A guerra russo-ucraniana já ultrapassou a marca dos dois anos e, numa estimativa conservadora, mais de 120 mil soldados de ambos os lados já foram mortos. Apesar dessa carnificina, aos poucos, o drama ucraniano vai sendo preterido nas manchetes seja pelo conflito na Faixa de Gaza ou pelo noticiário local como as enchentes que destruíram o estado mais setentrional do Brasil ou as eleições presidenciais americanas.
Para se entender as origens do conflito é importante lembrar que a Ucrânia luta pela sua independência desde o século IX, desde então parte ou a totalidade do território ucraniano já foi dominado pela Coroa Polonesa, Império Otomano, Império Austro-Hungaro, o Império Russo da dinastia Romanov e mais recente pela extinta União Soviética de 1919 a 1991, quando a Ucrânia se emancipou como nação. Porém não se apaga uma influência de séculos em duas ou três décadas, um exemplo cabal da influência da cultura russa no cotidiano ucraniano basta dizer que o atual presidente Volodymyr Zelensky só aprendeu a falar o idioma ucraniano aos 30 anos, sua língua materna era o russo.
RUSSOS SÃO FORJADOS NA GUERRA
É fato que os generais russos cometeram erros crasos no inicio do conflito quando subestimaram a resistencia ucraniana – e Putin tentou ao estilo americano fazer ataques rapidos e pontuais, usando esquadroes de elite no inicio de 2022. Esses ataques iniciais se basearam em dados da inteligencia russa (FSB) que se mostraram totalmente equivocados e provocaram grandes baixas entre a elite militar russa.
Então foi a vez da inteligencia ucraniana, o SBU, falhar imaginando que as derrotas iniciais derrubariam o moral das tropas russsas e que ali seria traçado o caminho para vitória ucraniana. Apenas nos ultimos 35 anos a Rússia se envolveu diretamenta em 11 guerras, ou seja, basicamente um conflito a cada três anos. E nessa conta nem entra a guerra civil da Síria onde a Russia teve participação decisiva para manter o ditador Bashar al-Assad no poder.
Esse background das tropas aponta que todo soldado com mais de 25 anos já participou de um ou dois conflitos internacionais e não há nada parecido com a experiencia em combate, trata-se de um nível de stress que só quem participou conhece: a fumaça, o som ensurdecedor das explosões, o zunir das balas e a imagem de cadaveres para todo o lado. Não existe treinamento que prepare um soldado para esse tipo choque – a não ser a vivencia pratica nesse circo de horrores. E isso a sociedade russa tem. Os jovens adultos, seus pais, mães e avós. Não à toa rrecentemente o brasileiro João Fuster veterano da lendária Legião Estrangeira francesa declarou num podcast que depois de treinar soldados de dezenas de nacionalidades diferentes: franceses, tunisianos, chineses, ucranianos, indonésios, japoneses – chegou a conclusão os soldados mais duros são os russos e americanos.
No ultimo dia 02 de maio o vice-chefe da agência de inteligencia ucraniana (HUR) em Kyiev, o major-general Vadym Skibitsky, disse em entrevista à publicação britanica The Economist que uma nova (e eminente) contraofensiva russa iria testar as defesas ucranianas em seu limite.
Em abril a versão europeia do portal americano Politico.eu um dos mais respeitados do mundo, trazia uma análise insuspeita de Elon Musk dizendo que a Rússia já dominava todo leste ucraniano e ‘já punha suas garras’ em Odessa no extremo sul da Ucrânia. Musk tem apoiado a Ucrânia desde o início.
Nos mapas atuais podemos ver uma área consolidada de domínio russo em todo leste ucraniano, numa faixa de aproximadamente de 150 km de largura de Kharkiv no Norte, até a cidade de Kherson com tropas russas avançando lenta, mas consistentemente para o oeste. Depois dos revezes iniciais as forças russas voltaram à sua estratégia clássica, uma guerra de atrito, nas trincheiras com chuva de morteiros o que inviabiliza a movimentação dos esquadrões de assalto e snipers ucranianos. E apesar dos danos que nova ferramenta de guerra ucraniana os ‘drones kamicases’ causaram nos tanques – a indústria bélica russa tem surpreendido com a fabricação em série de tanques mais rústicos, analógicos, menos precisos, porém mais resistentes.
Outro fator decisivo é o número de combatentes, a Rússia tem uma população muito maior que a da Ucrânia e uma oferta quase infinita de mercenários (chechenos, coreanos do norte e das repúblicas do Cáucaso). Não bastasse isso agora abre-se uma nova frente de recrutamento em países africanos como Mali, Burkina Faso e Níger – todos regimes autoritários que se voltam contra a potência dominante na região, a França, para se aliar a Federação Russa. Em 2021 o golpe de estado que prendeu e depôs o presidente interino Bah Ndaw e o primeiro-ministro Moctar Ouane, nem sequer demandou participação do exercito russo. A agencia de mercenários russa Wagner Group foi o suficiente para tirar o país da esfera francesa e colocá-lo na orbita de Vladimyr Putin.
Falando sobre os quatro ‘voluntários’ brasileiros que morreram atuando do lado ucraniano, eles foram mortos antes de completar 04 meses no front. A sniper e socorrista paulista Thalita do Valle, apesar de já ter experiencia em combate com passagens pela Síria e Iraque, mesmo assim ela perdeu a vida antes de completar 4 meses na Ucrânia. O combatente brasileiro na Ucrânia, Ezequiel Silva, ficou 16 meses no front ucraniano e chama atenção para o apoio da China à Rússia que , segundo ele, tem sido fundamental, isso permite a Rússia fazer ataques de saturação com uma avalanche de morteiros e granadas praticamente sem limites, enquanto o exército ucraniano enfrenta limitações de armas, munições e material humano. Ezequiel estima que 95% das baixas são causadas por artilharia: morteiros, misseis, minas terrestres e ataques aéreos.
A única alternativa para o fim dos combates não é boa, seria a Ucrânia ceder uma parte considerável de seu território a seu invasor. Sim, é injusto e até legal do ponto de vista do direito internacional. Porém a outra opção é impensável pois a OTAN teria que entrar na guerra efetivamente – e por OTAN entenda-se tropas inglesas, francesas, americanas, canadenses etc. Isso causaria uma resposta dos aliados russos, especialmente China, Irã, Belarus e Coreia do Norte e aí as consequências dessa escalada seria impensável pois estaríamos falando de um conflito global com provável uso de armas nucleares.
O único fato novo que poderia alterar esse panorama, como sussurram alguns agentes de inteligência seriam as eleições presidenciais americanas pois Donald Trump já deixou claro que pretende cortar o apoio financeiro e material a Ucrânia forçando assim um armistício goela abaixo de Zelensky. Mesmo no caso da reeleição de Biden, o democrata também estaria propenso a forçar um acordo de paz pois o custo politico da guerra já está ficando alto demais e o complexo militar americano manteria seus contratos, só que agora para reconstruir a devastada Ucrânia.
Eduardo Negrão
Consultor político e autor de "Terrorismo Global" e "México pecado ao sul do Rio Grande" ambos pela Scortecci Editora.