A liberdade de José Dirceu e o Brasil numa longa jornada noite adentro
03/05/2017 às 13:48 Ler na área do assinanteJosé Dirceu está solto: o Supremo Tribunal Federal (STF) atendeu o pedido de habeas corpus do seu advogado e com isso mandou um claríssimo recado para Renato Duque e Antônio Palocci: mantenham-se calados e assim o façam pelo menos até o dia dez de maio, quando Lula deverá estar perante Sérgio Moro, em Curitiba.
A mensagem, numa variante perversa daquilo que o Regime Nazista escreveu na entrada do Campo de Concentração de Auschwitz, poderia ser resumida em algo como “O Silêncio Liberta”.
Aparentemente funcionou muito bem. Enquanto eu escrevo, a Revista Época publica que Palocci suspendeu suas tratativas de delação premiada. Quanto a Renato Duque, numa de suas primeiras declarações depois da prisão, já havia afirmado que “existe uma hora de falar e uma hora de calar e que aquela era a hora de calar-se”. Impossível, portanto, acreditar que ele mesmo (Duque) possa ter esquecido a lição que ensinou a uma imprensa que, ao contrário da Organização Criminosa, não pode calar-se e precisa mentir o tempo inteiro.
Do silêncio que libertou Dirceu, do silêncio que pode libertar Duque e Palocci, existe uma distância gigantesca para o silêncio que se impõem, que na verdade se auto impôs, até hoje, a sociedade brasileira. Uma sociedade tropical, tão barulhenta e tão feliz, tão terrivelmente obrigada a ser feliz... Uma nação que foi às ruas aos milhões e aos berros para derrubar uma criminosa como Dilma Rousseff, tem hoje no silêncio, no isolamento, na incapacidade de cercar o STF e destruí-lo, uma explicação diferente daquela que até então se podia invocar.
Antes era possível dizer que esta é uma nação de covardes, de egoístas ou de indiferentes. Agora não – é uma nação estupefata, é um povo perplexo que começa, pela primeira vez, a entender que já não pode mais contar com instituição alguma.
Calaram-se os cientistas políticos, emudeceram aqueles que chamavam os intervencionistas de loucos, sumiram os que diziam que ainda existem instituições funcionando, não sumiram?? Sair pelas ruas para derrubar uma criminosa imbecil, uma estelionatária capaz de “estocar vento” e “saudar mandioca” é bem mais complicado do que derrubar o Tribunal que manteve seus direitos políticos, não é mesmo?
A soltura de José Dirceu encerra uma fase, termina um período, decreta o fim de uma crença (já muito frágil) na ideia de um Poder Judiciário que teve sua instância suprema, o maior de seus tribunais, tomado por um grupo de facínoras que o transformou numa espécie de Departamento de Operações Estruturadas do Direito Brasileiro. Digo, sem medo algum de exagerar, que o STF está para Justiça como a Odebrecht esteve para PETROBRAS.
O Supremo Tribunal Federal é parte da Organização Criminosa que destruiu nosso país, seus membros foram escolhidos a dedo por chefes de executivo (antes, durante e depois do Regime Petista) para que se configurasse, ali dentro, uma maioria sem escrúpulos, um grupo de gente sem pudor, sem vergonha nem temor de prestar contas à população quando chegasse a hora de libertar os criminosos que lhes deram, eles mesmos, os cargos de “Ministros”.
Dias Toffoli, ao dizer que “a sociedade compreenderá”, queria na verdade dizer que “a sociedade aceitará calada”. Deixou claro que não acredita numa reação popular à libertação de Dirceu, mostrou que cumpriu a missão para qual foi colocado lá e acabou, de uma vez por todas, com a fantasia de que a Lava Jato vai mudar o país.
Já escrevi uma vez, e repito agora, que a Operação Lava Jato não veio para garantir Estado de Direito algum no Brasil. A Lava Jato só tomou a dimensão que tem hoje porque este Estado de Direito não existe mais. Digo ainda que os membros da Força Tarefa arriscam-se (e Gilmar Mendes e Renan Calheiros já deram voz a esta ideia) a terminar seus dias detidos e acusados de insubordinação, de prisões ilegais, de tortura psicológica ou qualquer outra coisa que a Organização Criminosa possa caracterizar como “abuso de autoridade” para manter seus integrantes livres.
A liberdade de Dirceu veio para manter Duque e Palocci em silêncio e com isso eles podem ganhar a liberdade. O silêncio da sociedade brasileira precisa lhe garantir a consciência, a percepção completa e total, de que não existe mais Justiça nem instituição alguma no país capaz de sustentar uma mudança não traumática, um processo gradual e não violento que combine, que case tão bem, com nosso“jeitinho” ...com a nossa maneira de resolver as coisas “numa boa”...
Decisões de Sérgio Moro não tem mais importância alguma: serão revogadas se assim for conveniente à Organização Criminosa. A prisão de Lula já não é mais relevante: ele será, inevitavelmente, colocado em liberdade pelo STF.
A Operação Lava Jato “acabou” porque chegou, finalmente, ao maior, na verdade ao único, dos seus alvos – o próprio poder Judiciário que lhe deu, até hoje, legitimidade.
Dirceu está solto, Lula está livre, Dilma viaja com despesas pagas pelo povo que a derrubou... O Brasil inteiro é como um daqueles personagens de Eugene O’Neill... Um bêbado, uma viciada em morfina, um avarento, um tuberculoso, presos numa casa que é um inferno, numa noite sem fim, numa Longa Jornada Noite Adentro.
Milton Pires
da Redação