral que ela própria, legitimamente, reivindica das autoridades constituídas; mas, sim, com atitudes pragmáticas e transparentes na solução dos gravíssimos problemas pendentes – que nada tem a ver com saliva entufada.

Em todos os casos, não é papel condigno de um juiz arvorar-se, do alto de sua indevida e petulante arrogância, a título de um pretenso (e farsante) “iluminismo”, a primazia da “verdade” e da “infalibilidade”, como se bastasse a sua “endeusada” palavra para conferir garantia a um sistema de procedimentos que, por todas as evidências e escombros acumulados – a exemplo da interminável convulsão decorrente do pleito de 2022 –, já se demonstrou absolutamente soturno, controverso e temerariamente impenetrável.

Não podem o absolutismo, o arbítrio e a panturra de “monarcas togados” se impor, subversiva e impunemente, sobre os princípios mais cristalinos e básicos da república e da democracia, raptando para si uma soberania que, por definição, não lhes pertence.

Afinal, as eleições diretas e universais – fundamento pétreo e condição inegociável de toda democracia decente – não são propriedade do TSE ou do STF (posados de seus “editores”), mas pertencem, unicamente, ao povo brasileiro – a quem “Suas Excelências” cabem servir, e apenas servir, como servidores públicos que são.

Eleições precisam ser ganhas, e não tomadas! – ao contrário do que foi insinuado pelo ministro Luís Roberto Barroso, quando ainda presidente do TSE.

Por isso, considerado o hostil e desenfreado ambiente de “guerra” ora em curso, todas as atenções precisam estar, de agora em diante (a exemplo do caso norte-americano), concentradas nas urnas eletrônicas e no seu rigoroso, acurado e republicano controle, à medida que a alternativa do acoplamento definitivo do voto impresso apascentaria de vez os ânimos e reconduziria o país à normalidade política.

Muitos apostam, decerto, na fraude eleitoral: alguns candidatos (popularmente rejeitados), partidos políticos (de feições patrimonialistas e cleptocráticas), grande mídia (de olho na recanalização das verbas públicas aos seus cofres privados), institutos de pesquisa (que dela precisam para justificar a sua programada contrafação), portentosos banqueiros e financistas (que mais “prosperam” no compadrio governamental), governos estrangeiros intervencionistas (interessados no solo, subsolo e biodiversidade nacionais), organizações criminosas (do narcotráfico às demais matizes), etc.

O “sistema” (“mecanismo”) está, integral e concertadamente, em ação permanente e obstinada e opera, com todas as armas disponíveis, para a consecução, a qualquer custo, de seus cabulosos e implacáveis propósitos, havendo quem diga ser o STF e o TSE, no caso brasileiro, a sua última (e decisiva) trincheira – pelo que Suas Excelências estão a dever a devida e coerente reação perante a nação.

Independentemente dessa confirmação, o STF e o TSE, por todo o seu passado de prepotência e facciosismo, passaram a estar, sim, até segunda ordem (por mudança de atitude), sob suspeita máxima do povo brasileiro. E assim precisam ser tratados, na ponta da lança, pelo Congresso Nacional (a instância mais legítima e democrática da representação popular), até a retomada daquela que continua a ser a batalha mais relevante e decisiva dentre todas, absolutamente ainda inconclusa: a aprovação definitiva da PEC do voto impresso.

Pois eleições suspeitas, capturadas pela dúvida ou pela fraude, representam o fim da república e da democracia; a institucionalização da insegurança e da barbárie; uma ruptura irreparável do pacto social e da ordem constitucional, a fomentar incalculáveis e calamitosos prejuízos políticos, econômicos e sociais – cuja ilustração, tendente ao agravamento, já se faz presente no horizonte.

Alex Fiúza de Mello. Professor Titular (aposentado) de Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Ciência Política (UFMG) e Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP), com Pós-doutorado em Paris (EHESS) e em Madrid (Cátedra UNESCO/Universidade Politécnica). Reitor da UFPA (2001-2009), membro do Conselho Nacional de Educação (2004-2008) e Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Pará (2011-2018).

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