Eric Clapton e a cultura do cancelamento quatro anos depois

Nota: este artigo foi escrito em 2020, mas acabou não sendo publicado. O leitor encontrará algo no texto que entrega a sua temporalidade, mas a essência continua bastante atual. No mais, boa leitura!

Os sobreviventes de 1968 poderiam acreditar que em outros tempos não haveria uma geração mais imbecil que a dos seus contemporâneos. Se eu fosse daquela época e estivesse entre aqueles com mais de dois neurônios e um pingo de bom senso, concordaria plenamente. Os jovens de 1968 lutaram contra os princípios basilares da nossa civilização pelas maravilhas da new left. Esbravejaram contra o capitalismo e o patriarcado conservador – justamente a combinação que proporcionou ao Ocidente as melhores condições materiais e humanas deste mundo. Não foi por acaso que tenha sido na França: o país é desde a sua prodigiosa revolução uma história de erros e fiascos. Só poderia ter acontecido ali.

E no que deu maio de 68? Naquilo que o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy disse: numa situação sem hierarquia de valores. “O maio de 68 impôs o relativismo moral e intelectual a todos nós’’, disse ele. Não há como discordar de Sarkozy. A juventude imbecil nunca envelheceu. Continua com os mesmos cacoetes mentais da dita época. Seu legado é absolutamente nefasto: basta perceber a degradação moral do mundo após a destruição dos valores cristãos e a adoção das porcarias progressistas com roupagem politicamente correta. By the way, a praga do politicamente correto já tem o seu mais novo alvo: Eric Clapton.

Uma ilustre desconhecida chamada Phoebe Bridgers – não é troça, eu não a conhecia de fato – resolveu soltar os cachorros para cima do músico Eric Clapton. Além de fazer piada com uma canção que conta a morte precoce do filho de Clapton, a dita cantora chamou o músico de medíocre e racista famoso.

Quando vi isso pela primeira vez, minha reação instantânea foi pesquisar para saber quem diabos é Phoebe Bridgers. A primeira coisa que vi a respeito era a única realmente importante: a dita cantora fez uma música e o dinheiro arrecadado foi doado para a Planned Parenthood. Sim, é isso mesmo. A californiana mimada que chamou Eric Clapton de racista encheu os cofres da organização fundada por ninguém mais ninguém menos que Margaret Sanger – uma racista eugenista simpatizante da Ku Klux Klan. Além disso, a Planned Parenthood é conhecida por vender órgãos de bebês abortados – ler-se: assassinados – e servir aos planos eugenistas do extermínio da população negra disfarçado de controle da natalidade. É uma gracinha adorável essa tal de Phoebe Bridgers, não?

Quanto ao teor das ‘’críticas’’ a Eric Clapton, na melhor das hipóteses foi uma tentativa de chamar atenção. Sir Eric Clapton é reconhecidamente um dos melhores músicos de todos os tempos, um guitarrista da melhor qualidade e um cantor que tem em seu repertório músicas cantadas por gerações nos quatro cantos do planeta. O próprio autor destas linhas é seu fã incondicional. A respeito do racismo, é fato que Clapton falou bobagem num show em 1975, mas a sua trajetória como músico desmonta qualquer associação sua a tal comportamento lastimável: ele gravou álbum com B. B. King, fez turnê com Muddy Walters e tocou com Albert King e tantos outros ícones do blues que eram negros. Não vem que não tem, Juvenal.

A coisa não se resume apenas a uma menininha imbecil querendo fama ao falar de um cantor já consagrado. Ela vai além e mostra o quanto o politicamente correto impregnou nas mentes juvenis e passou a ser a regra maior, a cláusula pétrea para ser sociável e o modus operandi único para não ser malvisto por todos. Eliminar certas palavras, certos comentários e padrões de julgamento no afã de não ofender ninguém é uma distorção tosca da linguagem. Palavras foram feitas para dizer, já dizia Graciliano Ramos. Mas no altar das causas messiânicas e das delícias do mundo moderno, isso não é mais necessário. Basta fazer uma bella figura e dizer aquilo que os iluminados querem ouvir. Ou melhor, deixar de dizer o que eles não querem ouvir.

Aqui no Brasil, ocorreu algo que chamou minha atenção – embora não me deixasse surpreso. A cantora Marília Mendonça foi alvo de ataques por ter feito uma brincadeira com um amigo seu que beijou um transsexual pensando ser uma mulher. A partir disso, ela virou persona non grata para a lacrosfera, e todos os estúpidos irracionais passaram a apontar o dedo espumando ódio e gritando: transfóbica! Uma simples brincadeira enfurece uma geração que se diz tão corajosa e segura de si. São os defensores das liberdades que não aceitam a liberdade alheia. O pior de tudo foi a cantora pedir desculpas por nada e satisfazer os expoentes da tirania.

Esse é o politicamente correto. Uma ditadura da linguagem na qual as pessoas têm de ter o maior cuidado com as palavras para não ofender certos grupos. Uma palavrinha mal colocada é suficiente para o diabo sair da garrafa e a turba dos bárbaros chegar com quatro pedras na mão. Os imbecis de 68 deram a entender que não há diferença alguma entre a verdade e a mentira, entre o belo e o feio, entre a liberdade e a tirania, entre a civilização e a barbárie. Eles angariaram cabelos brancos, mas continuam parados no tempo. Aquela juventude cresceu em tamanho: hoje são professores, intelectuais e políticos a fazer a cabeça da atual juventude, que a supera em matéria de estupidez.

Se um dos imbecis juvenis queria cancelar Aristóteles pela cor da sua pele, imagine então o que eles podem fazer com você. Muitos americanos, por exemplo, temem perder seus empregos por ‘’opiniões erradas’’ ou por votarem no ‘’candidato errado’’. Is the life. O alvo agora é Eric Clapton. Santa paciência para com a estupidez juvenil.