O voto, instrumento de escolha e direito exercido em eleições periódicas desde tempos imemoriais, constituiu a melhor forma de exercício da prática democrática como a própria história confirma. Infelizmente, a história registra também que não é a mais perfeita. No campo político, a inteligência humana nem sempre esteve a serviço da maioria da população, utilizada por grupos que detém ou lutam pelo controle do poder.
No período colonial o poder das câmaras municipais era exercido pelos chamados “homens bons”, ou seja, por vereadores representantes da grande propriedade rural. Esta prática excluía a expressiva maioria da população como pequenos proprietários, posseiros, pobres, escravos e mulheres. Este afunilamento de participação política foi, com certeza, um dos mecanismos de controle da administração colonial.
Após a independência, as restrições à participação política mantiveram fortes parâmetros econômicos. Com a constituição outorgada de 1824, estabeleceu-se um limite de renda líquida anual para votar e ser votado. Mais uma vez excluía-se da participação política a grossa maioria da população brasileira. Porém, foi em fins do período regencial que começou a bifurcar duas tendências partidárias, cristalizadas no Segundo Império: os partidos Liberal e Conservador. Apesar da denominação de partidos, não passavam de agremiações políticas artificiais, com poucas diferenças entre si. Era comum afirmar-se que “nada era mais parecido com o Partido Conservador do que o Partido Liberal no poder ou que nada mais se assemelhava ao Partido Liberal do que o Conservador na oposição”.
As eleições seguiam ao sabor dos “mandões das vilas”. Um caso clássico em Mato Grosso, nesse período, foi a eleição de vereadores em Corumbá em 1873, a primeira após a guerra com o Paraguai que teve como principal protagonista o Barão de Vila Maria. Realizada na igreja matriz, o Barão postou atrás das duas mesas receptoras seus apadrinhados armados como forma de intimidação dos eleitores. Como era visível quem votava a favor ou contra, não deu outra, o Barão foi o mais votado. Depois, esta eleição foi anulada.
Entretanto, foi com a República que “o bicho pegou”. Ampliou-se a participação popular, mas em contrapartida ficou mais explícita a manipulação dos eleitores pelos poderosos de plantão. De pronto, todos aderiram ao novo regime e à formação de novos partidos. Estes partidos republicanos de âmbito estadual ou local, muitos de vida efêmera, surgiam motivados por dissensões internas dentro de um mesmo grupo partidário, para disputar uma eleição ou mesmo fazer oposição ao grupo oligárquico encastelado no poder. E tão logo desapareciam tais motivações, esses partidos se extinguiam para renascerem, posteriormente, com outra roupagem, com o mesmo perfil político.
Mesmo a legislação recomendando o voto secreto, até por volta de 1916 havia a opção pelo voto descoberto. Foi-se então criando artifícios para manipular os resultados de eleições. Atas eleitorais eram fraudadas, conhecidas como votos a “bico-de-pena”. Validava-se votos de defuntos e de eleitores não cadastrados no município. Outro costume utilizado foi o “compadrio”, ou seja, o estabelecimento de troca de favores e laços fortes de compromisso entre padrinhos e afilhados políticos. Assim, compadres e afilhados eram os “exércitos de reserva” dos coronéis padrinhos. Neste universo, apareceram os “currais eleitorais”, onde se concentravam eleitores, muita comida e as cédulas eleitorais previamente organizadas.
As cédulas (votos) eram impressas de forma particular, podendo o eleitor traze-las preenchidas dentro de um envelope, ou usar os envelopes existentes nas cabines eleitorais. Um fato curioso que passou para o folclore político, disseminado em todo o país, ocorreu com um coronel nordestino. Após dar alimentação a seus afilhados em seu “curral eleitoral”, foi feita uma fila onde o coronel passou a distribuir envelopes lacrados com as cédulas eleitorais. Superando o medo e a intimidação, um cabra perguntou porque o envelope estava lacrado. O coronel, do alto de sua arrogância, respondeu: “porque o voto é secreto, meu filho!”.
Por outro lado, a velha prática de compra de votos, da qual se ouve falar em todas a eleições, é de difícil comprovação. O delito raramente deixa rastro. No entanto, uma documentação existente no Arquivo Público de Mato Grosso (Cuiabá) mostra com “todas as letras” como se trocava votos por bens materiais. É o arquivo pessoal de Aníbal Benício de Toledo. Nascido em Miranda e formado em direito, Toledo foi juiz em Cuiabá, chefe de polícia, deputado federal de 1912 a 1930 e presidente do estado, quando caiu com a Revolução de 1930.
Nas eleições para presidente do estado, Toledo deixou registrado uma série de bilhetes que encaminhava aos seus correligionários para atender seus eleitores. Entre eles destacam-se alguns: “Amigo e senhor coronel João Celestino. É portador do presente o Snr. Hygino da Silva, que necessita de uma camisa e um par de botinas, para as eleições”; ou, “Ao exmo. snr. cel. João Celestino. Antonio Manuel Moreira apresenta o eleitor da 7a. secção o qual deseja uma fatiota, para comparecer as eleições” (nome antigo de terno).
Com o tempo, as artimanhas eleitorais foram se modificando. Todavia, uma delas teima em se manter presente, com as mais diversas roupagens: a compra de voto. A novidade é que esse crime eleitoral está sendo apurado e, em alguns casos, punido com cadeia. Mas isso é uma outra história, para uma outra vez.
Valmir Batista Corrêa
Valmir Batista Corrêa
É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.