Se “Democracia”, em sua concepção moderna, representa um conjunto de regras e procedimentos instituídos com o propósito de garantir o ordenamento jurídico-político favorável à realização da vontade da maioria dos cidadãos, expressa por intermédio do sufrágio universal, “República” pode ser traduzida como o fundamento último e moral do exercício teleológico do poder, voltado à consumação da “vontade geral” e do bem comum, com a correspondente engenharia institucional adaptada à finalidade.
Teoricamente, assim, pode haver democracia (cumprimento das normas e regras de escolha dos governantes pela maioria) sem república (uso do mandato em desacordo com o interesse geral).
A corrupção, em síntese, expressa, literalmente, a natureza não republicana do exercício do poder, mesmo em uma democracia formal, na medida em que os representantes políticos, ao invés de agirem em prol do conjunto da coletividade, usurpam a faculdade de mando em favor dos próprios interesses e/ou de grupos e corporações aliadas, em absoluta transgressão ao mais nobre desígnio das democracias contemporâneas: a efetivação da soberania popular. Deste fenômeno decorre o conceito de “patrimonialismo”, referente ao sequestro ilegítimo da “coisa pública” por interesses privados, em detrimento dos genuínos anseios populares.
É justo a cultura patrimonialista que conspira, sistemática e diuturnamente, contra a “vontade geral”, prolongando, ao fim e ao cabo, sob o formato falsificado de “república”, o modelo imperial e totalitário – com temperos cleptocráticos – de controle do Estado. Desta argamassa política aparente, mas de conteúdo antirrepublicano, manipulada ao sabor das elites dirigentes, sustentam-se e se alimentam a corrupção, o roubo, os privilégios seletivos, os conluios e toda sorte de ilicitude, ocorrências típicas de uma sociedade estamental e oligárquica – como já destacou o saudoso jurista e sociólogo Raimundo Faoro, em seu clássico Os Donos do Poder (1958) –, em prolongamento e reafirmação do inacabado (e insepulto) Brasil-Império.
Tal quadro revela uma dura realidade: nunca houve república no Brasil; muito menos (mais recentemente) “Nova República” – que escrachou, aliás, como jamais outrora (conforme revelou a Lava Jato), a natureza pútrida do sistema dominante. Pois tudo nunca passou de uma farsa; de uma pantomima espertamente escamoteada por ilusórias “regras democráticas” (meramente formais), cujo único propósito sempre foi a perpetuação – agora com “legitimação” – de uma oligarquia no poder (não importa a sua “cor ideológica”), a condenar o país à infinda servidão do populismo, da demagogia e do subdesenvolvimento.
Sim, o Brasil não passa de uma democracia (na forma) sem república (no conteúdo), a requerer, com a máxima urgência – para não se desmantelar num irrefreável estado de barbárie –, uma revolução dos costumes e das mentalidades; uma revolução social em que o povo, até aqui fadado ao papel de mero coadjuvante da arena política, passe a assumir, em definitivo, a função de sujeito de sua própria história e destino, transformando a letra morta da “soberania popular” – inscrita na Constituição – em realidade viva e pulsante.
Para tal, alguns movimentos e conquistas se impõem como imprescindíveis e inadiáveis. A mais importante e determinante de todas, por certo, é uma revolução no sistema educacional, em que o ensino de qualidade, voltado ao desenvolvimento de habilidades e competências teórico-práticas requeridas pelo dinamismo do mundo contemporâneo, substitua o ignóbil e estéril ideologismo atualmente reinante, absolutamente desprovido de formação intelectual adequada à aquisição da autonomia cognitiva – com capacitação para empreender e inovar – pelas novas gerações.
Mas como essa transformação de base requer muito tempo para o seu processamento e consolidação, torna-se imperioso garantir, em curto prazo, nas estruturas do poder de Estado, uma maioria de representantes que esteja comprometida, de fato, com a causa, dando-lhe máximo provimento e prioridade, condição esta que implica, por consequência, na exclusão (por voto ou por nomeação) de todos aqueles políticos e autoridades tradicionalmente inimigos da res publica – que sabem não ter futuro político numa sociedade formada por cidadãos intelectualmente preparados, autônomos e exigentes.
A substituição da atual classe dirigente (governantes, parlamentares, ministros de Tribunais Superiores de Justiça, etc.), contudo, impõe mudanças substantivas na ordem política vigente, que apontam para uma premente reforma política de fundo ou, até mesmo e no limite, para uma nova Constituinte – mais enxuta e radicalmente republicana em seus pilares. Por meio dessa aspirada metamorfose, há de se garantir, no mínimo, alguns primordiais avanços institucionais:
(1) o fim do voto obrigatório (da tutela do sistema sobre a liberdade do cidadão);
(2) o fim da reeleição para cargos no Executivo;
(3) a limitação do número de mandatos parlamentares, com avaliação individual de desempenho;
(4) o voto distrital (com representatividade mais orgânica e melhor controle dos mandatos); e
(5) a designação (técnica e não política) de ministros das Cortes Superiores (incluído o STF) por regras rigorosas que privilegiem a carreira na magistratura, a experiência acumulada, o reconhecimento do mérito jurídico entre pares e a reputação ética e profissional dos candidatos, todos, indistintamente com mandatos limitados (máximo de 10 anos).
Todos esses requisitos, ao impedir (ou dificultar)!o carreirismo e a perpetuação no poder – inibindo, por conseguinte, a corrupção, o patrimonialismo e a formação de quadrilhas –, favorecem, sobremaneira, a consolidação da República, tanto em seus valores pétreos, quanto em seus procedimentos, condutas e rotinas – dificultando o sequestro da “coisa pública” por oportunistas ou tiranetes de ocasião.
Nada disso, porém, será factível sem o povo nas ruas. Sem a assunção, pelos cidadãos, de seu protagonismo político. Sem a ameaça frequente, devidamente manifesta, contra os traidores da pátria e do progresso. Sem atos coletivos de massa que demonstrem, permanentemente, a força da soberania popular e constranjam a classe dirigente, a contragosto, nas várias instâncias e esferas do Estado, a respeitar e temer um repentino levante das atentas multidões, quando traídas em suas aspirações. Ou é assim, ou nunca será.
A República – demonstra a história – sempre foi uma conquista perene do povo; um plebiscito de todos os dias – nunca um presente das elites.
Alex Fiúza de Mello. Professor Titular (aposentado) de Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Ciência Política (UFMG) e Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP), com Pós-doutorado em Paris (EHESS) e em Madrid (Cátedra UNESCO/Universidade Politécnica). Reitor da UFPA (2001-2009), membro do Conselho Nacional de Educação (2004-2008) e Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Pará (2011-2018).
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