Se há alguém cuja morte não foi em vão, esse alguém é dona Marisa.
Viva, sacrificou-se pelo marido e pelos filhos.
Morta, emprestou o cadáver para enfeitar um palanque e se transubstanciou em visionária política e investidora imobiliária.
Se do pequi se aproveita tudo, e do boi nada se perde, dona Marisa foi boi e foi pequi.
Dela nada se desperdiçou, dos chifres aos espinhos.
Boi, ralou nos tempos das vacas magras das greves do ABC, e pequi, viveu o suficiente para colher os frutos do seu trabalho.
Tirou cravos das costas do marido e lhe cortou as unhas dos pés. Aguentou seus porres, seus destemperos, suas escapadas, seu machismo.
Depois, ao seu lado dormiu no Palácio de Buckingham, bebeu champanhe, voou de jatinho e mandou erguer um galinheiro no Palácio da Alvorada.
Seu único pronunciamento digno de nota, enquanto viva, foi aquele em que sugeriu que os brasileiros descontentes com a corrupção introduzissem panelas em si mesmos por via anal.
Morta, passou a dar ordens às duas maiores empreiteiras do país, a planejar a perpetuação do legado do marido, a fazer investimentos imobiliários sem sequer consultar o cônjuge.
Em vida, dona Marisa não teve para o país qualquer utilidade.
Morta, descobriu-se que dona Marisa é que era primeira-dama de verdade.
Marisa Letícia é a nossa Inês de Castro, aquela que depois de morta foi rainha.
Eduardo Affonso
da Redação