Preciso ler 100 mil páginas da Petrobras para dizer que um tríplex não é meu...
09/05/2017 às 10:57 Ler na área do assinanteImagine que você, como eu, não tenha um triplex no Guarujá.
Não tem.
Não é seu.
Não te pertence.
Você precisa ler 100.000 páginas de documentos enviados pela Petrobras pra responder a um juiz que não, o triplex não é seu?
Agora suponha que você tenha ido ver o triplex.
(Eu vi muitos apartamentos antes de comprar o meu.
Vi, olhei, xeretei, perguntei, quis ver a garagem, falei com o porteiro - mas não rolou.)
Em algum desses apartamentos que você eventualmente tenha visitado, te ocorreu mandar a construtora mexer na sauna ou instalar um elevador privativo, antes de assinar o contrato?
Até posso imaginar a cara do corretor.
Ops, quem te levou pra ver não foi o corretor, mas o dono da construtora?
Acontece.
Comigo nunca aconteceu, mas acontece.
Acho que nem assim você mandaria mexer na planta se não fosse comprar o imóvel. Ou se ele já não fosse seu.
A menos, claro, que você seja arquiteto.
Arquiteto sempre quer mexer na planta, tem sempre uma solução melhor do que a dada pelo autor do projeto original (um arquiteto não tão bom quanto você, evidentemente).
Ok, assim como quem não quer nada, você (que não é arquiteto) sugeriu que botassem um elevador privativo, mexessem na sauna e instalassem uma cozinha modulada caríssima igual à que você tem num sítio que, por coincidência, também não é seu.
Sua mulher (ou seu marido) vai lá durante a obra e pede urgência, dizendo que vocês querem passar o reveiôn no cafofo.
A Construtora toca o pau, a obra fica pronta e antes de você se vestir de pai de santo e estourar a Sidra Cereser na sacada, a imprensa descobre e mela tudo.
Tem noivo que abandona a noiva no altar, confere?
A moça lá, maquiada feito apresentadora da Rede TV, os cajuzinhos e bem-casados já na bandeja, a Nova Schin no freezer e o moço dá pra trás.
É a coisa mais normal de acontecer - pelo menos em novela.
O que faz o dono da construtora (equivalente ao pai da noiva) neste caso?
Te mete um processo, cobra na Justiça os prejuízos (seja com o elevador, seja com os cajuzinhos) ou... deixa o apartamento fechado (acabam aqui as analogias com o casamento), não anuncia, esquece, releva, desapega?
Aí você pode dizer (e diz) que o problema não é seu, é do dono da construtora.
Ele não vendeu o apartamento pra outro porque não quis.
Você nunca falou que ia comprar - só tentou ajudar melhorando a planta e sugerindo uma cozinha igual àquela sua (que não é sua).
Você precisa esperar a impressão de 100.000 páginas de documentos da Petrobras (onde mesmo a Petrobras entra nessa história?) pra dizer isso ao juiz?
Precisa, pra ganhar tempo, porque o dono da construtora já disse que o apartamento é seu. Que ainda não está em seu nome, mas é parte do pagamento de uns favores (ilícitos) que você prestou a ele (e comprova os tais favores ilícitos).
Nem assim você precisa pedir três meses para ler 100.000 páginas de documentos da Petrobrás (a Petrobras tem a ver com os tais favores ilícitos) antes de ir dizer ao juiz que o seu apartamento não é seu.
Mas precisa de todo o tempo do mundo para não ser mandado pro Serasa, pro SPC, antes de dar o próximo golpe - que você só vai conseguir aplicar se não estiver com o nome sujo na praça.
Eduardo Affonso
Eduardo Affonso
É arquiteto no Rio de Janeiro.